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Olá e bem-vindos ao meu podcast e blog “Morangos sem Açúcar”, uma série sobre desenvolvimento pessoal, corpo, mente e bem-estar – pessoal e do planeta em que vivemos. O meu nome é Karlos K e gostaria imenso de ouvir a SUA opinião, comentários e experiências pessoais, através do email karlosk.books@gmail.com, no Instagram ou Facebook @karlosk.escritor ou no site www.karlosk.com/contacto.
Olá amigos e amigas. Bem vindos ao episódio 24 de “Morangos sem Açúcar”. Como muitos já se aperceberam, o sucesso nem sempre traz um sentimento de plenitude e contentamento. A felicidade de uma nova conquista é geralmente fugaz. Neste episódio exploramos os mecanismos psicológicos desta tendência para a insatisfação e os princípios base de um caminho para maior contentamento e felicidade.
Não podemos esperar até ter tudo perfeito para ser feliz. A perfeição não existe porque a mente humana é fantástica a inventar novas ambições e desejos… Na verdade, à medida que conquistamos alguns objetivos e resolvemos problemas, a mente lança o seu foco implacável sobre outras coisas que antes nem pareciam problemas.
É usual pessoas que se auto-consideram bem sucedidas, profissionalmente e/ou pessoalmente, viverem angustiadas ou com uma sensação intangível de que falta algo. Se avaliarmos a realização pessoal na vida pessoal e profissional numa escala de 1 a 10, sendo 10 o topo de auto-estima e realização, é comum que pessoas que se auto-avaliam no 8 ou 9 acabarem por se sentir tão felizes (ou infelizes) como pessoas com score de 2 ou 3 na escala da realização.
De certo modo, pode ter 9 em 10, mas o 1 que falta pode causar muita ansiedade. Isto resulta da conjugação de alguns mecanismos psicológicos inerentes à natureza humana:
Instinto de sobrevivência: ao longo de milhões de anos de evolução humana, aqueles que sobreviviam eram os que se preocupavam. O cérebro base, animal, desenvolveu mecanismos químicos que induzem estados de stress para fugir aos perigos (o ruído de um tigre ou a chegada do inverno), ou de prazer para memorizar e repetir o que ajuda a sobrevivência e reprodução (onde encontrar alimento ou parceiros sexuais). Este instinto de sobrevivência faz com que hoje, por muito segura que seja a vida, estamos sempre a testar o que pode correr mal. O cérebro humano é uma máquina de simulações, continuamente a testar o que pode correr mal. A questão é que esse mecanismo de sobrevivência foi feito para gerir ataques imediatos, de curto prazo, que rapidamente passa. Hoje, os riscos e fontes de stress são quase permanentes e o instinto de preocupação está hiperativado. Esses mecanismos são instintivos, emotivos e dificilmente conseguimos controlá-los através do córtex cerebral “racional”. Por isso, tentar forçar estados de contentamento ou felicidade por “força de vontade” não funciona. Para lá chegar, só há um caminho: a via emotiva e somática.
Estado neurológico “default”: O cérebro humano acordado está sempre a gerar pensamentos e só “pára” (entre aspas) durante o sono ou estados profundos de meditação. Aquilo que os neurologistas designam “default neurological pathway” é aquilo em que pensamos quando não estamos ativamente a pensar em nada. Ou seja, o estado base a que a mente regressa quando não encontra nada melhor para fazer. Ora, os hábitos de trabalho árduo, obsessão, preocupação que em geral, conduzem ao sucesso tornam-se uma verdadeira “droga”, ou seja, passam a ser o padrão mental a que a mente regressa sempre que não está concentrada em tarefas exigentes. Isto torna-se uma voz externa, estes pensamentos de preocupação ou ansiedade ou validação tornam-se um ruído de fundo permanente que pode ensurdecer, só dando descanso provisório quando a mente é absorvida em tarefas exigentes.
As ilusões do Caminho: a escalada, o desafio do processo é sempre mais interessante do que o plateau da chegada ao destino. Ao longo do caminho, a mente tem mecanismos extraordinários de motivação, criando ilusões sobre quão fantástica vai ser a vida depois de atingir aquele objetivo. Isso mantém a mente e o corpo concentrados na caçada, em estado de Flow, um fluxo natural como o rio que avança indiferente às pedras que vai encontrando. Só que quando se atinge o destino e o rio se torna um lago, nesse momento todas as ilusões que a mente criou para motivar são confrontadas com a realidade.
O sucesso amplifica tudo o que somos, incluindo o lado negro. O sucesso abre possibilidades e amplifica tudo o que somos, mas isso significa que também dá voz às piores partes se manifestarem, mostra-nos de forma muito nítida o que não está bem. Como uma nódoa numa toalha branca imaculada e engomada é mais nítida do que numa toalha empoeirada e encorrilhada. E aí entra o ego, a obsessão pela Perfeição: a perfeição instagramável do corpo, da casa, do carro, das relações, do restaurante… Podemos ter uma vida em geral fantástica, mas aquelas pequenas coisas que faltam tornam-se obsessivas e ofuscam tudo o resto. Na verdade, o sucesso amplifica essa obsessão pela perfeição: se já cheguei até aqui, então só mais um esforço e vou conseguir resolver aquilo que falta. Se já sou um 8 ou 9 na escala da satisfação, então mais um esforço e chego ao 10. Só que esse 1 ou 2 que faltam normalmente não são atingíveis por força de vontade, por esforço racional – são emotivos. E quanto mais tentamos forçar chegar ao 10 através da razão ou da força de vontade, mais ansiedade se gera e mais longe ficamos – acabando eventualmente por resvalar.
O segredo é simples, mas ilusório e requer prática. Deixar ir. Perceber que só quando deixamos de ambicionar obsessivamente pela perfeição emocional, é que essa perfeição naturalmente chega. Para viver com contentamento e felicidade, é preciso primeiro aceitar, abdicar, deixar de tentar forçar uma certa ideia de felicidade.
Isto começa por aprender a viver com o vazio ou com sensações desconhecidas. Ficar confortável com o vazio mental, para desenraizar o hábito de voltar sempre ao estado neurológico default de preocupação. Quebrar o hábito da ansiedade e stress começa por aprender a estar confortável com a ausência de preocupação, e o síndrome de abstinência que isso provoca – ou seja, estar confortável com o vazio ou estados desconhecidos. Por incrível que pareça, a mente tende a preferir estar em estados que já conhece, de hábito, que dão o conforto da ilusão – errada – de controlo, do que deixar ir e aceitar novos estados desconhecidos. A dada altura, após décadas de hábito de stress e preocupação, isso torna-se um eucalipto que seca todos os outros estados mentais: descontração, curiosidade, empatia, alegria… De certo modo, a necessidade de controlo faz com que seja mais confortável um estado de ansiedade e stress do que de calma e vazio – a preocupação dá a ilusão de que estamos em controlo, apesar de ser exatamente o oposto: quanto mais stress e ansiedade, normalmente pior conseguimos resolver os problemas. Mas a mente “gosta” de se preocupar com coisas que não consegue resolver imediatamente, porque isso dá a ilusão de controlo. Por isso, tendemos a regressar sempre a esse estado base de stress e ansiedade com que ao longo de décadas fomos drogando a mente.
É possível mudar lentamente este estado neurológico default, com terapias como o Mindfulness Stress Reduction (MBSR) ou Acceptance and Commitment Therapy (ACT). Já falamos noutros episódios diversas vezes do Mindfulness e a forma como técnicas de meditação pragmática podem ajudar nesse processo de “deixar ir”, ou seja, escolher de forma consciente e sem julgamento quais os pensamentos a que queremos dar atenção e quais os que mais vale deixar passar.
O ACT é um modelo complementar de auto-conhecimento e consciência, assente em 6 pilares:
- Estar Presente, em Mindfulness, no momento atual
- Descobrir os Valores que são de fato importantes para ti, através de reflexão, journaling, meditação
- Compromisso com tomar as ações necessárias para viver a vida que queres viver, com propósito e intenção
- O Eu, constante e essencial que não é condicionado pelo sucesso ou insucesso, pelas dificuldades que vão surgindo
- Difusão dos pensamentos, ou seja, estar confortável com observar os pensamentos e deixar passar, sem ser absorvido por eles
- Aceitação de pensamentos difíceis e emoções desconfortáveis como parte da experiência de viver, sem tentar forçar o desaparecimento dessas emoções mas aceitá-los com gentileza e deixar seguir o seu curso até desaparecer
A mensagem, em termos essenciais é muito simples: não espere até estar tudo perfeito para ser feliz. Nunca vai estar tudo perfeito. Permita-se visualizar o bem-estar aqui e agora, no meio das dificuldades e turbulência. A ideia é simples, mas a prática para lá chegar é muito contraintuitiva, porque os meios a que estamos habituados (força, raciocínio lógico, resolver problema) não se aplicam neste caso. Este é um problema que só se resolve quando deixamos de tentar resolvê-lo.
Deixo-vos com outro acrónimo engraçado para guiar esse caminho. Exercitar uma mente forte e compassiva, preparada para alta performance mas com serenidade, é trabalhar na CUCCA:
- C de Consciência: auto-conhecimento, saber quais os nossos valores base e ter consciência dos processos mentais que conduzem a certos estados de espirito
- U de Unlearn, ou seja, desaprender a forma usual de “fazer”, deixar a tentação de controlar a mente através de esforço ou raciocínio lógico e virar a atenção para o corpo e o interior
- C de Curiosidade, manter espírito da 1ª experiencia e sempre que surgem emoções e pensamentos, olhar para eles com curiosidade e consciência, para poder escolher quais dar voz e quais deixar passar
- C de Confiança no processo e em ti e no mundo à volta, na energia imutável que está para além das variações do mundo
- A de Aceitação de todas as partes de ti, de toda a cacofonia de vozes que vive na hospedaria que é a nossa mente
Sejam felizes… mas não se esforcem muito com isso!
Podem-me enviar sugestões de pessoas para entrevistar para karlosk.books@gmail.com ou no site www.karlosk.com/contacto
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