Morangos sem Açúcar: (31) Trail da serra da Freita: uma metáfora dos heróis quotidianos

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Olá e bem-vindos ao meu podcast e blog “Morangos sem Açúcar”, uma série sobre desenvolvimento pessoal, corpo, mente e bem-estar – pessoal e do planeta em que vivemos. O meu nome é Karlos K e gostaria imenso de ouvir a SUA opinião, comentários e experiências pessoais, através do email karlosk.books@gmail.com, no Instagram ou Facebook @karlosk.escritor ou no site www.karlosk.com/contacto.  

Fiz este fim de semana o trail da serra da Freita. 29km duros, a subir a uma das mais belas serras do país. De joelhos no meio da lama ou agarrado desesperadamente a uma rocha para escalar a escarpa, apercebi-me de como os 29.000 metros da prova são uma metáfora para os 29.000 dias das nossas vidas.

A serra da Freita ergue-se como um gigante sobre as vilas de Arouca, Vale de Cambra e São Pedro do Sul. É uma serra encantada pelos riachos e cascatas que a percorrem e pelas majestosas gargantas entre vales e serra – as “goelas”, como lhes chamam as gentes da terra. Estas goelas de escarpas ingremes parecem uma bocarra enorme entre a terra e o céu.

Classificada como geoparque mundial da Unesco, a serra da Freita é uma viagem no tempo pelas gravuras rupestres, um conjunto megalítico e dólmen, uma mina romana, percursos em calçada romana e minas de quartzo. O rio Paiva corta a serra e propõe um longo passeio pelos passadiços do Paiva, com a maior ponte pedonal suspensa do mundo.

Não me contentei com o “passeio” dos 15km, mas também não tive coragem para os “ultra” de 65km ou 100km, ficando-me pelo honroso percurso de 29km.

De joelhos no meio da lama ou agarrado desesperadamente a uma rocha para escalar a escarpa, apercebi-me de como os 29.000 metros da prova são uma metáfora para os 29.000 dias das nossas vidas (assumindo uma vida de 80 anos). Cada dois passos da corrida são equivalentes a um dia das nossas vidas. Os 29km fazem-se um passo de cada vez, como a vida se faz um dia de cada vez, cada um dos 29.000 deles.

Na verdade, cheguei atrasado cerca de 20 minutos. Resultado de andar a fazer demasiadas coisas ao mesmo tempo, retive do email das instruções que a entrada nas box de partida era às 8.00 para saída às 8.30… mas afinal a saída era às 8.00. Enfim, lancei-me à estrada, um tanto desanimado mas sem querer reconhecer o meu erro ou desistir. Como se não bastasse chegar atrasado, virei mal na primeira bifurcação (já estavam a tirar as marcas sinalizadoras em preparação da saída dos 15km), e fiz uma direita quando devia ter feito uma esquerda. Ia já uns bons 2km na corrida, quando um carro se aproxima a buzinar e o condutor a fazer sinais… uma alma caridosa da organização veio atrás de mim de carro e deu-me uma boleia de volta para trás, colocando-me na entrada para os trilhos da serra. Recuperei os 2km iniciais do percurso em estrada, que teriam levado 10-15 minutos. Corri talvez 30 minutos sozinho, a tentar calar o diálogo que estava ao rubro entre as vozes na minha cabeça, mas ao fim desse tempo consegui apanhar a cauda do pelotão e juntar-me à prova.

Aquela ajuda inicial, de um desconhecido que vim depois a descobrir era o José Moutinho, organizador desta e muitas outras corridas e o “pai” do trail em Portugal – aquela ajuda inicial foi a necessária para me permitir juntar a corrida. Metaforicamente, foi a pequena ajuda, o empurrão necessário para saltar e entrar no jogo, tal como muitas vezes precisamos de alguém ou alguma coisa que nos coloque no nosso caminho e diga “pronto, agora vai…”, que nos faça juntar à luta.

Curiosamente, este começar em último acabou por ter um efeito psicológico engraçado. Basicamente, fui ultrapassando outras pessoas. É sempre melhor ultrapassar do que ser ultrapassado, dá ânimo para continuar. Se tivesse partido no meio do pelotão, teria certamente sido ultrapassado muitas vezes, enquanto que começar como o “underdog” permitiu-me encontrar o lugar natural na prova.

Ora, até aqui tudo bem. Uma vegetação densa típica das serras portuguesas, trilhos que subiam e desciam… Lá íamos todos, guerreiros incautos e cheios de força, sem saber as dificuldades que a serra ali à frente iria colocar no nosso caminho. A ignorância dos perigos e desafios é confortável.

Só que o conforto não transforma. Não nos faz crescer. Não eleva a mente ou a alma. É fácil e rapidamente se torna aborrecido. Mas a zona de conforto acabaria em breve… e é fora da nossa zona de conforto que descobrimos as nossas forças mais profundas, o que nos faz vibrar e seguir em frente e não desistir.

De joelhos na lama, literalmente, com os pés molhados e as pernas a doer, sem outra opção que não continuar para a frente. Desconfortável. E por vezes é apenas isso que temos que fazer na vida. Aceitar o desconforto, a lama que aparece no nosso caminho. Mesmo de joelhos, curvados perante os desafios do caminho, continuar a seguir em frente – a correr, a caminhar ou a rastejar, mas seguir o nosso caminho. Um passo de cada vez. Não para. Não para.

Ou agarrado desesperadamente à rocha para subir o penhasco escarpado, com uma garganta a pique abaixo de nós, a intimar a perna a subir. Por vezes é mesmo só isso que temos que fazer… agarrar-nos e aguentar. Não larga. Não larga.

São nestes momentos de desafio – na serra da Freita ou na selva da cidade – que percebemos quais são os nossos limites. E que afinal esses limites estão muito mais adiante do que pensávamos. Metaforicamente, a única forma de passar por um túnel escuro e encontrar a luz do outro lado, pode ser mesmo baixar e rastejar na lama.  

E não vale a pena insurgir-nos ou espernear ou lutar contra a realidade. Aceitar o sítio em que estamos nas nossas vidas, dar espaço para a dor, reconhecer que está lá – parar um pouco para tomar fôlego – mas continuar, com a confiança que podemos sarar e regenerar as feridas. Dar espaço ao medo sem lutar com ele, mas explicar a essas vozes receosas que nos querem fazer parar: “eu sei que estás aí, mas eu quero continuar”. Entre a multidão de emoções e vontades contraditórias que a mente nos atira, reconhecer que tudo isso não são mais do que criações da nossa mente, transitórias, e nenhuma delas isoladamente nos define. Podemos viver com essas contradições e tomar uma opção, sabendo que haverá sempre vozes discordantes na sinfonia da mente. A palavra “e” é muito poderosa. Tudo habita em nós ao mesmo tempo: Coragem e medo. Confiança e ansiedade. Energia e preguiça. Curiosidade e passividade. Vontade e desmotivação. As contradições vão estar lá sempre, não podemos esperar pelo silêncio desse diálogo interior para viver aqui e agora. O diálogo continua, cada voz a tentar chamar a nossa atenção, e nunca se vão calar – portanto, a única coisa que podemos fazer é deixá-las falar, deixar de lutar contra elas. Como aquele grupo barulhento no cinema a mastigar pipocas e comentar o filme… são chatos, mas não são o filme, e é muito mais interessante assistir ao filme (viver a vida) do que deixar os barulhentos das pipocas distrair-nos.

Tal como não podemos esperar que o mundo pare de rodar, que o vento deixe de soprar, que o mar fique calmo para enfrentar a tempestade – é no caos quotidiano que temos que procurar encontrar os nossos pontos de referência firmes e sólidos, as nossas certezas, a nossa verdade. A única coisa que podemos fazer ao longo do caminho, é ser fiéis à nossa verdade.

Não vale a pena esperar que tudo seja perfeito para apreciar a vista. Na lama, no frio, agarrado à rocha… se nos afastarmos da nossa luta individual, da nossa história egoísta, e olharmos à nossa volta… uff! A paisagem é linda, avassaladora. As borboletas voam, os pássaros cantam, a urze azul e violeta cobre os campos – a vida segue o seu curso, indiferente às lutas, aos sofrimentos ou alegrias dos biliões de seres vivos na gigantesca teia da vida. Por vezes é preciso também isso, sair da nossa luta egoísta e individual e contemplar o fluxo imparável do mundo à nossa volta.

Curiosamente, há pessoas que funcionam melhor nas subidas, em esforço. A subida é mais controlada, preparas-te para a dureza, ou o exame ou a reunião, e sobes, de forma controlada. Outras pessoas funcionam melhor nas descidas, em que basicamente é preciso uma confiança quase cega de que as pernas, olhos e cérebro conseguirão definir o sítio certo para colocar o pé, que não numa pedra ou ramo que nos faça estatelar e rebolar pela encosta abaixo. Outras pessoas têm pico de performance nas zonas planas, na corrida certa e ritmada com uma vista desimpedida. A subida é respiração controlada e força. O terreno plano é claro e desimpedido, num ritmo constante e certo de longa distância. A descida é fluxo de energia estonteante, puro instinto.

Mas talvez o aspeto mais marcante do trail como metáfora da vida, é a inevitabilidade do caminho marcado. Aquelas bandeirinhas cor de laranja que iam assinalando o caminho funcionam como um compasso, um tambor a marcar o ritmo da passada. Mesmo sem saber o que vai estar do outro lado da curva, uma coisa é certa – a bandeirinha laranja a marcar o caminho. Podemos esquecer totalmente os km, o objetivo final lá adiante, e focar-nos totalmente no caminho, em superar os obstáculos um a um. Como na vida, tudo parece mais fácil e natural quando temos um caminho bem traçado e com regras bem definidas, em que conhecemos o mapa, mesmo que não conheçamos os desafios que vão surgindo.

Numa corrida de 29.000 metros, tal como nos 29.000 dias das nossas vidas, não interessa quantas vezes a mente quer desistir, desde que as pernas continuem a correr: um passo atrás do outro, tac, tac, tac… Não para. Não para. Respira e não para. Mas quem define a nossa velocidade somos nós próprios. Não interessa quem nos ultrapassa ou quem ultrapassamos, se formos ao nosso ritmo. O único competidor que temos que ultrapassar é o nosso eu de ontem, para crescer. Nesse caminho entre o nosso eu de ontem e o nosso eu de amanhã, muitas vezes esquecemo-nos de agradecer a tudo e todos que nos apoiam. De forma literal, as sapatilhas que tornam a corrida mais confortável. As minhas Hoka Speed Goat começaram brilhantes e lindas. Acabaram ainda mais lindas, cheias de lama e em muito pior estado do que eu. Na verdade, todos os dias, há pessoas que aguentam com muito mais lama do que eu, e podemos ganhar ânimo nessa consciência da condição partilhada da vida humana, de sofrimento e alegria.

Este era o estado das minhas sapatilhas no final da prova:

Mas a verdadeira corrida começa depois de cortar a meta. Dar tempo a sarar as feridas e recuperar o fôlego, e encontrar novos desafios, novos caminhos para continuar caminhando. Não há meta, não há um estado final de perfeição para onde temos que correr desesperadamente na esperança de depois parar e descansar.

A todos os heróis quotidianos… não vale a pena correr desenfreado na ilusão de uma meta para depois viver a vida. Temos que a viver aqui e agora, no dia a dia, enquanto caminhamos. Citando uma conhecida marca de whiskey, “keep walking”. A caminhar, correr ou a rastejar, não para. Não para. Não larga. 29.000 metros, um passo de cada vez. 29.000 dias, um dia de cada vez.

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Morangos sem Açúcar: (30) Método Wim Hof, com Pedro Amendoeira

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Morangos sem Açúcar: (29) Bem-estar sem esforço: como abandonar a busca é a única forma de encontrar a felicidade

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Bem-vindos ao episódio 29, onde falamos de uma conclusão surpreendente e contra-intuitiva: a busca da felicidade e prazer é uma “armadilha”, e só quando deixamos a luta obsessiva pela felicidade para nos concentrarmos em plenitude no caminho e no momento presente é que, quase por magia, encontramos tranquilamente a felicidade. Isso não significa deixar de lutar por aquilo em que acreditamos e nos toca, mas significa escolher conscientemente as lutas que queremos ter.

O materialismo e ultra-racionalidade do mundo moderno permitiu à humanidade atingir passos extraordinários de progresso tecnológico e material a ritmo exponencial. Contudo, essa velocidade estonteante de progresso foi conseguida à custa de uma vítima escondida e ignorada durante demasiado tempo: a saúde mental. Não estou a falar de problemas mentais clínicos, mas de situações mais ligeiras de ansiedade, depressão, angústia, burn-out e insónia. Como reconquistar o bem-estar mental?

A tentação é natural: recorrer à mesma racionalidade e metido científico com que abordamos tudo para tentar intelectualizar a saúde mental: lutar a mente com a mente, usar a força de vontade para deitar fora aqueles pensamentos desconfortáveis e usar argumentos racionais para sossegar a mente… só que… bom, não funciona, pois não? E quando a força de vontade e o diálogo racional que tentamos ter com os nossos pensamentos não funciona, o passo seguinte é atacar com coisas ainda mais fortes, fármacos, numa escalada de luta que justifica o aumento alucinante do consumo de ansiolíticos, opioides e sedativos.

Deixem-me partilhar um segredo: essa é a luta errada, e impossível de ganhar. É impossível lutar a mente com a mente. Ironicamente, a forma de atingir um estado de maior contentamento, felicidade e serenidade é… deixar de lutar. Deixar essa obsessão do mundo moderno com eliminar toda e qualquer sensação desagradável e aceitar as sensações que surgem em cada momento: alegria, ansiedade, vazio… como um observador curioso e consciente que vai vendo o rio passar, mas abandonando a luta para tentar parar o rio ou mudar o curso com as mãos. Quanto mais tentas desesperadamente e obsessivamente ser feliz, mais essa felicidade ilusória te foge entre os dedos.  

As crianças em geral têm mais capacidade de ser verdadeiramente felizes, porque deixam a vida fluir, sem pressão. Brincar ou correr ou pintar ou ler um livro porque sim, pelo prazer simples de correr ou aprender ou experimentar – sem outros objetivos. Os adultos estragam tudo quando tentam definir objetivos e criar planos que transformam a existência numa lista obsessiva de obrigações. Deixamos de estar, de ser, para viver num modo permanente de fazer. Fazer isto PARA atingir aquilo. Comer bem PARA ter saúde. Fazer exercício PARA perder peso. Meditar PARA acalmar a mente. Dormir PARA ter mais energia. Postar no Facebook PARA ter mais likes. Bolas, quando tornamos as nossas vidas um inferno de obrigações??  

O cérebro humano tende a funcionar bem com os mecanismos de incentivo e recompensa, mas estamos provavelmente num ponto de “goal drowning”, náufragos no peso dos objetivos auto-impostos. A objetificação da vida, transformando tudo num processo de incentivo e recompensa, tem um problema: a mente torna-se insensível a esse excesso de ruído. A abordagem racionalista promete que depois de atingir uma lista interminável de objetivos, atingiremos o nirvana, o paraíso, a felicidade… mas depois, sempre depois. Prisioneiros da nossa própria mente, naufragamos no peso constante de mais e mais e mais, sem nunca conseguir simplesmente ser e estar, aqui e agora.

Na verdade, esta abordagem cartesiana à felicidade adultera o propósito e faz exatamente o inverso do pretendido: a mente foca-se no resultado e no gap, e não permite lá chegar. Ao longo de milhares de anos de evolução humana, após fazer o necessário para a sobrevivência do próprio e do grupo, as pessoas podiam dedicar-se a fazer coisas simplesmente porque sim, e não “para” qualquer coisa.

Isto aplica-se também à meditação Mindfulness, tal como a dormir melhor ou a perder peso. Quanto mais focamos obsessivamente no objetivo em vez da essência de uma certa forma de ser e estar, mais inatingível é esse objetivo. Como o yogi que se senta para meditar e ao fim de dois minutos a mente começa “já chegamos? Já estamos no zen? Já paramos os pensamentos?” Pois… estás a ver porque focar no objetivo distorce o processo.

O segredo da felicidade, serenidade e contentamento é deixar de lutar por esse estado indefinido e deixar a mente e corpo ser e estar. Irónico que para encontrar felicidade e paz de espírito temos simplesmente que deixar de lutar e procurar. Contra-intuitivo e precisamente o contrário da abordagem racional cartesiana.

Esta intuição é central no caminho que o Mindfulness nos pode ajudar a percorrer: abandonar a luta e o foco nos resultados, para sentir e experienciar a maravilha de existir. Libertar progressivamente a mente racional dos pensamentos habituais a que tende a regressar e focar nos sentidos, no corpo, na respiração.

Por estranho que pareça, a mente muitas vezes prefere um estado de ansiedade ou stress a que está habituada do que o estado incontrolável de pensamentos livres e fluidos. Precisamente porque a função da mente é proteger-nos contra os riscos. A mente desenvolveu-se para adivinhar os riscos, remoer e aprender sobre o passado. O overload de informação com que a vida contemporânea ataca a mente leva a uma reação de proteção instintiva: abdicar dos estados naturais de uma mente livre e fluida, em troca da ilusão do controlo. A ansiedade, o stress, criam uma falsa ilusão de controlo, e a nossa mente agarra-se desesperadamente e obsessivamente a essa ilusão de controlo para nos tentar proteger, manter na zona de conforto… não, não saias à rua, não escrevas um livro, não faças o curso de mergulho, não deixes o chefe tóxico ou o namorado idiota! Mantém tudo como está, sob controlo, e luta, luta, luta!

Uff!! Deixar ir. Mas deixar ir não é reprimir. Let go but without the struggle. Deixar os pensamentos chegar, reconhecê-los e deixá-los ir não significa lutar desesperadamente com esses pensamentos, como um gladiador contra os demónios na arena romana. Não vencemos os demónios. Ponto. Deixar a luta é sentar e ouvir esses demónios, todas as partes fragmentadas que vivem dentro de nós, dar-lhes atenção e carinho, com gentileza e consciência. Esses demónios fazem parte de mim, mas não sou eu. Eu sou uma consciência maior que assiste e reconhece todas essas partes e fragmentos que formam a minha unicidade e totalidade, por vezes com ligeireza, outras vezes com trovoada, mas sempre como vagas em fluxo.

A mente cai em armadilhas e ilusões na tentativa de nos proteger e fazer sentido de um mundo caótico e imprevisível à nossa volta. Quanto mais tentamos forçar estados de ansiedade, depressão ou angústia a desaparecer, mais a mente se foca nesses estados e se agarra desesperadamente a eles. Para criar a ilusão de controlo, a mente prefere estados conhecidos, mesmo que de ansiedade e depressão, do que deixar ir, solta e livre. E na falta da sensação verdadeira da felicidade ou serenidade, a mente procura segundas derivadas, compensações: o gelado, o chocolate, o copo de vinho, o cigarro, ver Netflix até à 1h da manhã…

Encontrar a serenidade e contentamento implica deixar ir e abandonar a busca…

Há também auto-sabotagem: a mente engana-te para boicotar a mudança, manter os hábitos, mesmo que não sejam saudáveis. Por isso é difícil mudar, porque temos que passar ao lado da auto-sabotagem que desculpa as más escolhas. Por isso, para mudar hábitos, é importante desenvolver auto consciência, compromisso, e técnicas praticas para saber parar. Antes de pegar num cigarro ou servir mais uma dose de arroz, parar e pensar “é mesmo isto que quero, é mesmo isto que me dá prazer”? e se for, ok, na boa! Mas 90% das escolhas não são auto-conscientes, são auto-piloto, mecanismos de sabotagem. Portanto, só o ato de parar e tomar escolhas conscientes leva a melhores decisões.

A trilogia da meditação Mindfulness tem três partes, que podemos combinar em diferentes exercícios pragmáticos usados técnicas para treinar cada uma das vertentes do triangulo:

  1. Sentir: Focar a mente em pontos estáveis do corpo, na respiração ou num body scan, para libertar a mente racional e focar nas sensações. Neste processo, ganhar consciência do fluxo permanente de ideias e emoções que percorrem a mente, e lentamente mudar a relação com essas ideias e emoções. A intenção não é parar a mente, bloquear os pensamentos (para quem tem vidas atarefadas, esse estado de zen é impossível sem drogas pesadas), mas aprender um novo relacionamento com eles, permiti-los chegar, ter consciência, e escolher se queremos envolver-nos nesses pensamentos ou deixa-los ir. Levar os pensamentos menos a sério. Não, nem tudo o que pensamos merece ir para o Outlook ou o Plano Trienal ou o Twitter.
  2. Visualizar: Focar a mente numa sensação de bem-estar, num espaço de serenidade cheio de luz, quente e espaçoso, onde a mente pode repousar sempre que quiser. Progressivamente habituar a mente que há outros espaços seguros que não apenas o de ansiedade e stress em que se viciou, mas pode repousar em segurança neste espaço amplo e luminoso dentro de nós.
  3. Experienciar: Esta é a fase mais difícil, que consiste em atingir uma verdadeira liberdade e fluxo de ideias, um espaço criativo e livre, mas sem bloquear obsessivamente. De certo modo, é um deambular não obsessivo – muito difícil, porque quando deixamos a mente ser livre e perder o foco na respiração ou numa visualização, ela tende a cair novamente nos estados padrão de controlo. O exercício consiste em alternar entre focar a mente e deixar a mente deambular: ancorar na respiração por uns minutos, depois deixar a  mente fazer o que quer por uns minutos, depois voltar ao foco. Esta alternância permite experimentar por uns instantes o que pode ser a liberdade de uma mente em fluxo, mas sem perder o controlo, voltando a intervalos à âncora.

A primeira parte do triangulo é focar a mente em âncoras dos sentidos, como a respiração ou body scan, para deixar os pensamentos vir e partir; a segunda parte é visualizar um estado em que a mente pode repousar de forma livre; a terceira parte é experienciar uma mente livre.     

Este estado de existência em fluxo, permite aos atletas de alta competição, profissionais de alta performance e artistas criativos atingir uma performance serena, uma performance aparentemente sem esforço. E é… porque apesar do trabalho duro e treino, quando o que uma pessoa faz é parte da sua natureza, e não contra a sua natureza, esse esforço é natural.

Este brilho é visível em todas as áreas da vida e estratos sociais, pessoas que estão bem consigo próprias, com o que fazem, com o que são. Do mesmo modo, encontramos pessoas em luta interna independentemente de riqueza ou profissão. Encontrar o brilho interior implica auto-conhecimento, a sorte ou sabedoria de nos dedicarmos aquilo que intimamente nos faz vibrar. Há coisas que fazemos sem esforço, porque fazem parte da nossa natureza. Devemos ter a coragem de procurar isso em todas as áreas da nossa vida, pessoal e profissional.

Para podermos brilhar e levar uma vida G.L.O.W., como “gentle and luminous observer of wonders”.

Para brilhar e levar uma vida extraordinária, sentir o brilho de ser, temos que nos deixar levar por um caminho mais gentil e luminoso, deixar-nos espantar com o mundo e encontrar a natureza do que nos faz vibrar, o que nos toca, o que no nosso íntimo sentimos como extraordinário – só quando encontramos o que sentimos como extraordinário e nos dedicamos a fazer isso, é que podemos dar ao mundo coisas extraordinárias e levar uma vida extraordinária.

O que é estranho neste caminho, é que para o encontrar temos que deixar de procurar, deixar a luta, e permitir-nos descobrir o nosso brilho, o nosso caminho G.L.O.W.

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Morangos sem Açúcar: (28) Método OM – cria uma vida com Superpoderes (continuação)

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Introduzimos no episódio anterior o modelo OM, assente em 6 pilares para a construção de uma vida extraordinária, com superpoderes:

  1. Hormese (criar desconforto)
  2. Movimento
  3. Força
  4. Alimentação
  5. Respiração
  6. Descanso

Como referimos no episódio anterior, não vale a pena pensar muito sobre estes pilares ou sobre o objetivo subjacente de construir uma vida com mais bem-estar, resiliência e felicidade. É importante perceber intelectualmente o racional do método, mas sobretudo importa incorporar estes pilares de forma prática nas nossas vidas. O método OM é uma vivência, não uma dissertação académica.

Falamos já a semana passada sobre a “promessa” dos superpoderes, ou seja, a intenção e motivação para incorporar estas praticas no nosso quotidiano. E falamos também do primeiro e segundo pilar.

Passemos então ao terceiro pilar, a Força. A musculatura esquelética é essencial para a longevidade e qualidade de vida, sustentando todos os órgãos. Além disso, o músculo consome mais calorias do que a gordura, pelo que peso e gordura são conceitos muito diferentes. O desenvolvimento muscular acelera o metabolismo, queimando mais calorias mesmo em repouso. O desenvolvimento de músculos reduz gordura em geral e gordura visceral, reduzindo risco de diabetes ou doenças cardíacas.

Estudos em pessoas com mais de 60 anos mostram que um programa de treino de força reduz o risco de quedas em 34%. Só que o processo de perda muscular e de densidade óssea começa aos 30 anos, pelo que temos que começar muito mais cedo para conseguir viver mais e com qualidade. O treino de força coloca pressão temporária sobre o esqueleto e ajuda a desenvolver densidade óssea e evitar osteoporose.

O treino de força também contribui para a auto-estima, por desenvolver a confiança de ultrapassar obstáculos. Vários estudos mostram que treino de força em adolescentes aumenta a auto-estima e confiança.

Por fim, como cereja no topo do bolo, o exercício físico em geral e o treino de força em particular liberta hormonas do bem-estar e ajuda a controlar o stress. A contração e extensão dos músculos liberta endorfinas, reduz o nível de cortisol e liberta BDNF (brain derived neurotrophic factor) que ajuda na memória e aprendizagem.

O músculo esquelético, ou seja, os músculos que suportam o esqueleto, são um órgão como qualquer outro, e interagem com o resto do organismo. Por exemplo, o músculo aumenta a sensibilidade à insulina, e desse modo reduz açúcar no sangue.

Os exercícios de força podem ser hipertrofia muscular (levantar cargas pesadas), endurance muscular (cargas leves com muitas repetições), circuito (exercícios variados sem intervalo), força máxima (pesos elevados com poucas repetições, treino curto e intenso para estimular resposta muscular) e força explosiva (saltos ou movimentos rápidos).

Para além da musculatura esquelética, importa dar uma atenção especial aos músculos intercostais, um grupo de músculos da parede do torax que suportam os órgãos vitais (pulmões, coração, intestinos, fígado). É o que usualmente designamos por Core. Têm um papel central na respiração e na gestão da temperatura corporal, ativando a combustão de gordura para produzir energia como resposta ao frio. O desenvolvimento destes músculos pode ser estimulado por exercícios de equilíbrio como yoga e pilates, que exigem domínio da respiração, ou com exercícios respiratórios de expiração profunda, até tirar todo o ar dos pulmões… e depois ainda mais o restinho, apneia em vazio antes de voltar a inspirar.

O quarto pilar é a Alimentação. A questão-chave é centrar em alimentos ricos em proteínas, macronutrientes e micronutrientes mas de baixa densidade calórica. Evitar o combustível fácil dos hidratos de carbono e açúcares. Incorporo aqui 5 episódios anteriores dedicados exclusivamente à alimentação:

  • Episódio 6: alimentação low-carb, natural sem ingredientes artificiais e detox (evitar álcool e café)
  • Eposiódio 7: longevidade, jejum intermitente e restrição calórica
  • Episódio 8: alimentos para performance cerebral
  • Episódio 18: alimentação e longevidade
  • Episódio 21: o mecanismo metabólico de acumulação de gordura e como o desligar

O quinto pilar do método OM é a Respiração. O livro Breath de James Nestor trouxe para os holofotes da indústria do bem-estar a importância da arte da respiração. Esse é um conhecimento milenar que praticas como yoga e respiração mobilizam para estimular o bem-estar físico e mental. Em geral, no mundo ocidental, estamos a respirar demasiado e mal:

  • a respiração acelerada e curta contribui para o círculo vicioso de stress e ansiedade
  • a respiração torácica ou “alta” é menos intensa e profunda do que a respiração abdominal, da barriga. A respiração da barriga é mais profunda e demorada, melhorando as fases de inspiração (energizante) e de expiração (relaxante) permitindo um maior estado geral de concentração e gestão de stress. Adicionalmente, a respiração que começa na barriga e se prolonga para o tórax exercita mais o diafragma e os músculos intercostais, reforçando o core
  • respiração pela boca é um vicio ou necessidade provocada e causadora de doenças do aparelho respiratório, nomeadamente alergias, e afeta negativamente o sistema imunitário, retirando uma série de mecanismos de proteção e leitura do mundo localizados no nariz

A respiração é, antes do mais, o centro de práticas de meditação e minfulness. No episódio 15 apresentei de forma detalhada as práticas de meditação como forma de desenvolver o poder interior e no episódio 4 a meditação como instrumento para gerir o stress e ansiedade.

Uma outra dimensão do pilar da respiração é o método Wim Hof. Estudos controlados demonstram que a conjugação do método Wim Hof tem efeitos de redução de citoquinas inflamatórias em cerca de 30-50% e aumento de citoquinas anti-inflamatórias e de resposta imune em cerca de 40%. Os efeitos são amplificados pela conjugação de técnica de respiração e frio, mas sobretudo notórios na componente de respiração.

A respiração Wim Hof assenta em fazer descer o nível de dióxido de carbono no sangue para permitir prolongar a apneia em vazio muito para além do tempo normal, criando stress de oxigénio. A necessidade de inspirar não é gerida pela falta de oxigénio, mas pelo excesso de dióxido de carbono no sangue. Ou seja, o movimento involuntário de inspirar não é ativado por falta de oxigénio, mas por excesso de dióxido de carbono. Ora, a respiração profunda e rápida com expirações fortes permite expelir CO2 e reduzir a densidade de CO2 no sangue. Isto faz reduzir o limite dos alarmes que provocam o movimento involuntário de inspiração. Depois de 30-40 respirações deste tipo, ou seja, cerca de 2-3 minutos, paramos a respiração e ficamos em apneia. No entanto, como partimos de níveis inferiores de CO2, demora mais tempo a subir o CO2 até ao limite que faz disparar os alarmes e obriga a inspirar. O que significa, na prática, que conseguimos aguentar 2 ou 3 minutos sem respirar em vez dos usuais 30-40 segundos e dessa forma reduzir temporariamente a concentração de oxigénio, que cai do nível normal de 95%-98% para 60-70%. Isto cria um stress de oxigenio com efeitos de aumento de capacidade pulmonar e tolerância ao CO2 que aumenta a performance atlética de elevado  esforço (triatlos, maratonas, iron man) e estimula os mecanismos de reparação, imunidade e longevidade que referimos no ponto sobre hormese.

A falta de oxigénio temporária pode também permitir uma experiência meditativa única, uma “viagem” mental sem drogas. Podemos assim conjugar 10-12 minutos de respiração Wim Hof com 20 minutos de meditação, amplificando o relaxamento mental.

Por fim, podemos praticar técnicas de respiração que ajudam a gerir estados mentais e físicos, desenvolver capacidade pulmonar, fortalecer o diafragma e aumentar a musculatura intercostal. Este ciclo de respiração é desenvolvido nas práticas pranayama de yoga e meditação.

O ciclo respiratório tem 4 fases, que forma o breathing box (os 4 lados de um quadrado): inspiração, apneia em cheio, expiração, apneia em vazio. Em geral, as duas primeiras fases estimulam a energia e concentração, acelerando o ritmo cardíaco, enquanto as duas últimas ajudam no relaxamento e desaceleração cardíaca. Isto decorre do funcionamento do sistema nervoso autónomo, que inclui o sistema simpático (fight or flight, atenção e luta) e o sistema parassimpático (rest and digest, relaxar). A inspiração ativa o sistema simpático, a expiração ativa o sistema parassimpático.

Podemos assim desenvolver uma infinidade de variações respiratórias:

  • Preparação e estado de atenção: o modelo 4-4-4-4, ou seja, 4 segundos em cada fase, é usado pelos marines e seals americanos antes de operações especiais, para promover o equilíbrio entre energia e estado de alerta e concentração (fase 1 e 2) e gerir o stress e ansiedade (fase 3 e 4)
  • Energizar: Modelos concentrados na inspiração, por exemplo, 4, 2, 2, 0, ou 8,4,4,0 com expiração forte, para libertar mais CO2 e oxigenar os músculos
  • Relaxar: Modelos concentrados na expiração, por exemplo, 4, 0, 6, 2, que podemos usar para gerir o stress, acalmar ou relaxar à noite para facilitar o sono
  • Respiração abdominal até ao vazio: expirar profundamente até forçar todo o ar fora, forçando uma renovação do ar, o que exige o envolvimento automático dos músculos abdominais e ajuda a desenvolver a musculatura intercostal. Podemos intensificar este processo ativando o músculo do perineu, na zona atrás dos órgãos genitais. Este exercício fortalece o core e a autossuficiência, gerando energia a partir de reservas de gordura.

Os atletas de alta competição treinam a respiração para maximizar performance. Respiração wim hof antes do treino, para reduzir CO2 e aumentar endurance. Durante o treino, devemos usar uma respiração equilibrada, por exemplo 4,0,4,0 mas podemos esporadicamente buscar um boost de energia com uma respiração energizante e oxigenante 8,4,4,0 com expiração forte. E depois do treino, uma respiração relaxante 4,0,8,2 para restabelecer a batida cardíaca.

O sexto pilar do método OM é o Descanso. Descanso envolve vários aspetos, destacando-se naturalmente o sono como atividade reparadora de corpo e mente. Falamos extensivamente da importância do sono e técnicas para dormir melhor no episódio 5. Dormir pelo menos 7 horas por noite é não negociável, o que significa estar deitado com as luzes apagadas pelo menos 7.30-8.00 horas. Querer “roubar” tempo ao sono é contra-produtivo, como um telemóvel continuamente abaixo de 10% de carga. Para ter energia máxima e poder dar os nossos melhores contributos intelectuais, físicos e de criatividade durante o dia, temos que prioritizar o sono de forma consistente.

Mas descanso vai além do sono. Significa também dar-se ao luxo de ter tempo off, não produtivo, sem estar a “fazer” nada, apenas para deambular, criar, falar. As melhores ideias surgem quando não estamos à procura delas e damos ao corpo e mente espaço e tempo nã0 produtivo. Socializar, brincar, rir é o tema do episódio 19 (fazer menos para fazer mais).

Uma outra componente do descanso é a socialização, relações interpessoais, grupos de pertença. Ter tempo para nos entregarmos a grupos que sustentam o nosso sentido de pertença e enraizamento. Isso pode ser a nossa família, amigos ou comunidade. Um dos aspetos que distingue as “zonas azuis” da longevidade é este sentido de comunidade de pertença, que cria sentido de enraizamento e experiências partilhadas, que falamos no episódio 23, sobre a mente Monge Guerreiro. Isto não significa subordinar os nossos valores e prioridades à pressão dos grupos, mas conhecer profundamente os nossos valores e ter a coragem de nos rodear das pessoas que partilham a mesma visão do mundo.

Na vida pessoal, tal como na profissional, se tentarmos disfarçar e forçar-nos a ser o que não somos, a viver contra a nossa natureza, isso cria um círculo vicioso: quando forçamos contra a nossa natureza, apresentamos ao mundo o que não somos, e com isso atraímos a atenção e oportunidades de caminhos que não são compatíveis… se formos falsos com as nossas escolhas, atraímos oportunidades e pessoas em linha com a imagem falsa que projetamos e afastamos as oportunidades e pessoas que poderiam estar alinhadas com a nossa verdadeira natureza. A coragem de ser verdadeiro é a única forma de encontrarmos as relações, oportunidades, amigos e oportunidades profissionais alinhadas com a nossa verdade pessoal – e só dessa forma poderemos construir uma vida em flow, de performance sem esforço, em que o que fazemos deixa de ser um esforço continuo e passa a ser uma inevitabilidade.

A sustentar estes 6 pilares para criar uma vida com superpoderes, estão troncos centrais em que tudo se agarra:

  • Compromisso: criar novos hábitos não é fácil e as tentações para desistir e voltar a uma vida ilusoriamente fácil são muitas. É preciso definir uma intenção, acreditar no processo e manter o compromisso. Isso também significa que por vezes vamos descarrilar, e isso está ok. Quando isso acontece, em vez de nos martirizarmos ou culpabilizarmos, devemos simplesmente voltar às práticas e às boas escolhas. O círculo é virtuoso, porque à medida que o corpo e mente ficam mais fortes e mais saudáveis, com mais facilidade tomamos boas decisões. Incorporo aqui os episódios 10, 11 e 20 sobre estratégias e técnicas para criar hábitos e mudar. Criar rotinas facilita a adoção de novos hábitos, tornando-os uma inevitabilidade em vez duma maçada, e liberta espaço mental para criatividade.
  • Curiosidade: estar aberto a todas as emoções e sensações que surgem durante o processo, sem julgamento, sem expectativas. Abordar todas as experiências com o espírito de descoberta das crianças e continuar a aceitar novos desafios, aprender coisas novas e experimentar coisas novas. Este espírito de espanto e descoberta é o que alimenta uma vida em flow, em movimento, continuando a caminhar e explorar como um rio que corre independentemente das pedras que vão surgindo.

Integrando vários aspetos, é super importante criar uma rotina matinal que prepara para um dia produtivo e energizado, ativa o ritmo circadiano e começa a preparação para o repouso e sono à noite. A minha rotina matinal é uma corrida ou caminhada de 20-30m no exterior (por vezes acrescentando uma aula de yoga), depois 10 min de respiração wim hof + 20 min de meditação, e por fim um duche terminado com 1 minuto de água fria. Esta 1h matinal é o melhor investimento na tua produtividade, energia e bem-estar que podes fazer. Idealmente, acrescenta à hora de almoço ou final da tarde um treino de força ou cardio ou de flexibilidade e equilíbrio.

Da mesma forma que a rotina matinal é importante, o ritual antes de adormecer é critico. Definir uma hora para ir para a cama todos os dias à mesma hora, em vez de acumular sono durante a semana para depois tentar compensar ao fim de semana. Pelo menos 90m antes da hora de deitar, colocar telemóveis e ipads em modo de não incomodar e evitar ecrãs. Luzes baixas e temperatura no quarto abaixo do confortável, porque temos que baixar a temperatura corporal para adormecer. Jantar se possível cedo, evitar comer ou beber antes de dormir para minimizar acordar para ir ao quarto de banho. Evitar bebidas alcoólicas a noite e café a partir do meio-dia. E recomendo o saudável hábito de ler durante pelo menos 15 minutos antes de ir dormir, para relaxar, livros físicos sem ecrã.

Uma nota final: quem tem superpoderes não deve desperdiçá-los em qualquer tema menor. Quando estamos confiantes dos nossos super-poderes, devemos concentrar-nos em fazer apenas ou essencialmente coisas relevantes, com impacto. Em minha opinião, o objetivo deve ser fazer 1 coisa relevante por dia. 1 coisa com impacto. Isso significa deixar de lado as listas intermináveis de To Dos, as emergências dos emails e telefonemas, a pressão tóxica que infelizmente domina muitas empresas e equipas. There is only One Me e eu sei o que merece receber a minha atenção, em que vale a pena investir as minhas energias.

Quando ao longo do dia surgem desafios ou necessidades novas, em vez de nos atirarmos como loucos para tentar encaixar mais uma coisa e chegar ao fim do dia para perceber que aquela 1 coisa importante afinal ficou adiada… em vez disso, podemos parar por uns segundos, avaliar se é mesmo urgente e importante. Se for, podemos ponderar reajustar o nosso calendário – flexibilidade também é um super-poder. Se for urgente, mas não importante, o melhor é deixar passar, o mais provável é que amanhã já ninguém se lembre dessa urgência. Se for importante, mas não urgente, coloque no calendário para fazer daqui por uns dias, quando tiver disponibilidade para lhe dedicar a atenção que merece. Isto permite proteger o meu tempo e dedicá-lo a fazer coisas extraordinárias, com impacto e diferenciadoras. Ninguém se vai lembrar daqueles emails de treta que deixaste por responder. Mas todos se vão lembrar daquela apresentação fabulosa ou daquela tua ideia extraordinária. Para seres um “rain maker” não podes ser um bombeiro.

There is only One Me. O verdadeiro super-herói és tu!

Podem-me enviar sugestões de pessoas para entrevistar para karlosk.books@gmail.com ou no site www.karlosk.com/contacto

Este blog e podcast é uma experiência pessoal de descoberta. Quem quiser, é bem-vindo a juntar-se. Não esqueça de subscrever o blog e o podcast e recomendar a amigas e amigos. Podem ver mais informação sobre mim e as minhas publicações no site www.karlosk.com, subscrever o blog e ver o link para o podcast nas várias plataformas.

Morangos sem Açúcar: (27) Método OM – cria uma vida com Superpoderes

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Olá e bem-vindos ao meu podcast e blog “Morangos sem Açúcar”, uma série sobre desenvolvimento pessoal, corpo, mente e bem-estar – pessoal e do planeta em que vivemos. O meu nome é Karlos K e gostaria imenso de ouvir a SUA opinião, comentários e experiências pessoais, através do email karlosk.books@gmail.com, no Instagram ou Facebook @karlosk.escritor ou no site www.karlosk.com/contacto.  

A indústria do bem-estar e auto-ajuda produz métodos e soluções milagrosas a uma velocidade estonteante, lançando promessas de felicidade e beleza sem esforço. Ilusões lançadas com o propósito de conquistar a tua atenção, vender produtos ou livros ou consultas ou apps. Modas que sobrevivem até outra proposta berrar mais alto na competição pela tua atenção.

Do meu caminho pessoal para construir uma vida melhor e depois de centenas de livros, cheguei a uma conclusão óbvia. Não há atalhos. Não há soluções milagrosas. Mas há um método que pode permitir a cada um construir uma vida melhor. São ideias-chave que encontro em todos os métodos e soluções que sobrevivem ao teste da experiência e do tempo. Pode haver algumas variações, roupagens diferentes, foco mais nuns aspetos ou noutros, mas os pilares de uma vida com Superpoderes são claros – e disponíveis gratuitamente para qualquer pessoa que tenha a coragem e compromisso de se tornar a melhor versão de si mesmo.

Este episódio e o próximo apresentam um modelo integrado e completo de bem-estar, alta performance e serenidade, incluindo múltiplos temas que temos vindo a falar anteriormente. Vou por isso fazer várias referências a episódios anteriores, que deixo também nas Notas escritas deste episódio.

  • Episódio 6: alimentação low-carb, natural sem ingredientes artificiais e detox (evitar álcool e café)
  • Episódio 7: Jejum intermitente e restrição calórica
  • Episódio 8: Alimentos para performance cerebral
  • Episódio 21: O mecanismo metabólico de acumulação de gordura e como o desligar
  • Episódio 18: Longevidade, como viver mais e melhor
  • Episódio 15: Práticas de meditação para desenvolver o poder interior
  • Episódio 4: Meditação como instrumento para gerir o stress e ansiedade
  • Episódio 5: Como dormir melhor
  • Episódio 19: Descanso: fazer menos para fazer mais
  • Episódios 10, 11 e 20: Estratégias e técnicas para criar hábitos, mudar e quebrar as barreiras à mudança

Antes do mais, um aviso: o que vou partilhar hoje não é nada de novo. É uma sistematização de ideias que fui recolhendo ao longo dos anos e validadas pela minha experiência pessoal, com os seus altos e baixos, e pela constância com que estes pilares de bem-estar recorrentemente surgem na literatura.

Um outro aviso: não se trata de uma solução milagrosa e definitiva, algo que possamos fazer e resolver para sempre o segredo da felicidade e bem-estar. É um método com que podemos comprometer-nos a vida toda, com fases diferentes, melhores e piores, mas que definem um caminho de super-heróis.

Comecemos por algo que todos sabemos. Não há atalhos. Mas há milagres… conquistados com suor, dedicação e compromisso de voltar, cada dia, a estas práticas que me podem tornar na melhor versão de mim.

O foco não está no resultado, mas no processo. Acredita no processo e esquece se está a funcionar ou não. Não podemos dançar livres em flow se estivermos preocupados em olhar para o espelho. Não podemos meditar e libertar a mente se estivermos sempre a pensar se “já lá cheguei” a um estado de nirvana. Não conseguimos adormecer se a mente estiver sempre a verificar se já estamos a dormir. Quanto mais nos focamos na felicidade, mais ela nos ilude. Não conseguimos sair de uma depressão, ou combater um mau hábito ou ter mais confiança só por via racional, a pensar sobre isso.

Olhar para os músculos e pensar “cresce, cresce, cresce” não funciona, pois não? É preciso fazer coisas com eles. Pois. Da mesma forma, sentar e pensar obsessivamente sobre fazer a mente parar ou reduzir o stress ou racionalizar a ansiedade não funciona. Quanto mais nos debatemos para atingir um estado mental ou dormir melhor ou sair de um mau hábito… mais caímos nessas armadilhas e regressamos exatamente onde não queremos.

A única forma é deixar de pensar sobre todos esses resultados e objetivos, e lançar ao caminho. Viver. Esta é por isso uma abordagem muito prática, centrada em sugestões que podemos implementar e fazer no nosso quotidiano.

Ah, e com isso vais ficar mais magro, mais elegante, mais concentrado, com mais saúde e vitalidade e viver melhor. Provavelmente. Mas isso é um resultado lateral.  

O slogan da Nike, Just Do It, é brilhante por isso mesmo. Para atingir resultados, não vale a pena pensar sobre eles, é calçar os ténis e ir correr.

Só que temos que ser inteligentes sobre essa abordagem.  Caso contrário, não estaríamos hoje numa situação em que 65% da população adulta em Portugal tem excesso de peso ou obesidade. A venda de comprimidos para dormir não para de aumentar. ¼ da população europeia queixa-se de estados de depressão, ansiedade ou stress. Mais de 90% do mundo desenvolvido diz-se cansado e mais de 60% exausto. 13% dos portugueses tem diagnóstico clínico de burn-out.  

A força do hábito é tremenda e o nosso organismo evoluiu durante milhões de anos para buscar o conforto, o excesso, a proteção e estar atento a perigos. São mecanismos naturais que fazem o nosso corpo procurar acumular gordura, são shots de dopamina que nos fazem procurar hidratos e açúcares, é a mente vigilante que continuamente visualiza riscos e desastres – é o nosso corpo a sobreviver e proteger-nos.

A questão é que durante milhões de anos vivemos com mais stress físicos (exercício para obter comida ou fugir de um predador, exposição a frio ou calor, períodos de fome) e menos stress mental (2 a 4 horas a trabalhar e o résto do tempo a relaxar, socializar ou inventar). O sistema nervoso autónomo tem duas componentes: sistema simpático (sistema fight or flight para responder a alarmes) e sistema parassimpático (rest and digest, relaxar e descansar). Durante milhões de anos tínhamos mais stress físico, mais descanso e menos stress mental.

Hoje, este equilíbrio está completamente virado ao contrário: excesso de stress mental, excesso de trabalho, falta de stress físico e falta de descanso. Vivemos uma vida demasiado confortável, de baixo risco, mas nunca a felicidade foi tão ilusória. Os dois fenómenos têm que estar relacionados.

O “método OM” é minha síntese sobre o que funciona na construção de uma vida melhor. Nenhuma das ideias é nova, trata-se de uma abordagem integrada de pilares demonstrados do bem-estar e como desenvolver a força e coragem para os implementar a cada dia. OM é a energia central do universo, a radiação de fundo do big bang da criação do universo. É também um mantra com que se inicia a prática de yoga e meditação, provoca uma vibração profunda e gutural na parte de traz do cérebro e zona intercostal que ajuda no relaxamento. OM significa para mim “One Me” e deriva de uma ideia simples: There is only One Me.

O método OM (One Me)

Aquilo a que chamo Superpoderes são as promessas do que se pode atingir seguindo com compromisso os pilares do “método OM”: mais bem-estar físico e mental; saúde e imunidade; resiliência perante eventos contrários; resistência física e mental; concentração e produtividade; felicidade; e longevidade.

Parece-te bem? Mas deixa-me recordar. É bom ter esta intenção e objetivos no início, mas não vale a pena focar nesses objetivos. A intenção é apenas um mind-set, uma música de fundo, um contexto no qual vivemos e existimos. Mas não vale a pena focar obsessivamente nessa música, é melhor deixar fluir e dançar. Não podemos subir o Everest olhando continuamente para o pico, temos que nos concentrar no caminho e em cada desafio.

Estes Superpoderes assentam em 6 pilares – não vale a pena pensar muito sobre eles, mas incorporá-los de forma prática nas nossas vidas. O método OM é uma vivência, não uma dissertação académica.

Já falamos, de uma ou doutra forma, sobre diversos destes pilares em episódios anteriores de Morangos sem Açúcar, por vezes mais focados nos aspetos físicos, outras na parte do sono, ou na saúde mental ou na alimentação. Aqui estão, de forma integrada:

  1. Hormese (criar desconforto)
  2. Movimento
  3. Força
  4. Alimentação
  5. Respiração
  6. Descanso

Reparem que não coloquei Mente ou Mindfulness, da mesma forma que não coloquei Corpo ou Saúde. Isso são os resultados. O que nos interessa é focar no que podemos fazer de forma pratica para integrar no quotidiano.

Comecemos pelo primeiro, um termo estranho: hormese. Hormese é um processo biológico de resposta amplificada a uma exposição controlada a ameaças, aumentando a resiliência a essa ameaça. Tradicionalmente refere-se a toxinas. É a máxima “o que não mata engorda”. Neste caso, refiro-me a aplicar conscientemente situações de desconforto e ameaça, para despoletar no corpo essa resposta amplificada e preparando-nos para enfrentar ameaças maiores.

Falamos já da importância de introduzir mecanismos de restrição ou stress físico para a longevidade, despoletando mecanismos de reparação: em fases de abundância, o organismo entra em modo de crescer e reproduzir. Em situações de ameaça física, as células ativam mecanismos de proteção e reparação, porque a prioridade deixa de ser crescer e reproduzir, mas proteger aquilo que é essencial até a crise passar.

Os mecanismos biológicos da restrição calórica ou exposição a frio e calor na longevidade estão demonstrados cientificamente e expostos de forma detalhada no livro “Lifespan” de David Sinclair. Incorporo aqui o episódio 18 sobre longevidade.

Os stressantes que estão à nossa disposição e podemos incorporar na rotina são, por exemplo:

  • Jejum intermitente: Comer numa janela temporal restrita, por exemplo, 8 horas de comida e 16 horas de jejum. O episódio 7 analisa em detalhe os benefícios do intermitent fasting. Desde que a alimentação inclua abundância de proteínas e micro e macro nutrientes, mas baixo teor de calorias “fáceis”, simplesmente não há necessidade de comer em cada 3 horas. Quando alimentamos uma fogueira com caruma e papel, temos que estar sempre a colocar mais lenha e produz muitas toxinas e fumo. Pelo contrário, quando habituamos o nosso corpo a queimar trocos grossos de madeira, ou seja, proteínas, fibras, vitaminas – alimentos com baixo teor calórico e mais desafiantes – deixa de ser necessário estar sempre a alimentar o fogo.
  • Frio: O método Wim Hof deu grande visibilidade ao efeito do frio. Terminar o duche com 1 minuto de água gelada ou mergulhar em rios e riachos de água fria ou numa tina cheia de gelo faz maravilhas para a resistência e vitalidade. O frio provoca uma resposta automática de contração dos vasos sanguíneos para libertar menos energia, e concentração da circulação sanguínea nos órgãos vitais (cérebro e zona torácica), com benefícios demonstrados na circulação sanguínea. O frio também ativa os músculos intercostais para proteger os órgãos vitais do tórax, queimando gordura para produzir calor. A respiração abdominal ajuda a mobilizar os músculos intercostais e intensificar este mecanismo de produção de calor, queimando gordura. Falaremos disso na parte sobre Respiração.
  • Stress de oxigénio: Este é outra dimensão do método Wim Hof que abordarmos adiante no ponto sobre Respiração.

Os atletas de alta intensidade, como cross fit, sabem que para desenvolver massa muscular é preferível ter treinos curtos e intensos. Estes choques de intensidade fazem disparar os mecanismos de preparação do corpo para mais choques: reparação celular, proteção dos telómeros (ver episódio 7), libertação de toxinas e reforço muscular.

Além disso, habituar-nos a resistir a situações difíceis, como o frio ou jejum, dá confiança para vencer outros desafios.

O segundo pilar é o Movimento. Os benefícios do exercício físico são múltiplos e bem descritos, pelo que não valerá a pena alongar muito, mas é importante sublinhar alguns aspetos. O primeiro é que há diferentes tipos de movimento e todos eles são bons para diferentes áreas do nosso equilíbrio. Devemos por isso procurar incorporar ao longo do dia ou da semana diferentes tipos de movimento: a diversidade é muito mais importante do que fazer 1h de ginásio repetindo sempre a mesma coisa.

  • Caminhar: andar é provavelmente dos melhores exercícios que podemos fazer. Uma caminhada de 20-30 minutos com passo ligeiramente acima do normal no limite do ficar ofegante é um excelente exercício cardíaco e aumenta a sensação geral de bem-estar. Se puder, saia para caminhar logo de manhã cedo. Apanhar luz solar de manhã logo depois de acordar é também excelente para melhorar o sono, ativando o ritmo circadiano (episódio 5). Temos sensores na planta dos pés ligados ao cérebro que são ativados ao caminhar. Caminhar faz suportar o peso corporal no esqueleto, fortalecendo os ossos. Além disso, podemos fazer uma caminhada mindful, prestando atenção à respiração, aos cheiros e sons à nossa volta e ao momento presente. A caminhada acelerada, mas abaixo do limite de ofegante corresponde a cerca de 120 passos por minuto, e o coração tende para 120 batidas por minuto. Curiosamente, a maioria da música usa este ritmo de 120 batidas por minuto. Há algo de mágico e profundamente ligado à nossa natureza neste ritmo de 120 batidas por minuto. Um outro tipo de caminhada, mais lenta, pode ser uma forma de deambular, ir sem destino e sem pressa e uma fonte natural de criatividade. Sabem aquelas reuniões maçadoras de brainstorm, em que normalmente há uma data de ideias mas raramente se atinge algo verdadeiramente inovador? Seria melhor sair para caminhar. As melhores ideias surgem quando não andamos à procura delas, quando deixamos o cérebro deambular e de repente – pop – surge uma nova conexão.
  • Exercícios cardio-vasculares: correr, nadar, saltar a corda, burpees, jumping jacks, body attack, bicicleta
  • Flexibilidade, core e balanço: Yoga, pilates, stretching. Estes exercícios são essenciais para aumentar a flexibilidade e regeneração muscular, mas também para desenvolver o core ou seja, os músculos intercostais que são fundamentais para queimar gordura e produzir energia. No fim de uma aula de yoga é normal sentir calor no centro do corpo e uma grande sensação de vitalidade e energia, precisamente devido a esta ativação dos músculos intercostais. Adicionalmente, estes exercícios aumentam a consciência do corpo, que serve de âncora às práticas de meditação e permite quebrar loops de pensamentos obsessivos ou ansiedade e stress. Estar confortável com o corpo cria maior consciência dos nossos estados emotivos e sensações, permitindo lidar melhor com elas. Por fim, o yoga e pilates têm muitos exercícios de equilíbrio, que estimulam o sentido de interocepção, ou seja, o sentido geral do estado do corpo, de balanço e gravidade. Por exemplo, mesmo de olhos fechados podemos sentir se estamos de cabeça para baixo ou deitados ou verticais. Este sentido de interocepção está também envolvido no sentido de espaço, se as coisas estão longe ou perto ou acima ou por baixo.
  • Dança, movimentos rítmicos. Há algo intrinsecamente humano e social no ato de dançar. Não apenas aumenta o sentido do corpo (interocepção), o equilíbrio e consciência do corpo, como ainda nos permite estar confortáveis com o nosso próprio ridículo, levar-nos menos a sério. Isso também significa levar menos a sério os pensamentos e habituar a deixar ir. É meditação em movimento.
  • Desportos de coordenação motora que melhoram a interação corpo-mente, em particular desportos de raquete como ténis, paddle ou ténis de mesa.

Duas notas finais relativamente ao Movimento.

Há algo especial no movimento em grupo. Atividades com movimentos sincronizados em grupo como pilates, yoga, dança desenvolvem um espírito de experiência comum que é essencial para o sentido de pertença, enraizamento e partilha da experiência de existir, de que não estamos sozinhos no universo – seja na alegria seja na dor.

E há também algo especial do movimento nas chamadas paisagens reparadoras. Caminhar ou correr numa floresta, parque ou junto a água aumenta os níveis de bem-estar e vitalidade. Está demonstrado que correr junto do mar ou de um lago ou no verde de um parque gera uma sensação de bem-estar maior e atingir melhores resultados. Ficamos por aqui hoje, falaremos dos outros 4 pilares na próxima semana. Até breve… e vão treinando os vossos superpoderes!

Podem-me enviar sugestões de pessoas para entrevistar para karlosk.books@gmail.com ou no site www.karlosk.com/contacto

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Morangos sem Açúcar: (26) Trata o teu cérebro para saúde, performance e bem-estar

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Olá e bem-vindos ao meu podcast e blog “Morangos sem Açúcar”, uma série sobre desenvolvimento pessoal, corpo, mente e bem-estar – pessoal e do planeta em que vivemos. O meu nome é Karlos K e gostaria imenso de ouvir a SUA opinião, comentários e experiências pessoais, através do email karlosk.books@gmail.com, no Instagram ou Facebook @karlosk.escritor ou no site www.karlosk.com/contacto.  

Cada dia é uma batalha para proteger a nossa saúde, mente e bem-estar para resistir à sedução de más opções com que somos bombardeados e que estão a destruir o nosso corpo e cérebro. Alimentos carregados de açúcares, hidratos, pesticidas, corantes embalados em plástico que destroem o nosso corpo e o planeta. Noticiários cheios de violência e desastres para captar a nossa atenção que semeiam a ansiedade. Trabalhos esgotantes e stressantes que raptam as nossas emoções. Gadgets eletrónicos e social media que nos roubam de relações pessoais fortes e reais.

A chave para resistir a estas tentações e viver a vida que quer está na saúde do seu cérebro e no foco para tomar boas decisões.

Temos falado muito de corpo e mente, com temas sobre alimentação, sono, gestão da ansiedade e Mindfulness. Mas, no centro de tudo isso, está na verdade algo muito físico e material, que governa todas as decisões nas nossas vidas: o cérebro.

Estudos recentes no Reino Unido indicam que o tempo médio de atenção é de 8 segundos. Um peixe de aquário tem um tempo médio de atenção de 9 segundos. A nossa capacidade de foco e atenção, essencial para processar informação, refletir e tomar decisões, está reduzida ao tempo de atenção de um peixe de aquário!! Isto é, verdadeiramente, retro-evolução, ou seja, evolução ao contrário. Na verdade, o que nos torna humanos e distingue de outras espécies são os 30% de massa cerebral ocupado pelo córtex pre-frontal. Os gorilas têm pouco mais de 10%, os cães 4% e os gatos 2% do cérebro ocupado pelo córtex pre-frontal, a área desenvolvida de pensamento racional.

Esta massa enrugada e viscosa de gordura cheia de ligações neuronais é protegida como um precioso diamante pelo crânio, mas por qualquer razão absurda hoje optamos por destruir conscientemente a nossa capacidade de tomar boas decisões: alimentação pobre, excesso de peso, álcool, drogas, stress permanente e falta de sono tornam o cérebro mais pequeno. Tão simples quanto isso. E cria-se um ciclo vicioso: cérebro menor e com menor capacidade aumenta as más decisões, aumentando o efeito composto sobre a saúde do cérebro.

O Dr. Daniel Amen publicou um livro intitulado The Brain Warrior’s Way. A sua clínica tem das maiores coleções de scans cerebrais do mundo e está a usar essa base de dados para definir os comportamentos e correlações que afetam a saúde e funcionalidade do cérebro.

Quais os fatores que estão a afetar o nosso cérebro e o que podemos fazer para proteger a nossa inteligência, criatividade e capacidade de tomar decisões?

Sono: A relação é avassaladora. Pessoas que em média dormem menos de 6 horas por noite apresentam uma atividade cerebral menor, equivalente a perder 10 pontos de QI. Fumar um charro de marijuana equivale a perder 5 pontos de QI, o que significa que dormir mal é equivalente a andar pelo dia permanentemente pedrado com 2 charros de marijuana.

Alimentação: Há uma relação linear entre excesso de peso e cérebro menor. Sem qualquer dúvida. Alimentação com excesso de gorduras saturadas, açúcares e hidratos, pobre em fibras, gorduras “boas” e vitaminas, reduz a inteligência e criatividade. O cérebro é, aliás, o órgão que mais energia consome. Em estado basal, ou seja, sem esforço criativo ou de raciocínio lógico intenso, o cérebro consome cerca de 350 calorias por dia, o equivalente a meia hora de corrida. O cérebro representa 2% do peso do corpo, mas consome 20% do oxigénio e da energia.

Portanto, a epidemia de obesidade que ataca o mundo ocidental está a ser tratada pelo Pentágono como um problema de segurança nacional: 70% dos candidatos às forças armadas têm que ser rejeitados por questões de saúde, um rácio estratosférico. Além disso, estudos de longo prazo mostram uma relação entre o tipo de alimentação e propensão para doenças do sistema nervoso, como Alzheimer e Parkinson.

Como é que isto funciona? As mitocôndrias nas nossas células são responsáveis por converter a energia dos alimentos em energia, ATP, que alimenta o funcionamento dos músculos e do cérebro. Normalmente, o processo de deixar acumular reservas de gordura é feito por via da insulina, que retira o excesso de glicose no sangue e a armazena como gordura. Mas há uma via alternativa de criação de reservas calóricas, que discutimos no episódio 21: o “interruptor” despoletado por frutose e açúcares, que altera o mecanismo de produção de energia, colocando o corpo em estado de alerta para o “inverno” e passando a libertar menos energia e aumentar reservas de gordura. O tipo de vida atual ativa permanentemente este “fat switch” (ver episódio 21), levando a menos energia disponível, cansaço e obesidade. A questão é que este mecanismo tem também impacto no cérebro. Este mecanismo alternativo de gestão da energia é ativado por um processo de stress oxidativo, que origina toxinas e inflamação nas células do corpo e do cérebro.

Falamos já no episódio 8 de quais os alimentos que promovem saúde mental: peixes ricos em ómega 3 como salmão e sardinhas, fibras alimentares e fitonutrientes de legumes e frutas coloridas, nozes, chocolate negro, frutos vermelhos e suplementos como vitamina D e Ginkgo Biloba.

Drogas e álcool: O terceiro elemento que afeta a saúde do cérebro é, obviamente, o álcool. Mesmo beber 2 copos por dia tem impacto estatisticamente significativo no tamanho do cérebro. Tabaco e drogas têm, naturalmente, um efeito ainda superior. 

Desportos violentos de impacto, com choques na cabeça, como râguebi, futebol americano ou futebol, tem também efeitos visíveis. Os scans cerebrais feitos a jogadores de râguebi e futebol americano mostra impacto violento na atividade cerebral. Pelo contrário, desportos de coordenação motora, como dança, yoga, natação e sobretudo desportos de raquete como ténis ou ténis de mesa mostram o efeito mais positivo sobre a saúde cerebral.

Ganhar consciência do impacto das nossas escolhas diárias na saúde do cérebro pode mudar radicalmente a nossa vida. Não se trata apenas de perder uns quilos ou dormir melhor – embora isso sejam efeitos laterais de melhor saúde cerebral. O que está em causa é uma batalha pela atenção, inteligência e criatividade da sociedade humana. E, a nível individual, uma vida melhor, com mais energia, foco, estabilidade e boas decisões.

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Morangos sem Açúcar: (25) A importância da Atenção e o mito do multi-tasking

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Olá e bem-vindos ao meu podcast e blog “Morangos sem Açúcar”, uma série sobre desenvolvimento pessoal, corpo, mente e bem-estar – pessoal e do planeta em que vivemos. O meu nome é Karlos K e gostaria imenso de ouvir a SUA opinião, comentários e experiências pessoais, através do email karlosk.books@gmail.com, no Instagram ou Facebook @karlosk.escritor ou no site www.karlosk.com/contacto.  

Atenção plena é a maior prenda que podemos oferecer a alguma pessoa ou tarefa. Por isso, importa proteger a nossa atenção em estado de flow, dedicando o tempo necessário a completar cada coisa a que escolhemos dedicar a nossa energia – essa é a chave da performance de topo. Mas isso exige coragem para dizer não à lista infindável de To Dos, aos emails que parecem berrar para nos impor as prioridades dos outros, ou a tentação das redes sociais cujo algoritmo propositadamente tenta capturar a nossa atenção e torná-la um produto a vender aos marketeers. Multi-tasking é um mito: o que acontece é fragmentar a atenção, saltitando de coisa em coisa como baratas tontas, ou deixando coisas em auto-piloto. Porque é que deixamos a nossa atenção ficar refém das redes sociais ou ser raptada pelas prioridades dos outros? Como é que voluntariamente permitimos que roubem o melhor que temos para dar ao mundo e construir uma vida com sucesso e propósito: a nossa atenção plena?!

Um estudo recente no Reino Unido sugere que um trabalhador de escritório tem atualmente períodos de atenção de 3 minutos. Isto significa que a nossa atenção está a ser pulverizada, fragmentada, raptada por múltiplos apelos e tentações que competem pela nossa atenção, uma verdadeira cacofonia de barulho, emails, telemóvel, facebook, tik tok, mensagens do Teams, numa nuvem indistinguível entre pessoal, profissional e redes sociais. Já não se trata apenas de publicidade que nos rodeia, mas de mecanismos bem mais subtis para capturar a nossa atenção.

A obsessão always on significa que abdicamos da nossa esfera de concentração e permitimos que a nossa atenção seja continuamente raptada pelas prioridades dos outros, deixando fragmentos pulverizados de tempo para fazer as coisas que escolhemos e valorizamos – ou seja, deixamos que as nossas prioridades sejam saqueadas pelas prioridades dos outros, abdicando do tempo e atenção plena necessária para alta performance, para ter impacto no mundo e uma vida com propósito.

Podemos considerar três tipos de atenção:

  1. Luz foco: uma atenção estreita e poderosa concentrada numa tarefa especifica, como escrever ou fazer planos ou resolver um problema de física. Esta é a atenção necessária para resolver problemas complexos e abstratos, para ganhar uma corrida ou um jogo de ténis, para ter uma conversa impactante com outra pessoa
  2. Luz ambiente: uma atenção mais abrangente do espaço envolvente e imediato, que permite captar o que se passa à nossa volta e identificar situações de risco que possam justificar conscientemente transferir a atenção “foco” para outra coisa  
  3. Luz sol: uma atenção plena e abrangente além do espaço envolvente e imediato, que permite gerar ideias inovadoras, desenvolver planos para o futuro, quase intuição

Estes vários tipos de atenção são necessárias para o sucesso, alta performance, relações pessoais profundas e bem-estar mental e emocional.

O multitasking é ilusão. Múltiplos estudos científicos demonstram que o que o cérebro faz quando está a tentar realizar diversas tarefas simultaneamente é fragmentar a atenção em microssegundos, saltitando como uma barata tonta entre responder ao email, ver a mensagem de whatsapp pelo canto do olho e ver o aviso de email no canto do ecrã. Não é de estranhar que os resultados conseguidos por grupos em multitasking seja inferior ao de grupos sem distrações.

Multitasking é o resultado de não ter a coragem para definir prioridades, tentando sofregamente responder a tudo ao mesmo tempo. Como comer um litro de gelado com sofreguidão, correr no ginásio até à exaustão, comprar mais um par de sapatos que não precisamos… é o modo fazer a tomar controlo do cérebro. A consequência desta sofreguidão é tomar decisões de que depois nos arrependemos, performance abaixo do potencial e demorar mais tempo a completar as tarefas. O dia de trabalho prolonga-se infinitamente para além de horas saudáveis, e mesmo assim no final do dia parece que não fizemos nada e a lista de To Dos nunca termina. É um ciclo vicioso de baixa criatividade e energia, menor performance, optando inconscientemente por limpar coisas em vez de ter impacto. Responder a mais uns emails com a ilusão de que estamos a resolver alguma coisa, em vez de ter conversas com significado ou ter tempo para verdadeira criatividade e inovação.

Para ter impacto, é preciso ter coragem de definir as nossas prioridades em vez de naufragar nas prioridades dos outros. Ter coragem para proteger o nosso espaço de atenção plena em 1 ou 2 coisas verdadeiramente importantes que temos que fazer no dia, em vez de pulverizar a nossa atenção em listas irrealistas de To Dos além dos emails e telefonemas imprevistos que invadem os nossos planos. Passar de bombeiro a apagar fogos destruidores a arquiteto de novos projetos exige proteger a nossa atenção como o nosso ativo mais importante.

Proteger a atenção perdida da humanidade é hoje mais do que um esforço pessoal. Trata-se de um desafio para proteger a democracia, a criatividade e capacidade de reflexão e de resolver problemas. Alguém acha que é possível resolver o problema climático ou evitar uma escalada de violência com tempos de atenção de 3 minutos?

A opção consciente de proteger o nosso espaço de atenção significa dedicar tempo a construir vidas com propósito, relações profundas e alta performance profissional ou desportiva. Mas enquanto espécie, o desafio vai muito além de cada individuo. Os algoritmos das redes sociais estão construídos com o propósito único de capturar a nossa atenção, maximizar o tempo que estamos a scroll down. Pensa nisto desta forma: nas redes sociais, tu não és o cliente, mas sim o produto que está ser vendido aos marketeers. Os dados acumulados e filtrados pela Inteligencia Artificial usa cada migalha das tuas opções online para saber quem tu és. Isto poderia ter duas opções: usar essas informações para oferecer conteúdos que te permitem tornar a pessoa que queres ser, desenvolver os teus gostos e prioridades. Ou usar essas opções para te prender ao ecrã, capturar a tua atenção e vendê-la como espaço publicitário. A opção tem sido a segunda.   

Mais grave, o algoritmo focado em raptar a nossa atenção leva inevitavelmente a uma escalada de notícias e comentários tóxicos, violentes ou extremistas, que está a minar a democracia e polarizar a sociedade. Isto é inevitável porque não somos o cliente, mas sim o produto destas redes sociais, e o algoritmo não está feito para satisfazer o utilizador-produto, mas sim as empresas-clientes.

Um bébé humano com 6 meses olha de forma mais demorada perante imagens de caras ameaçadoras do que caras agradáveis e simpáticas. Isto é natural: o cérebro humano está treinado para focar nas ameaças e riscos, não no que está bem. Isto é sobrevivência. Por isso, violência, tragédia, agressividade captam atenção muito melhor do que pensamento equilibrado, reflexão ou beleza. Adivinhem o que acontece quando os algoritmos das redes sociais estão programados para captar atenção e maximizar o tempo que passas online. O que achas que vai colocar no topo do teu feed de notícias? Um tweet simpático ou um grunhido mentecapto? A escalada e polarização da sociedade, patente no extremar de posições politicas em vários países, é intensificada por esta fragmentação da atenção, capturada por algoritmos que nos alimentam de conteúdos incendiários. Os comentários e tweets “virais” podem ser isso mesmo… um vírus que rouba a atenção e polariza opiniões, fragmentando a capacidade de reflexão substituída por scrolls sôfregos entre ecrãs do iphone e do ipad.

Enquanto espécie, está na altura de pensar seriamente como queremos desenvolver o metaverse e a realidade virtual. Regular o algoritmo e não os conteúdos parece-me obvio, assim como também forçar que o utilizador passe a ser o cliente, em modelos de assinatura mensal, com espaços publicitários controlados e limites ao uso dos dados.

Como proteger a Atenção? É, como sempre, uma questão de fazer escolhas conscientes. Como disse já num dos episódios iniciais, ser mais profundo, mais forte, com mais impacto significa o oposto de fazer mais coisas. Significa tirar lixo que carregamos às costas, tirar fora o excesso de compromissos e necessidade de satisfazer toda a gente, para fazer escolhas conscientes do que queremos dedicar a nossa atenção. Proteger o tempo de descanso, exercício, sono, saúde, sem que isso signifique mais ansiedade ou sentimentos de culpa –  se tivermos a coragem de tomar as decisões necessárias para proteger a nossa atenção, descobriremos a imensa criatividade, produtividade e bem-estar que provavelmente estavam abafados pelo ruído com que tendemos a atafulhar as nossas vidas. Este é um convite para reconquistar a atenção que nos foi roubada. Quando estamos obcecados em não ser excluídos – tentando desesperadamente responder a todos os emails, whatsapps, tweets, posts do Facebook ou trends do Tik Tok – acabamos por nos deixar excluir da nossa própria vida para viver uma versão apagada da vida dos outros.

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Morangos sem Açúcar: (24) Não esperes pela Perfeição para ser Feliz

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Olá e bem-vindos ao meu podcast e blog “Morangos sem Açúcar”, uma série sobre desenvolvimento pessoal, corpo, mente e bem-estar – pessoal e do planeta em que vivemos. O meu nome é Karlos K e gostaria imenso de ouvir a SUA opinião, comentários e experiências pessoais, através do email karlosk.books@gmail.com, no Instagram ou Facebook @karlosk.escritor ou no site www.karlosk.com/contacto.  

Olá amigos e amigas. Bem vindos ao episódio 24 de “Morangos sem Açúcar”. Como muitos já se aperceberam, o sucesso nem sempre traz um sentimento de plenitude e contentamento. A felicidade de uma nova conquista é geralmente fugaz. Neste episódio exploramos os mecanismos psicológicos desta tendência para a insatisfação e os princípios base de um caminho para maior contentamento e felicidade.

Não podemos esperar até ter tudo perfeito para ser feliz. A perfeição não existe porque a mente humana é fantástica a inventar novas ambições e desejos… Na verdade, à medida que conquistamos alguns objetivos e resolvemos problemas, a mente lança o seu foco implacável sobre outras coisas que antes nem pareciam problemas.

É usual pessoas que se auto-consideram bem sucedidas, profissionalmente e/ou pessoalmente, viverem angustiadas ou com uma sensação intangível de que falta algo. Se avaliarmos a realização pessoal na vida pessoal e profissional numa escala de 1 a 10, sendo 10 o topo de auto-estima e realização, é comum que pessoas que se auto-avaliam no 8 ou 9 acabarem por se sentir tão felizes (ou infelizes) como pessoas com score de 2 ou 3 na escala da realização.

De certo modo, pode ter 9 em 10, mas o 1 que falta pode causar muita ansiedade. Isto resulta da conjugação de alguns mecanismos psicológicos inerentes à natureza humana:

Instinto de sobrevivência: ao longo de milhões de anos de evolução humana, aqueles que sobreviviam eram os que se preocupavam. O cérebro base, animal, desenvolveu mecanismos químicos que induzem estados de stress para fugir aos perigos (o ruído de um tigre ou a chegada do inverno), ou de prazer para memorizar e repetir o que ajuda a sobrevivência e reprodução (onde encontrar alimento ou parceiros sexuais). Este instinto de sobrevivência faz com que hoje, por muito segura que seja a vida, estamos sempre a testar o que pode correr mal. O cérebro humano é uma máquina de simulações, continuamente a testar o que pode correr mal. A questão é que esse mecanismo de sobrevivência foi feito para gerir ataques imediatos, de curto prazo, que rapidamente passa. Hoje, os riscos e fontes de stress são quase permanentes e o instinto de preocupação está hiperativado. Esses mecanismos são instintivos, emotivos e dificilmente conseguimos controlá-los através do córtex cerebral “racional”. Por isso, tentar forçar estados de contentamento ou felicidade por “força de vontade” não funciona. Para lá chegar, só há um caminho: a via emotiva e somática.

Estado neurológico “default”: O cérebro humano acordado está sempre a gerar pensamentos e só “pára” (entre aspas) durante o sono ou estados profundos de meditação. Aquilo que os neurologistas designam “default neurological pathway” é aquilo em que pensamos quando não estamos ativamente a pensar em nada. Ou seja, o estado base a que a mente regressa quando não encontra nada melhor para fazer. Ora, os hábitos de trabalho árduo, obsessão, preocupação que em geral, conduzem ao sucesso tornam-se uma verdadeira “droga”, ou seja, passam a ser o padrão mental a que a mente regressa sempre que não está concentrada em tarefas exigentes. Isto torna-se uma voz externa, estes pensamentos de preocupação ou ansiedade ou validação tornam-se um ruído de fundo permanente que pode ensurdecer, só dando descanso provisório quando a mente é absorvida em tarefas exigentes.  

As ilusões do Caminho: a escalada, o desafio do processo é sempre mais interessante do que o plateau da chegada ao destino. Ao longo do caminho, a mente tem mecanismos extraordinários de motivação, criando ilusões sobre quão fantástica vai ser a vida depois de atingir aquele objetivo. Isso mantém a mente e o corpo concentrados na caçada, em estado de Flow, um fluxo natural como o rio que avança indiferente às pedras que vai encontrando. Só que quando se atinge o destino e o rio se torna um lago, nesse momento todas as ilusões que a mente criou para motivar são confrontadas com a realidade.

O sucesso amplifica tudo o que somos, incluindo o lado negro. O sucesso abre possibilidades e amplifica tudo o que somos, mas isso significa que também dá voz às piores partes se manifestarem, mostra-nos de forma muito nítida o que não está bem. Como uma nódoa numa toalha branca imaculada e engomada é mais nítida do que numa toalha empoeirada e encorrilhada. E aí entra o ego, a obsessão pela Perfeição: a perfeição instagramável do corpo, da casa, do carro, das relações, do restaurante… Podemos ter uma vida em geral fantástica, mas aquelas pequenas coisas que faltam tornam-se obsessivas e ofuscam tudo o resto. Na verdade, o sucesso amplifica essa obsessão pela perfeição: se já cheguei até aqui, então só mais um esforço e vou conseguir resolver aquilo que falta. Se já sou um 8 ou 9 na escala da satisfação, então mais um esforço e chego ao 10. Só que esse 1 ou 2 que faltam normalmente não são atingíveis por força de vontade, por esforço racional – são emotivos. E quanto mais tentamos forçar chegar ao 10 através da razão ou da força de vontade, mais ansiedade se gera e mais longe ficamos – acabando eventualmente por resvalar.

O segredo é simples, mas ilusório e requer prática. Deixar ir. Perceber que só quando deixamos de ambicionar obsessivamente pela perfeição emocional, é que essa perfeição naturalmente chega. Para viver com contentamento e felicidade, é preciso primeiro aceitar, abdicar, deixar de tentar forçar uma certa ideia de felicidade.

Isto começa por aprender a viver com o vazio ou com sensações desconhecidas. Ficar confortável com o vazio mental, para desenraizar o hábito de voltar sempre ao estado neurológico default de preocupação. Quebrar o hábito da ansiedade e stress começa por aprender a estar confortável com a ausência de preocupação, e o síndrome de abstinência que isso provoca – ou seja, estar confortável com o vazio ou estados desconhecidos. Por incrível que pareça, a mente tende a preferir estar em estados que já conhece, de hábito, que dão o conforto da ilusão – errada – de controlo, do que deixar ir e aceitar novos estados desconhecidos. A dada altura, após décadas de hábito de stress e preocupação, isso torna-se um eucalipto que seca todos os outros estados mentais: descontração, curiosidade, empatia, alegria… De certo modo, a necessidade de controlo faz com que seja mais confortável um estado de ansiedade e stress do que de calma e vazio – a preocupação dá a ilusão de que estamos em controlo, apesar de ser exatamente o oposto: quanto mais stress e ansiedade, normalmente pior conseguimos resolver os problemas. Mas a mente “gosta” de se preocupar com coisas que não consegue resolver imediatamente, porque isso dá a ilusão de controlo. Por isso, tendemos a regressar sempre a esse estado base de stress e ansiedade com que ao longo de décadas fomos drogando a mente.

É possível mudar lentamente este estado neurológico default, com terapias como o Mindfulness Stress Reduction (MBSR) ou Acceptance and Commitment Therapy (ACT). Já falamos noutros episódios diversas vezes do Mindfulness e a forma como técnicas de meditação pragmática podem ajudar nesse processo de “deixar ir”, ou seja, escolher de forma consciente e sem julgamento quais os pensamentos a que queremos dar atenção e quais os que mais vale deixar passar.

O ACT é um modelo complementar de auto-conhecimento e consciência, assente em 6 pilares:

  1. Estar Presente, em Mindfulness, no momento atual
  2. Descobrir os Valores que são de fato importantes para ti, através de reflexão, journaling, meditação
  3. Compromisso com tomar as ações necessárias para viver a vida que queres viver, com propósito e intenção
  4. O Eu, constante e essencial que não é condicionado pelo sucesso ou insucesso, pelas dificuldades que vão surgindo
  5. Difusão dos pensamentos, ou seja, estar confortável com observar os pensamentos e deixar passar, sem ser absorvido por eles
  6. Aceitação de pensamentos difíceis e emoções desconfortáveis como parte da experiência de viver, sem tentar forçar o desaparecimento dessas emoções mas aceitá-los com gentileza e deixar seguir o seu curso até desaparecer

A mensagem, em termos essenciais é muito simples: não espere até estar tudo perfeito para ser feliz. Nunca vai estar tudo perfeito. Permita-se visualizar o bem-estar aqui e agora, no meio das dificuldades e turbulência. A ideia é simples, mas a prática para lá chegar é muito contraintuitiva, porque os meios a que estamos habituados (força, raciocínio lógico, resolver problema) não se aplicam neste caso. Este é um problema que só se resolve quando deixamos de tentar resolvê-lo.  

Deixo-vos com outro acrónimo engraçado para guiar esse caminho. Exercitar uma mente forte e compassiva, preparada para alta performance mas com serenidade, é trabalhar na CUCCA:

  • C de Consciência: auto-conhecimento, saber quais os nossos valores base e ter consciência dos processos mentais que conduzem a certos estados de espirito
  • U de Unlearn, ou seja, desaprender a forma usual de “fazer”, deixar a tentação de controlar a mente através de esforço ou raciocínio lógico e virar a atenção para o corpo e o interior
  • C de Curiosidade, manter espírito da 1ª experiencia e sempre que surgem emoções e pensamentos, olhar para eles com curiosidade e consciência, para poder escolher quais dar voz e quais deixar passar
  • C de Confiança no processo e em ti e no mundo à volta, na energia imutável que está para além das variações do mundo
  • A de Aceitação de todas as partes de ti, de toda a cacofonia de vozes que vive na hospedaria que é a nossa mente

Sejam felizes… mas não se esforcem muito com isso!

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Morangos sem Açúcar: (23) Como lidar com uma mente inquieta: os princípios do “MONGE Guerreiro”

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Olá e bem-vindos ao meu podcast e blog “Morangos sem Açúcar”, uma série sobre desenvolvimento pessoal, corpo, mente e bem-estar – pessoal e do planeta em que vivemos. O meu nome é Karlos K e gostaria imenso de ouvir a SUA opinião, comentários e experiências pessoais, através do email karlosk.books@gmail.com, no Instagram ou Facebook @karlosk.escritor ou no site www.karlosk.com/contacto.  

É com entusiasmo que apresento o episódio de hoje, talvez o melhor de sempre, porque resume princípios base para atingir uma vida melhor: acalmar a mente, tratar do corpo, numa vida com força e propósito, com uma forma subtil de esforço tranquilo. É uma espécie de Life Coaching de evolução pessoal.

Stress, ansiedade, desconexão e insónia são problemas comuns e crescentes. Todos temos esses momentos: a mente inquieta, desobediente, que não sossega. Pensamentos negativos ou uma sensação estranha de ansiedade, pensamentos recorrentes que aparecem nos momentos menos oportunos e nos impedem de viver o presente, ideias circulares e obsessivas a que a mente regressa compulsivamente. Pode ser apenas um incómodo, umas vozes desconfortáveis que vêm e vão. Ou essa inquietude da mente pode ser mais profunda, a ponto de perturbar a concentração, dificultar o relaxamento e interação social e perturbar o sono.

Chamo a esta mente inquieta uma “mente macaca”, que saltita desobediente de ramo para ramo, uma mente impaciente que atira ideias e sensações de forma desordenada e não sabe como lidar com elas, sem conseguir chegar a um estado de calma e silêncio.

Por oposição à “mente macaca”, podemos treinar a mente para ser “MONGE Guerreira”, um acrónimo que sintetiza os princípios base para desenvolver uma mente serena e forte, capaz de gerir a pressão, stress e ansiedade.

A obsessão contemporânea com tempo produtivo criou um enorme mal-estar perante o “não fazer nada”. Até o tempo de descanso passou a ser tempo produtivo: exercício ou experiências para postar no instagram. Deixamos de saber lidar com o aborrecimento e por isso estamos sempre em busca de soluções externas para os nossos problemas internos, com receio de ouvir a voz interior. Esse processo de tentar abafar a voz interior com soluções externas começou, curiosamente, com a sedentarização em urbanização onde “poucos” tentam encontrar meios de dominar “muitos”. Primeiro foi com as religiões, ou seja, uma solução externa para a moral e o espirito. Depois, com o mercantilismo e mais tarde a economia industrial, foi com as coisas, ou seja, o consumo de prazeres externos para abafar os desconfortos internos. E em breve será talvez o metaverse, uma realidade virtual que uma vez mais tenta encontrar soluções externas para os nossos desconfortos internos. Só que quanto mais nos afastamos da voz interior e buscamos soluções externas, mais aumenta a ansiedade, stress, alienação e perda de sentido de pertença.

O stress da vida quotidiana, as pressões que colocamos a nós próprios em busca de uma “vida perfeita”, coloca a mente num estado permanente de alerta, sem saber quando desligar. Esta “mente macaca” é o reflexo de viver a vida em estado permanente de “fazer” em vez de simplesmente “ser”, furiosamente preenchendo todos os segundos de forma produtiva. Só que essa obsessão pela produtividade extrema está a deixar-nos exaustos e sem capacidade mental para desligar. Os avanços tecnológicos do ultimo século trouxeram ajudas e soluções extraordinárias para libertar a humanidade de tarefas quotidianas em casa e no trabalho: maquinas de lavar louça e roupa, robots de cozinha, computadores, apps de entrega de comida, google search, email… enfim! Tudo isto libertou horas que antes eram ocupadas nessas tarefas. Devíamos hoje ter mais tempo livre para relaxar, atividades criativas, conversar… só que não temos. Onde foi esse tempo que as tecnologias libertaram? A verdade é que a obsessão de produtividade nos lançou numa busca permanente de formas “eficientes” de ocupar o tempo. Isso é, obviamente, excelente – a humanidade conseguiu no último século proezas de genialidade a um ritmo alucinante, desde o infinitamente pequeno (descodificação do genoma), ao infinitamente grande (os segredos do universo) e até ao imaterial (internet e inteligência artificial).

Esse progresso é extraordinário e pode fazer as nossas vidas melhores. Curiosamente, podemos talvez ter passado o ponto de inversão, em que a obsessão pela produtividade e eficiência nos está já não a dar espaço para crescer, mas a amarrar e secar a criatividade e inteligência.

A eficiência é dedutiva, linear. A genialidade e criatividade muitas vezes são indutivas, não lineares, acontecem quando a mente está livre e sossegada. Talvez seja necessário voltar um passo atrás para reencontrar o tempo perdido de não fazer nada de útil. Ou seja, para voltar a encontrar o equilíbrio mental e libertar a criatividade, podemos ter que re-aprender a não fazer nada. Re-aprender a lidar com o aborrecimento, com desperdiçar tempo em banalidades e coisas não imediatamente “úteis” como, sei lá… debates de literatura ou um serão a contar histórias sob as estrelas ou caminhar numa floresta.

O facto é que vivemos no mundo de hoje, cheio de tentações para os nossos sentidos, informação continua a bombardear-nos e pressões no trabalho, em casa, no ginásio, nas redes sociais. Não precisamos de abandonar este mundo e tornar-nos eremitas fechados numa gruta para reencontrar a paz de espírito. Esse é o Santo Graal dos tempos modernos: como destilar a essência de ensinamentos milenares, retirar-lhes as componentes religiosas ou espirituais que afastam muitas pessoas, para recolher ensinamentos práticos que podemos aplicar à nossa vida quotidiana, sem ter que abdicar da competitividade e força de uma vida ativa e interventiva. Sem ter que abdicar do mundo e retirar para um nirvana espiritual de vida contemplativa, mas viver dentro do mundo com serenidade e força.

A mente macaca saltita inquieta de pensamento em pensamento, indisciplinada e ruidosa, incapaz de estar em silêncio e paz. Uma mente inquieta e insatisfeita sempre em busca de satisfação fácil, nos “apetites” ou “binge watching” de Netflix. Esta mente macaca reflete e alimenta uma vida pessoal e profissional estilo barata tonta, a correr de um lado para o outro a apagar fogos, sem intenção e propósito e força – a responder às prioridades dos outros em vez de ter força para nossas prioridades.

Mas há uma alternativa à “mente macaca”, inquieta e desobediente. Uma mente treinada, forte e serena, firme e gentil, auto-consciente e com mecanismos para auto-reparação. Uma mente abstinente, que não está sempre inquieta em busca de soluções externas para eliminar qualquer desconforto, mas que sabe lidar com esses desconfortos e superá-los. Chamo-lhe a mente Monge Guerreira, por oposição à mente macaca.  O objetivo não é “parar” a mente, mas estar ok com o estado, os pensamentos, sem julgar.

Reconhecer que essa mente inquieta faz parte da obsessão que sustenta a genialidade. A inquietude pode ser a manifestação de duas coisas. Pode ser a manifestação de uma vontade de fazer algo maior, de ter impacto no mundo, e nesse caso devemos saber dar aso a essa mente inquieta, alimentar o nosso poder superior para fazer coisas extraordinárias – os empreendedores, artistas e cientistas que mudaram o mundo são sempre obsessivos, porque fazem algo em que acreditam, com paixão. Mas a mente inquieta também pode ser manifestação de que algo não está bem na nossa vida, que estamos a lutar contra a nossa natureza ou instintos seja no trabalho ou em relações pessoais – e nesse caso, é preciso ter a coragem de auto-análise, auto-conhecimento para decidir mudar, erradicar a fonte do problema, eliminar da nossa vida as pessoas tóxicas ou hábitos que nos amarram e destroem o potencial de grandeza.   

Antes de explicar o que é a mente Monge Guerreira, deixem-me explicar o que não é.

Não é uma tentativa de dominar a mente à força ou por via racional. Não é um botão de ligar e desligar que ativamos quando queremos. A mente não é um mero computador de execução de tarefas pre-programadas, mas tem vida própria e uma complexidade infinita, que é capaz de associações e ideias brilhantes precisamente porque não se limita a seguir circuitos eletricos pré-programados. A mente humana está sempre a testar novas ligações, novas possibilidades, a deambular. É um instrumento extraordinário de simplificação e complexificação. Deixem-me explicar.

É um instrumento de simplificação ultra eficiente porque consegue criar regras, lugares comuns, associações que permitem gerir coisas complexas do dia a dia com dispêndio mínimo de energia – já pensaram nos complexos cálculos matemáticos envolvidos em preparar e beber um café, ou conduzir um carro ou acertar numa bola de ténis em movimento e coloca-la exatamente junto à linha do adversário? A mente ignora tudo o que é mais ou menos parecido com situações já conhecidas e só presta atenção a coisas novas. Claro que com essas simplificações, por vezes comete erros, ilusões do senso-comum, omissões de informação ou preconceitos que nos levam a conclusões distorcidas sem sequer nos apercebermos.

Mas é ao mesmo tempo um instrumento poderoso de deambulação e criatividade, de novas ligações, de testar novas ideias. Por vezes, raramente, são geniais. A maioria das vezes essas ideias são simplesmente chatas… ruído que não nos deixa sossegar em silêncio mental.

Por isso, antes de tudo, temos que saber aceitar algumas coisas base. Não vale a pena tentar forçar a mente a parar. Quanto mais tentamos forçar a mente, mais ela foge em sentido contrário, precisamente porque chamamos a atenção da mente para isso e despoletamos ainda mais pensamentos. Curiosamente, quanto mais à vontade estivermos com o ruído mental, reconhecê-lo como apenas isso, ruído de fundo, vozes que vão e vêm mas às quais não temos que prestar atenção, ganhar consciência de que os pensamentos são apenas isso – ideias que não temos que prosseguir ou agir sobre elas mas podemos aprender a notar e deixar ir. Para gerir uma mente inquieta, devemos aceitar essa inquietude. Quando temos medo que a mente comece a disparar, quando estamos ansiosos à espreita de quando a mente começa outra vez em pensamentos circulares, inevitavelmente despoletamos esses pensamentos… portanto, quando aceitamos uma mente inquieta, quase magicamente atingimos mais quietude. Faz sentido?

Se os pensamentos são apenas isso, ligações elétricas entre neurónios que testam possibilidades, não temos que dar seguimento a todas as ideias. Não precisamos de julgar uma mente ou estado mental como bom ou mau, simplesmente aceitar o que é, como é.

Mais importante ainda. Essa mente inquieta é o que faz de nós quem somos e o que fazemos, portanto temos que aceitar essa inquietude de braços abertos. Reflete as nossas ambições, desejos, vontade de agir sobre o mundo à nossa volta. E isso é bom. Não podemos querer ser competitivos e fortes durante o dia de trabalho e depois de repente desligar o interruptor e viver em zen como o master yoda. É a mente inquieta que nos torna curiosos, que nos faz levantar de manhã, que nos leva a imaginar futuros alternativos e lutar por eles, que nos torna empreendedores ou gestores ou engenheiros ou cientistas ou atletas de alta competição ou levar uma nave espacial até Marte. Da próxima vez que se sentir assoberbado com pensamos desconfortáveis, diga-lhes olá e sorria: “Olá mente macaca, hoje trazes pensamentos geniais ou é só ruído?”

A inquietude mental é uma experiência humana partilhada. Essa ideia de que a inquietude e ansiedade são parte integrante da experiência de existir retira a carga negativa a essas sensações. Não estamos sozinhos, mas parte de uma enorme teia de 7 biliões de almas inquietas, todas a sofrer e a brilhar, a chorar e a rir ao mesmo tempo.  

Se não podemos – nem queremos – desligar os pensamentos, podemos aprender a decidir quando lhes dar seguimento ou quando os deixar passar. Isso é um processo que pode ser treinado, através de meditação mindfulness, ou práticas de atenção plena.

Estabelecidas estas regras base, passemos então a explicar os princípios práticos da mente MONGE-Guerreira para atingir uma mente serena e forte. Trata-se de um acrónimo e, modéstia à parte, absolutamente genial.

  • M é para Meditação

A meditação mindfulness pode ser despida de qualquer carga religiosa ou espiritual e entendida como um ginásio para a mente. Sempre que conseguimos notar e passar um pensamento, é como uma flexão no ginásio da mente. As práticas mindfulness usam duas técnicas principais: o foco no corpo e na respiração ou a visualização.

O foco no corpo ou respiração permite dar à mente um ponto de referência e treinar a gerir os pensamentos: ter consciência quando os pensamentos ou sensações aparecem, notá-los, e regressar ao foco na respiração. Isso treina a mente a deixar ir, a largar. O objetivo não é eliminar os pensamentos – isso seria estar morto – mas saber deixá-los vir e ir.

A visualização é outra técnica, criando uma imagem mental de fluxo ou energia que permite à mente sair do corpo e tornar-se maior, ligar-se à Terra e ao Universo à nossa volta.

  • O é para Off

Off de desligar, re-aprender a passar tempo inútil, sem a obsessão pelo tempo produtivo. Fazer qualquer coisa simplesmente por prazer. Passear sem ser uma “caminhada acelerada” para queimar calorias. Ler um romance e não um livro técnico. Ouvir música. Conversar. Não fazer nada e saber lidar com o aborrecimento.

Uma parte fundamental de desligar é dormir. Dormir, dormir, dormir. O mundo moderno, com luz artificial e televisão e telemóveis, reduziu brutalmente o ritmo natural do corpo. Falamos no episódio 5 sobre como dormir melhor e porque é que isso importa. Há aspetos genéticos e estilos de vida que facilitam ou dificultam o sono, mas todos podemos adotar uma higiene de sono mais saudável que proporcione melhores condições para uma boa noite de descanso em sono profundo. Durante o sono o cérebro deita fora o lixo e re-organiza o hard drive. Durante o sono são produzidas hormonas como a serotonina, responsável pelo relaxamento e renovação celular. dormir mal resulta em uma diminuição da produção de leptina e na ampliação da produção de grelina, o que leva as pessoas a comerem mais e, consequentemente, ganharem peso. Enfim, se há uma coisa que decida fazer para acalmar a mente e gerir melhor o stress, é adotar praticas mais saudáveis e consistentes para dormir melhor.

  • N é para Nutrição

A ligação entre cérebro e o que comemos está demonstrada cientificamente, há comidas que ajudam ao bem estar cerebral. Pelo contrário, uma alimentação “fácil” de fast-food e confort-food cria muitas vezes sensações de auto-recriminação que só geram loops de insatisfação e mais confort-food. Uma mente Monge é ascética, forte, contida e que sabe viver com o desconforto, sem procurar prazeres externos temporários para responder a desconfortos internos. Ouvir a voz interna, lidar com os desconfortos em vez de atacar o pacote de gelado é mais sustentável e reforça o sentido de auto-confiança. Nos episódios 6, 7 e 8 falamos sobre o impacto da alimentação na saúde fisica, longevidade e saúde mental

  • G é para Grupos

O sentido de pertença e raízes é um referencial poderoso que dá propósito e sentido à vida. Vários estudos têm demonstrado que comunidades com mais laços interpessoais ou hábitos sociais de relações interpessoais favorecem a saúde mental e reduzem estados depressivos ou de ansiedade. O individualismo e isolamento afastam-nos da experiência humana coletiva e podem criar a sensação de que somos os únicos a lutar com os fantasmas na mente.

  • E é para Exercício

A importância do exercício físico está já plenamente aceite pela maioria das pessoas. Portanto, mexa-se! Mova-se! Não interessa o quê, faça o que gostar mais, seja caminhar no parque ou lançar-se de asa delta do cimo dos penhascos. O exercício físico oxigena o corpo e liberta endorfina, uma hormona responsável pela sensação de recompensa e bem-estar. Há 3 estilos de desporto diferentes, cada um com vantagens próprias, pelo que tente encaixar um mix entre flexibilidade/alongamento muscular/balanço corporal (ioga e pilates), aeróbicos (corrida, dança, futebol) e de força (cross fit, levantar pesos).

  • Guerreira é isso mesmo, força e firmeza de escolher os nossos caminhos e viver uma vida com propósito e intenção.

Tudo isto é um processo, uma prática diária que demora tempo. Como ir ao ginásio, como manter uma dieta, trata-se de manter uma prática mental saudável. Com confiança no processo, ou seja, quando aparecerem aqueles estados de ansiedade e stress, respirar fundo, notar com consciência e dizer à mente, “OK, tratamos disso amanhã de manhã durante a sessão de meditação”.  Como em tudo, temos que acreditar no processo. Aceitar a mente como ela está em cada momento, saborear os momentos de silêncio com gratidão e não obcecar com esse silêncio – quanto mais tentamos forçar a quietude, menos a atingimos.   

É um processo, não uma solução permanente. Portanto, temos que re-aprender a ser amáveis e compreensivos com a nossa mente e corpo, não entrar em espiral de auto-critica interna quando nos desviamos. Simplesmente perceber que desviamos, tomar nota e deixar passar, voltar ao caminho.

Não “Somos” definitivos, fechados à nascença numa mente ou corpo que é isto ou aquilo com juízos de valor, mas a cada dia que passa estamos num processo evolutivo de nos “Tornar”, de atingir o potencial pleno, num estado permanente de crescimento, um caminho que podemos viver com naturalidade e alegria. Com curiosidade – esse é o segredo do mindfullness, curiosidade com o que se passa no momento, no nosso corpo, na nossa mente, no mundo – essa curiosidade permite ganhar consciência. Percorrer o caminho com força e serenidade.

O pico da performance, a genialidade e grandeza decorre de sermos a melhor versão de nós mesmo, o que exige auto-conhecimento, propósito, uma força tranquila e persistência serena, porque confortável consigo mesmo. Toda a grandeza parte do interior. Uma mente serena e forte é uma mente MONGE-Guerreira.

Podem-me enviar sugestões de pessoas para entrevistar para karlosk.books@gmail.com ou no site www.karlosk.com/contacto

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Morangos sem Açúcar | 22: As (outras) consequências da Guerra na Ucrânia

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Olá e bem-vindos ao meu podcast e blog “Morangos sem Açúcar”, uma série sobre desenvolvimento pessoal, corpo, mente e bem-estar – pessoal e do planeta em que vivemos. O meu nome é Karlos K e gostaria imenso de ouvir a SUA opinião, comentários e experiências pessoais, através do email karlosk.books@gmail.com, no Instagram ou Facebook @karlosk.escritor ou no site www.karlosk.com/contacto.  

Bem vindos ao episódio 22 de “Morangos sem Açúcar”, hoje para um tema mais pesado… A invasão da Ucrânia pela Rússia deixou o mundo incrédulo. A prioridade e atenção devem naturalmente estar no sofrimento humano que a guerra provoca na população Ucraniana e que as sanções causam na população Russa. Para além destes efeitos humanos avassaladores, a Guerra na Ucrânia tem também múltiplas consequências políticas e militares, no equilíbrio dos mercados energéticos, nas perspetivas macroeconómicas mundiais e no processo de transição energética. Neste episódio debruçamo-nos sobre estes outros efeitos da guerra.

O mundo assistiu estupefacto à invasão não provocada da Ucrânia pela Rússia. Pela primeira vez desde a segunda guerra mundial, a Europa assiste novamente a uma invasão militar em larga escala no espaço Europeu – houve outros conflitos atrozes neste tempo, mas de natureza diferente, como a guerra civil na ex-Jugoslávia e a anexação da Crimeia.

Continua a haver uma grande incerteza sobre as reais intenções do Presidente Putin nas conversações de paz em curso e vive-se hoje o receio de que a retirada e reagrupamento das tropas russas possa significar a preparação para algo bem mais terrível: armas químicas, nucleares ou um ataque concentrado na região de Donbass.

A guerra é, como todas as guerras, uma tragédia humana incompreensível e ignóbil. Mesmo numa lógica de “realpolitics”, é difícil perceber os argumentos para a invasão – não havia uma ameaça real da Ucrânia para além do vago argumento russo de assegurar a neutralidade e zona de não interferência da NATO, a população ucraniana de etnia russa não era alvo de perseguição, o argumento de proximidade histórica é irrelevante à luz do direito internacional e não é diferente de muitos outros casos (seria o mesmo que Espanha invadir Portugal com o argumento que Portugal foi parte de Espanha por 60 anos no sec. XVII). É difícil perceber o que a Rússia pretende atingir com esta invasão, para além de uma visão megalómana e saudosista de reafirmar o poder Russo, que se viu relegada para 2º plano no xadrez internacional após o fim da guerra fria, perante a ascensão da China.

Talvez por isso, perante essa incompreensão de uma invasão não provocada em solo europeu, a reação das potências mundiais foi relativamente forte e unida, atendendo a que a Ucrânia não é membro da Nato, à dependência energética da Europa face à Rússia, ao cansaço nos EUA de intervenções internacionais após a retirada do Iraque e Afeganistão e à proximidade entre China e Rússia. O Presidente Putin estaria certamente a contar com a inércia do mundo para completar agora o que começou em 2014 com a anexação da Crimeia. Muito possivelmente, a decisão tática e o momento escolhido pelo Presidente Putin foi sustentado em 3 fatores:

  • A retirada apressada e trapalhona dos EUA do Afeganistão no Verão passado, que fazia antever um receio do Presidente Biden se envolver noutro conflito externo
  • O contexto de aumento de custo da eletricidade e petróleo e baixo nível de reservas de gás natural na Europa no final do Inverno, que deveria aumentar o receio da Europa a hostilizar a Rússia
  • A crença na fragilidade e incapacidade de resposta do exército Ucraniano

Ter-se-á enganado nas 3 frentes. Os EUA e Europa conseguiram manter uma voz forte e unida, em parte graças à estratégia americana de ir deixando sair informação sobre as possíveis intenções do Presidente Putin, o que evitou que o mundo fosse apanhado de surpresa. E o povo Ucraniano mostrou extraordinária resiliência, em parte graças à experiência e organização dos grupos de civis que se formaram em 2014 durante a invasão da Crimeia e que nunca de desfizeram.

Além disso, o Presidente Putin terá provavelmente menosprezado um fato crucial: esta é a primeira guerra em direto nas redes sociais, num país com uma boa infraestrutura tecnológica de conexão à internet. O povo Ucraniano pode colocar nas redes sociais as imagens de sofrimento dos refugiados, os hospitais atacados e civis mortos de uma forma muito pessoalizada. 

Obviamente, o maior drama da Guerra é para as pessoas da Ucrânia: as mortes, os refugiados que perderam tudo e forçados a recomeçar a sua vida do zero num país estrangeiro e a destruição de infraestruturas de um país que demorará anos a reconstruir. Qual será o destino dos milhares de refugiados obrigados a seguir a rota de saída para a Rússia, onde serão provavelmente tratados por muito tempo como cidadãos de segunda? E é também um drama para as pessoas comuns da Rússia, afetadas pelas duras sansões económicas impostas pelo resto do mundo, independentemente do que poderiam ou não fazer para tirar Putin do poder.

Para além deste drama humano, cuja solução deve ser obviamente a prioridade imediata, a Guerra na Ucrânia tem outras consequências para o mundo que importa considerar.

Desde logo, o que acontecer à Russia e a Putin nesta guerra será um exemplo para outros ditadores por esse mundo fora. A Síria, a Coreia do Norte, o Afeganistão, mesmo a China em relação a Taiwan estão a prestar atenção à forma como o mundo reage à hostilidade Russa e tirarão daí ilações. Também por isso, é fundamental que o mundo se mantenha unido para parar a agressão do Presidente Putin.

Por outro lado, a neutralidade militar da Alemanha deverá finalmente deixar de ser tabu e o contributo alemão para o orçamento de defesa da Nato poder alinhar-se com o de outros países, sobretudo de um país com as competências de engenharia como a Alemanha.

Ainda em termos políticos, a guerra está a intensificar o controlo absoluto e ditatorial na Rússia, com o controlo apertado dos meios de comunicação social, criminalização de disseminação de informação classificada como falsa pelo poder e expulsão dos social media do país. A Rússia está a recuar 70 anos aos tempos da repressão Estalinista.

Uma outra consequência óbvia é no equilíbrio do mercado de petróleo e gás natural. Inevitavelmente, os países Europeus, em particular a Alemanha, vão colocar a diversificação de fontes energéticas como uma prioridade estratégica e reduzindo a dependência da Rússia. As sanções e a recente exigência Russa de pagamento em Rublos dificulta o fluxo de petróleo e gás russo para a Europa. Claro que o petróleo russo pode continuar a chegar ao mercado mundial por via da China, libertando quantidades compradas pela China para outros compradores. A questão é que a logística do petróleo e gás natural é complexa e mudar esses fluxos vai demorar tempo, quer por via de renegociação de contratos de longo prazo quer pela necessidade de alterar as rotas logísticas. Não há menos petróleo no mundo, mas sim, pode haver redução da oferta disponível e aumento de preços, alimentando ainda mais o fenómeno da inflação que já estava em recrudescimento.

O desequilíbrio nos mercados energéticos poderá ser prolongado no tempo por outra via. A necessidade da Europa de diversificar fontes energéticas vai provocar uma fragmentação do mercado mundial de petróleo e gás natural, que nas últimas décadas foi dominado pela Rússia e Arábia Saudita. A busca de volumes em fornecedores alternativos vai reduzir este consenso em torno da liderança da Rússia e Arábia Saudita, o que pelo menos provocará um aumento da volatilidade e incerteza nos mercados energéticos.

Em termos macro-economicos, o risco de estagflação tornou-se ainda maior – ou seja, um período simultâneo de inflação e estagnação. Tínhamos já falado, no episódio 9, do risco de estagflação associado à conjugação de múltiplos efeitos:

  • Pressão inflacionista do regresso do consumo pós-pandemia e redução da oferta causado pelas perturbações das cadeias logísticas
  • Efeitos recessivos do fim dos estímulos económicos da pandemia e fim da política monetária ultra-expansionista
  • Crise imobiliária na China com risco de arrastamento para o sistema financeiro chines e consequentemente sobre a procura chinesa que alimenta nomeadamente as exportações de bens de moda e luxo europeus
  • Aumento do preço da energia em parte devido a efeitos de curto prazo (inverno seco na Europa) mas sobretudo dos efeitos de longo prazo da transição energética, em que as empresas produtoras estão a abandonar os combustíveis fosseis a um ritmo mais rápido do que conseguem aumentar a produção de fontes renováveis

A estes fenómenos juntamos agora a disrupção do fornecimento de gás e petróleo russo à Europa, aumentando ainda mais a pressão sobre os preços da energia, e ameaça ao abastecimento de cereais (a Russia e Ucrânia representam mais de ¼ dos fornecimentos de cereais à Europa, que são usados não apenas diretamente para produzir pão e massas, mas também indiretamente na alimentação animal), aumentando a pressão inflacionista sobre os alimentos.

A yield curve das Obrigações do Tesouro norte-americano tem-se achatado e esta semana chegou mesmo a estar invertida, com o yield das OTs a 10 anos abaixo do yield a 2 anos. Isto é usualmente um forte previsor de recessão económica, neste caso associado a subida das taxas de curto prazo impulsionadas pela inflação.

Estaremos de regresso a contexto de inflação perto ou até acima dos 10%? As pessoas com maior exposição a financiamentos a taxa variável podem sofrer um aumento dos juros, não acompanhado numa primeira fase por aumentos equivalentes dos salários. As empresas têm que voltar a incorporar a inflação no seu planeamento, sendo que a maioria dos gestores com menos de 50 anos nunca geriu em contexto de inflação e altas taxas de juro. É preciso recuar até 1993 para encontrar taxas de inflação acima de 5% em Portugal. Em Março de 2022, pela primeira vez em quase 30 anos, a inflação atingiu 5,3% em Portugal e 7,5% na Europa.

Um efeito menos evidente mas potencialmente material é no sistema financeiro internacional. O uso do sistema swift como arma e a apreensão de bens dos oligarcas russos no quadro das sanções criará nas elites de sistemas ditatoriais ou absolutistas a necessidade de se proteger, procurando ativos fora do sistema financeiro controlado pelas autoridades. Isto pode reforçar a ascensão de criptomoedas, como ativos financeiros virtuais cuja posse reside na blockchain e não no sistema informático de um banco.

Outra dimensão das consequências laterais da guerra na Ucrânia é ao nível da transição energética e crise climática.

Desde logo, é extraordinário ver que, ao primeiro sinal de aumento do custo dos combustíveis, os Governos do mundo se esquecem dos compromissos de descarbonização e optam por subsidiar os combustíveis. Após todos os discursos e compromissos na COP26 no final do ano passado, a agenda ambiental deixou decisivamente de estar nas preocupações dos decisores ou dos jornais, apesar de em 2021 o mundo ter voltado novamente a aumentar as emissões de gases efeito estufa. Claro que o preço dos combustíveis tem um efeito material no orçamento das famílias, mas em vez de pôr em causa a estrutura de incentivos para “desmamar” o mundo do petróleo, pode-se apoiar diretamente as famílias, com um cheque direto. Pelo contrário, subsidiar os combustíveis para amortecer a subida de custo é enviar os sinais errados aos agentes económicos em termos de decisões sobre fontes energéticas. Além disso, não há qualquer razão para favorecer os combustíveis, quando a escalada de preços da eletricidade e gás natural no último ano está a causar danos sérios às empresas – porque favorecer a proteção ao consumo de gasolina e gasóleo em vez de apoiar as empresas afetadas pela escalada de custo da energia?

No curto prazo, assistiremos inevitavelmente a substituição de gás natural por fontes mais poluentes para produzir energia, nomeadamente carvão. Pode-se também assistir, por questões estratégicas de autonomia energética, a investimentos de ativação de campos de shale gas que estavam inativos. Um preço do crude acima de 100 USD pode justificar investimentos de exploração de reservas petrolíferas com custo mais elevado. Estes investimentos, uma vez realizados, irão gerar volume de gas e petróleo durante muitos anos e não podem ser revertidos, travando a transição energética.

A prazo, porém, os países Europeus ficaram certamente em pânico com os riscos de depender energeticamente de regimes políticos potencialmente instáveis, como são a maioria das fontes de petróleo e gás. Por isso, assistir-se-á a prazo a um retomar da discussão em torno da energia nuclear e aceleração de investimentos em energias renováveis.

Curiosamente, a eletrificação da economia pode conduzir ao nascimento de novos países âncora do sistema energético mundial como fornecedores das matérias primas necessárias às baterias elétricas: lítio, cobalto, níquel e cobre. Grande parte destes minerais vem da Indonesia, Congo e… Russia. Por exemplo, 2/3 do cobalto mundial vem do Congo. A Tesla investiu recentemente numa mina de níquel na Nova Caledónia, uma das maiores do mundo.

Nesta transição energética, novos equilíbrios geopolíticos surgirão, substituindo os petro-estados por novas potências de matérias primas. Vivemos num contexto de elevada incerteza, com múltiplos fatores políticos, económicos, sociais e tecnológicos em simultâneo. Nos mares turbulentos importa manter a serenidade e olhar para a matriz da realidade com visão de águia, de forma abrangente, para suavizar as ondas individuais e tentar ver as grandes tendências.

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Morangos sem Açúcar: (21) Perder peso – o mecanismo metabólico de acumulação de gordura

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Olá e bem-vindos ao meu podcast e blog “Morangos sem Açúcar”, uma série sobre desenvolvimento pessoal, corpo, mente e bem-estar – pessoal e do planeta em que vivemos. O meu nome é Karlos K e gostaria imenso de ouvir a SUA opinião, comentários e experiências pessoais, através do email karlosk.books@gmail.com, no Instagram ou Facebook @karlosk.escritor ou no site www.karlosk.com/contacto.  

A Natureza quer fazer de nós gordos? Bem-vindos ao episodio 21 de Morangos sem Açúcar, sobre perda de peso e o mecanismo metabólico desenvolvido há milhares de anos na luta pela sobrevivência, que deveria ligar e desligar automaticamente para auto-regular o peso corporal, mas que os estilo de vida contemporâneo mantém sempre ligado, tornando os nossos corpos máquinas hiper-eficientes de acumulação de gordura.

A generalidade dos animais tem mecanismos de auto-regulação do peso. Contudo, nos seres humanos a dieta e estilo de vida atual – rica em açúcares, hidratos de carbono e stress – podem “ligar” de forma permanente um mecanismo altamente eficiente de reduzir a produção de energia e aumentar a armazenagem de gordura, contribuindo para acumulação de peso que vai muito para além da tradicional contagem de calorias.

Cinco fatores contribuem para ligar ou desligar esse mecanismo metabólico, os “5S” da perda de peso: Sugar, Starch, Salt, Stress and Sleep.

Referências:

Nature Wants Us to Be Fat: The Surprising Science Behind Why We Gain Weight and How We Can Prevent and Reverse it – Dr. Richard J. Johnson

The Sugar Fix: The High-Fructose Fallout That Is Making You Fat and Sick – Dr. Richard J. Johnson

O mundo ocidental vive uma verdadeira epidemia de obesidade e excesso de peso. O excesso de peso tem não apenas consequências sérias em termos de saúde mas pode também afetar o bem-estar psicológico, auto-estima e confiança das pessoas. Ou seja, o peso pode condicionar materialmente a nossa qualidade de vida.

A abordagem tradicional de contagem de calorias não é suficiente. Claro que se restringirmos brutalmente o consumo de calorias, gerando um défice entre calorias consumidas e gastas, acabaremos por perder peso. A questão é que essas dietas são extremamente exigentes e podem afetar a nossa energia e atenção para funcionar no dia a dia, e por isso tendem a não ser sustentáveis, conduzindo ao efeito yo-yo. Por outro lado, o exercício físico só por si dificilmente gera o défice calórico necessário – tem muitos outros benefícios em termos de tonificação muscular, cardiovascular, sono, etc mas a verdade é que uma cerveja no final de um jogo de ténis praticamente anula as calorias perdidas durante 1h de desporto.

Uma abordagem mais inteligente assenta nos conhecimentos que a ciência tem vindo a desvendar sobre os processos metabólicos.  

Falamos já em episódios anteriores sobre as dietas de restrição de hidratos de carbono e açúcares e o jejum intermitente.

Os hidratos de carbono e açúcares são combustível fácil para o ciclo de krebs de produção de energia celular, tem elevado índice glicémico e causam um disparo de insulina, que por sua vez é uma hormona que retira a glucose em excesso no sangue para armazenar nas células. Reduzir brutalmente o consumo de hidratos de carbono (batatas, pão, arroz, massas, fruta, açúcares) elimina este combustível e pode despoletar um mecanismo alternativo de produção de energia, através das ketonas, que queima a gordura acumulada para produzir energia.

O jejum intermitente habitua o corpo a não estar continuamente dependente de “lenha”, ou seja, novos consumos de açúcares e hidratos, e passar a queimar gordura armazenada. Tem também efeitos positivos de reduzir a oxidação celular, que está intimamente ligada a “ligar” o mecanismo metabólico de acumulação de gordura que vamos falar de seguida.

Neste episódio, proponho entrarmos um pouco mais a fundo na base científica do efeito dos açúcares e hidratos de carbono no metabolismo humano, e como a vida contemporânea rica em açúcares, hidratos, sal, stress e falta de sono pode estar literalmente a ligar de forma permanente o mecanismo biológico de acumulação de gordura – independentemente das calorias ingeridas.

Com efeito, a questão do peso vai muito além do balanço entre calorias ingeridas e gastas. Em experiências laboratoriais conduzidas pelo Dr. Richard Jonhson, médico e investigador na universidade do Colorado, dois grupos de ratinhos receberam dois regimes de alimentação com exatamente o mesmo conteúdo calórico. Mas num caso essas calorias eram baseadas em vegetais e proteínas, enquanto o outro recebia a mesma quantidade de calorias em forma de hidratos de carbono e açúcares. Este segundo grupo não só ganhou peso face ao primeiro grupo, como também desenvolveu mais marcadores de diabetes e doenças cardiovasculares.

No livro recente “Nature wants us to be Fat” (referenciado nas Notas deste episódio), o Dr Richard Johnson explica o efeito dos açúcares e hidratos de carbono no mecanismo de acumulação de gordura.

Antes do mais, deixem-me dar nota que os hidratos de carbono de alimentos com alto nível glicémico são convertidos em glucose, que depois é convertido em frutose, ou seja, açúcar. Portanto, os hidratos de carbono são quase equivalentes a açúcar (exceto em termos de concentração, naturalmente).

A segunda nota prévia é que gordura não é mais do que a forma do nosso corpo armazenar energia e água, ou seja, é uma reserva para tempos difíceis de falta de alimentos ou de água.

O metabolismo celular de produção de energia, ou ATP, pode funcionar em dois modos: a todo o vapor, ou seja, usar toda a glucose e frutose disponíveis no sangue para produzir energia, minimizando o armazenamento de gordura; ou em modo “queima lenta”, com menor produção de energia e guardando reservas em forma de gordura.

A frutose, ou açúcar, em excesso ligam o modo “queima lenta”, ativando um mecanismo metabólico ancestral a nível das células que faz as mitocôndrias (que produzem a energia para tudo o que o nosso corpo faz) produzirem menos energia e acumularem mais gordura. Isto não é um mecanismo exclusivo dos seres humanos, todos os mamíferos têm o mesmo mecanismo. Só que os animais selvagens têm mecanismos de autoregulação do peso, e quando se retira o excesso calórico, regressam ao seu “peso base”. O caso dos ursos é paradigmático, acumulam gordura antes da hibernação, mas em média ao longo do ano tendem a manter o mesmo peso ano após ano. Pelo contrário, nos seres humanos contemporâneos (e animais domésticos), os excessos esporádicos dificilmente são revertidos. Ou seja, podemos ter uma alimentação cuidada durante a semana, apenas com excessos pontuais – normalmente, o corpo deveria auto-regular e saber que não precisa de armazenar os excessos, mas isso não acontece. Isto porque a vida contemporânea ativa de forma permanente um mecanismo ancestral de sobrevivência, designado “energy depletion pathway”, ou seja, “sinalizador de esgotamento energético”.  

A hipótese é que ao longo da evolução humana, o açúcar constitui um indicador da chegada do inverno e ativa um processo de acumulação de gordura. Os frutos atingem o máximo de doçura, ou seja, frutose, no final do verão / início do outono, quando as sementes estão prontas e portanto as árvores “querem” que os animais comam os frutos para espalhar as sementes. Esse pico de frutose sinaliza a chegada do inverno e ativa o mecanismo de sobrevivência das células, ou seja, as mitocôndrias passam a produzir menos ATP (energia) e armazenar gordura. Adicionalmente, este mecanismo de sobrevivência gera outros efeitos, como estimulação de apetite e resistência a insulina.

Se durante os milhões de anos de evolução humana este “Interruptor de gordura” era um mecanismo de sobrevivência, hoje torna o corpo humano uma verdadeira máquina de acumulação de gordura. Isto porque (i) temos acesso a quantidades abundantes de açúcar o ano todo, e não apenas no fim do verão, seja por fruta seja por açúcar refinado; e (ii) não há redução de consumo calórico no inverno.

Isto significa que atualmente o modo de “energy depletion”, ou seja, o mecanismo de queima lenta de energia e acumulação acelerada de gordura, está permanentemente ligado. Isto estimula mais o apetite (o corpo produz menos energia e precisa de mais calorias) e converte menos calorias em energia, armazenando-as em gordura. Para as mesmas calorias ingeridas, maior percentagem é convertida em gordura, e menos é usada para produzir energia, o que nos faz sentir cansados e esgotados, ou seja, sem energia.

 Este fenómeno é amplificado por três outros fatores que permeiam a vida contemporânea: Sal, Stress e Sono

  • Sal: o excesso de sal sinaliza um efeito semelhante a desidratação. A falta de líquidos no corpo aumenta a concentração de sal, que é percebida como um indicador de desidratação. O mesmo aumento de concentração de sal é atingido sem que haja falta de água, via aumento do consumo de sal. Assim, o excesso de sal é lido pelo corpo como sinalizador de risco de desidratação, e reforça ainda mais o mecanismo de sobrevivência descrito acima. Isto porque, como vimos, a gordura pode ser usada para produzir água (por isso os camelos têm duas bossas de gordura, literalmente dois garrafões de água incorporados)
  • Stress: o mecanismo de “energy depletion pathway”, ou seja, “esgotamento energético”, funciona por via de oxidação celular. O stress é um poderoso mecanismo de oxidação e despoleta o mesmo fenómeno. Isto está também ligado à sobrevivência ao longo de milhões de anos de evolução: no caso de uma ameaça, faz sentido reduzir a produção de energia (que é altamente consumidor de oxigénio), de forma a permitir libertar oxigénio para a ativação muscular – quando corremos o ritmo cardíaco acelera porque precisamos de levar mais oxigénio aos músculos. Portanto, perante um tigre prestes a atacar, faz sentido abrandar a alocação de energia aos processos de reprodução e reparação celular, reduzir a atividade das mitocôndrias e dedicar todo o oxigénio e energia ao sistema nervoso e músculos. Só que esse stress é suposto ser um estado provisório, e não permanente
  • Sono: fizemos um episódio dedicado à importância do sono e a sua influência na produção de leptina, uma hormona de regulação de apetite. A epidemia de insónia do mundo contemporâneo desregula esse poderoso mecanismo de controlo do apetite.  

Há aqui um ciclo vicioso. O mecanismo de “esgotamento energético” induzido por uma dieta rica em açúcares e hidratos de carbono e pelo stress ativa um processo metabolico em que menor % das calorias consumidas são convertidas em energia imediata (ATP) e mais % armazenada para uma crise futura imaginária que nunca surge. Isso reduz a energia disponível, faz aumentar a sensação de fadiga e falta de energia, que por sua vez leva a comer mais, necessidade de trabalhar mais horas, sensação de frustração, stress e dificuldade em dormir.

Por outro lado, as tradições alimentares do mundo foram-se alterando nos últimos 10.000 anos, desde a descoberta da agricultura, passando a basear a alimentação humana em cereais, ricos em hidratos de carbono – em vez das proteínas e vegetais que foram a base da alimentação humana durante milhões de anos. Esses hidratos são uma fonte fácil de energia e permitiu alimentar uma população crescente que de outro modo seria impossível, mas enraizou hábitos alimentares hoje difíceis de abandonar.

Alterar os hábitos dietéticos e assumir uma escolha inteligente de redução de peso pode não resolver os problemas todos… mas ajuda!

Em conclusão, o mecanismo de “esgotamento de energia” que ativa o processo metabolico em “baixo consumo/alta armazenagem” serviu durante milhões de anos para a sobrevivência da espécie. Só que hoje está permanentemente ativado.

Então, o que podemos fazer para desativar este interruptor e voltar a um metabolismo normal de libertação de mais energia e menos armazenação de gordura? É relativamente simples, apesar de exigir combater as imensas tentações à nossa volta. Temos que abandonar as drogas em que no viciamos, os “5S”:

  1. Sugar (açúcar, frutose: chocolates, bolos, açúcar refiando, refrigerantes, sumos de fruta e frutas – com algumas exceções como kiwis, frutos vermelhos ou maças verdes)
  2. Starch (hidratos de carbono, como batatas, pão, arroz, massas)
  3. Salt (sal, aperitivos salgados)
  4. Stress
  5. Sleep deprivation (privação de sono)

Em termos de conselhos práticos, podemos acrescentar mais um: suplemento de vitamina C e antioxidantes como curcuma, azeite, linhaça e frutos vermelhos. Quer a vitamina C quer estes antioxidantes naturais reduzem a oxidação celular que é o mecanismo de ativação do “energy depletion pathway”, ou seja, o interruptor do modo “baixa libertação energética/alta acumulação de gordura”.  

Curiosamente, as frutas tendem a ter alto conteúdo de vitamina C (sabor amargo) quando estão verdes, como se para evitar serem comidas, e depois quando amadurecem reduz a vitamina C e aumenta a frutose. Como se isso não bastasse, o corpo humano e de outros mamíferos não sintetiza vitamina C, como se evitasse o bloqueador do interruptor de sobrevivência que descrevemos.

 Nem todas as calorias são iguais e para perder peso não é preciso passar fome, mas obter os nutrientes em alimentos diferentes, regressando às origens da alimentação humana (que por vezes se chama a dieta Paleo): proteínas e vegetais, ou seja, aquilo que podemos caçar ou apanhar. Mas abandonar aquilo que o mundo moderno nos habituou a comer: cereais e açúcares.

O 5S da perda de peso são um modelo poderoso para orientar as nossas escolhas de vida. Boas escolhas!

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Morangos sem Açúcar: (20) Já desistiu das decisões de Ano Novo? Porque falhamos nas intenções de mudança

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Olá e bem-vindos ao meu podcast e blog “Morangos sem Açúcar”, uma série sobre desenvolvimento pessoal, corpo, mente e bem-estar – pessoal e do planeta em que vivemos. O meu nome é Karlos K e gostaria imenso de ouvir a SUA opinião, comentários e experiências pessoais, através do email karlosk.books@gmail.com, no Instagram ou Facebook @karlosk.escritor ou no site www.karlosk.com/contacto.  

Chegados quase a final de março, muitos de nós constatam mais uma vez, com um misto de resignação e fúria, que as resoluções de Ano Novo caíram por terra. Isto deve-se a duas coisas: mudar é difícil e força de vontade apenas não funciona.

Tentar quebrar hábitos apenas por força de vontade está, normalmente, condenado ao fracasso. Sobretudo num mundo com tantas tentações e pressões como o nosso. Então, como podemos criar condições favoráveis a uma mudança efetiva?

Mudança é difícil, sobretudo de hábitos enraizados há muitos anos. Mesmo quando temos consciência que esses hábitos são maus – fumar, excesso de açúcar, falta de exercício, etc. Quando a mente criou ligações neuronais que associam determinado comportamento a um certo estado de espírito ou emoção, a mente vai acabar por querer manter esses hábitos. Quando a mente se habituou a associar um estado de convívio ou cansaço ou ansiedade a um certo comportamento, vai fazer tudo por tudo para manter esse padrão. A mente é um enorme produtor de padrões, quadros mentais que simplificam o mundo – só assim consegue ser um hiper supercomputador mas ultra eficiente em termos energéticos, consumindo o equivalente a uma lâmpada de 60 watts. Só que essa ultra eficiência faz-se à custa de definir padrões e fazer descer esses processos para o subconsciente. Já lhe aconteceu conduzir de casa para o trabalho em auto-piloto e nem se aperceber do caminho? Isso é precisamente o reflexo de hábitos enraizados que descem para o subconsciente e deixam de ocupar espaço ou energia na mente consciente. Já imaginaram se a mente tivesse que em cada momento se ocupar com todos os complexos processos do dia a dia? Caminhar, falar, comer são processos que no início da vida requereram muita atenção de aprendizagem quando bebés, mas depois se automatizaram e desceram para o subconsciente.

Acontece que os hábitos que descem para o subconsciente são muitíssimo difíceis de mudar. Mesmo que o prazer desse comportamento seja passageiro e sabemos que gera mais remorsos do que prazer, a mente consciente não tem poder para agir sobre a mente subconsciente.

Ora, um comportamento habitual que mantemos apesar de reconhecer as suas consequências negativas é a definição de um vício. Uma droga. Podemos estar viciados em hábitos negativos, contra a nossa vontade racional? Ver Netflix em série, compras compulsivas, comer doces ou gordura, não exercitar, ver obsessivamente redes sociais, ansiedade, preocupação, stress… podem ser um vício como fumar ou drogas…? Sim, todos esses hábitos podem ser formas de vício, e é como tal que temos que lidar com eles.

Praticas que, em determinado contexto, nos fazem sentir bem e libertam neurotransmissores de “felicidade” como dopamina criam ligações entre certos estados de espírito ou contextos e essas práticas – e a nossa mente aprende a repetir essas práticas obsessivamente, m esmo quando já não nos fazem bem. O corpo e mente humana desenvolveram-se em contexto de restrição, e não sabe gerir o contexto de abundância em que vivemos atualmente. Durante os milhares de anos da existência da humanidade, aprendemos a repetir aquilo que nos ajuda a sobreviver. Mas o que é novo é que atualmente podemos repetir esses comportamentos até ao excesso, literalmente atafulhando o nosso corpo e mente de sensações e alimentos em excesso.

Portanto, quando nos sentimos “em baixo” ou simplesmente a precisar de um boost, o nosso subconsciente “sabe” como provocar uma libertação momentânea de dopamina: o gelado, o chocolate, as compras, binge watch televisão… mesmo quando a parte “racional” mais moderna do nosso cérebro quer controlar o processo, dificilmente consegue – a parte “primitiva” tomou o controlo das nossas emoções e dificilmente conseguimos parar as emoções com a força de vontade racional.

Como conseguimos quebrar este ciclo de vicio? Bom, força de vontade racional só por si dificilmente funciona. A força de vontade está associada as secções racionais do cérebro, as partes mais modernas (o córtex pre-frontal), mas os vícios estão enraizados nas partes mais primitivas que gerem as emoções (amígdala e hipotálamo).

Para aceder a esse subconsciente onde os vícios e hábitos estão enraizados, temos que ganhar consciência deles, lentamente fazê-los subir à consciência. Isso exige um processo lento mas constante de auto-conhecimento, para ganhar consciência e auto-controlo, enraizando na mente os novos hábitos saudáveis.

De cada vez que ganhamos consciência de uma tentação, que conseguimos resistir e depois sentimos satisfação dessa vitória, estamos a mudar os circuitos mentais dos hábitos. Portanto, mudar hábitos tem 3 passos: notar o comportamento (ganhar consciencia), analisar porque o fazemos numa atitude de auto-conhecimento, e depois substituir esse hábito por outro maior.

O Mindfulness pode ajudar nesse caminho de auto-consciência. Primeiro, reconhecendo o loop de hábitos repetitivos. Segundo, ter coragem para abraçar a auto-reflexão necessária para perceber porque seguimos aqueles hábitos e se é mesmo isso que queremos – se for, ótimo, podemos viver com os nossos vícios com carinho e gentileza; mas se não, podemos ganhar consciência e saber afastar gentilmente esses pensamentos e desejos quando aparecem, reconhecendo-os como apenas isso, pensamentos. Por fim, o Mindfulness pode dar a paz de espirito e serenidade para tomar decisões conscientes em vez de simplesmente nos deixarmos ser arrastados pelo “comboio” dos nossos pensamentos e emoções.    

Forçar raramente funciona. As conversas motivacionais de treta do tipo “eu consigo” raramente funcionam. Tentar uma meditação SOS quando estamos prestes a repetir o vicio ou no meio de uma insónia não funciona. Mas ganhar progressiva consciência do que pensamos e confiança em técnicas de Mindfulness para desenvolver uma relação saudável e desprendida com esses pensamentos permite ver quando surgem e deixá-los passar. O Mindfulness pode ser um aliado, com disciplina e repetição diária – como ir ao ginásio. De cada vez que consegue ver os pensamentos e deixá-los ir é como uma flexão dos músculos mentais. Uma mente feliz e serena é tão sexy como um abdómen six pack.

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Morangos sem Açúcar: (19) Fazer menos para fazer mais: como a obsessão da produtividade mata a criatividade e grandeza

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Como corredor de longa distância, apercebi-me recentemente de um fato curioso. Quando estou relaxado e faço uma corrida mindful, concentrado na respiração e passada, focado no presente, faço uma corrida melhor: mais velocidade e distância com menos Passos por Minuto e menos perceção de esforço, como se saísse naturalmente. Quando estou em stress, preocupado, tenso, faço menos velocidade e mais Passos por Minuto e a corrida é mais penosa. Ou seja, quando em tensão, a esforçar demasiado, tenho que colocar mais esforço para menos resultados!

O que isto significa é muito simples: se queremos que o cavalo selvagem da nossa mente criativa e poderosa possa galopar livre e fazer coisas extraordinárias, temos que saber libertar-nos do arnês pesado do excesso de trabalho quotidiano ou da dúvida, do medo e das pessoas tóxicas com que tentamos (e nos tentam) domesticar.

Recursos:

  • Do Nothing – Celeste Headlee

A obsessão com a eficiência e produtividade é relativamente recente na história da humanidade. Durante milénios, homens e mulheres viviam a trabalhar não mais de 5-6h por dia, para encontrar comida ou executar a sua arte. O resto do tempo era passado a socializar, a brincar e a relaxar. À medida que criamos invenções que nos aliviam dos trabalhos quotidianos, da máquina de lavar aos computadores, o tempo tornou-se mais valioso – literalmente, tempo é dinheiro!

A tecnologia permitiu reduzir brutalmente o tempo improdutivo dos trabalhos domésticos ou de movimentação, permitindo substituir essas horas improdutivas por mais horas produtivas, aumentando as horas em que a mente e corpo dedicam a trabalho produtivo. Mesmo no tempo de descanso, já não precisamos de estar aborrecidos sem fazer nada, a contemplar o nosso umbigo, mas somos bombardeados por diversões externas que competem pela nossa atenção, prometem prazeres fáceis, e nos roubam da capacidade de autocontemplação. 

Esta obsessão pela produtividade é facilitada pela tecnologia, mas não é causada pela tecnologia – antes, reflete e amplifica uma cultura de produtividade. O capitalismo e liberalismo económico contribuíram mais para a melhoria das condições de vida materiais de grande parte da humanidade, mais do que qualquer outro sistema social. Só que assentam numa “história”: a crença no self-made man e self-made woman, que através de trabalho e competências consegue afirmar-se e subir socialmente. Essa “história” que permeia os filmes e livros cria um sistema de valores que assenta no trabalho: a felicidade compra-se com riqueza e a riqueza conquista-se com trabalho. E com base nessa história, milhões de pessoas se lançam cada manhã na máquina trituradora, no tapete de corrida em que temos que continuar a correr para não sair do sítio. 

Nesta cultura de produtividade, não fazer nada gera ansiedade social, medo de falhar ou de ser percebido como preguiçoso.

Esta cultura de produtividade entra em todas as áreas da nossa vida, transbordando do trabalho para a vida pessoal – ou seja, a obsessão com o tempo produtivo contamina o tempo de descanso, que deixou de ser horas vazias e aborrecidas para estar preenchido com atividades: mais uma aula de aeróbica, aulas de mandarim, fazer pão caseiro, passar horas a espera para entrar no restaurante da moda… O tempo de descanso deixou de ser tempo de não fazer nada, para ser uma competição para ver quem faz mais coisas.

A obsessão pela produtividade está na base do aumento exponencial de ansiedade e depressão no mundo contemporâneo. O sentimento de isolamento social duplicou nos últimos 20 anos. A taxa de suicídio entre teenagers nos EUA está a aumentar desde 2010. Como é possível sentirmo-nos isolados num mundo mais conectado do que nunca?

A questão é que podemos ter passado o “ponto ótimo”. Porque é que somos tão produtivos e eficientes e, no entanto, nunca houve tanta ansiedade, stress, insónia e desconexão? Na verdade, o foco na produtividade pode ser um foco em fazer mais coisas, mas não necessariamente as coisas relevantes ou com impacto. Segundo dados da OCDE, a Grécia é o país da Europa onde se trabalha mais horas, e no entanto está em número 24 de produtividade…

Não sou contra o trabalho! Pelo contrário… construi uma vida excelente à custa de muito suor. Na minha carreira, já fiz muitas semanas de mais de 100 horas e continuo a fazer 60 horas por semana ou mais. A impaciência é inerente ao ser humano. O Homo Sapiens existe há menos de 300.000 anos… comparem isso com os 66 milhões de anos que os dinossauros dominaram o planeta. E no entanto, em tão pouco tempo, o homo sapiens fez tanto! Isso é reflexo da inquietude e impaciência humana – a nossa mente é literalmente uma fábrica de ideias e possibilidades que depois transformamos em realidades! 

Esta inquietação é única da espécie humana e traduz um mecanismo biológico evolutivo extraordinário. O ser humano tem uma consciência única do que se passa à sua volta. Só que essa consciência poderia tornar-se um problema sério em face de desgraças, secas, pragas, guerras. Por isso, a mente humana desenvolveu uma grande plasticidade, capacidade adaptativa, ou seja, a tendência de ajustar rapidamente as expectativas e emoções ao estado do mundo.  Podem acontecer coisas terríveis, que a mente humana normalmente consegue ajustar-se e regressar ao mesmo estado emocional anterior a esses eventos terríveis. Isso confere enorme resiliência perante as dificuldades. O problema é que a plasticidade funciona para os dois lados: protege a sanidade mental quando acontecem coisas terríveis, mas também rapidamente incorpora e elimina a felicidade de coisas boas, levando sempre a estado emocional “base”. Por isso, o hedonismo precisa de ser continuamente alimentado com novos prazeres. O chocolate de ontem não dá prazer hoje. A vitória ou promoção de ontem já não são suficientes hoje.

Se a mente é insaciável, a solução para reduzir a inquietude mental é uma existência ascética de renúncia a todos os prazeres, aceitando a inevitabilidade de que tudo (dor e prazer) é passageiro. Essa é a abordagem de algumas religiões, em particular budismo e hinduísmo.

Confesso que prefiro aceitar os altos e baixos, a montanha russa das emoções da vida, ter uma existência interventiva no mundo em vez de passiva. Mas há uma sabedoria naquelas abordagens contemplativas de que as nossas mentes inquietas podem beneficiar: a consciência de que felicidade e tristeza são apenas emoções, passageiras, e desenvolver um certo afastamento saudável e consciente em relação às tempestades e sobe-desce da vida, ganhando mais resiliência e serenidade.

Não fazer nada, re-encontrar um espaço para preguiça improdutiva, auto-reflexão e sonhos, não significa abdicar do mundo ou deixar de ser competitivo e produtivo. Pelo contrário… podemos trabalhar 40 horas por semana e nunca ter a mente sossegada porque estamos amatrrados a empregos ou relações pessoais que estão contra a nossa natureza. Ou podemos trabalhar 100 horas por semana e sentir-nos a voar, livres e e harmonia com a nossa essência. Se já está no segundo caso, ótimo! Continue e faça coisas extraordinárias.

A questão é quando, por qq razão, perdemos esse “toque mágico”. Isso acontece a todas as pessoas, mesmo as mais bem-sucedidas. Na verdade, esses momentos de dúvida são momentos de auto-reflexão e crescimento. Nessas fases de deserto emocional, devemos ter a coragem de auto-análise, de parar para recuperar energias ou sarar as feridas físicas e emocionais. Não fazer nada significa ter a coragem de parar para reconectar com o que nos faz vibrar. Só que isso é um processo que exige tempo, não pode ser apressado do tipo “50 minutos com o psicólogo para reencontrar a verdadeira natureza”. É um processo muito individual, isolado. Nas fases em que nos sentimos “desconectados”, a tentação é fazer mais do mesmo, colocar mais horas, mais esforço – só que isso só cava ainda mais o buraco. Nessas fases, é preciso saber dar um passo lateral, fazer menos para reencontrar as energias e propósito para fazer mais. 

Excelência e Preguiça são quase dois lados da mesma moeda. A mediocridade esforçada e trabalhosa segue sempre em frente, como um burro com palas que se limita a continuar a puxar a carroça, com estabilidade e monotonia. A excelência e genialidade tem altos e baixos, e só se aceitarmos os pontos baixos é que podemos ambicionar aos pontos altos. Os grandes desportistas, artistas, empreendedores são sempre obsessivos – porque têm um propósito em que acreditam com toda a sua alma, estão conectados à sua natureza. É daí que vem a paixão para criar magia no mundo.

Se nos concentrarmos no resultado final, acabamos por perder a magia do processo. A maioria das pessoas e empresas tenta forçar produtos e serviços medíocres ao mundo, vender-se com o seu esforço ou com truques de marketing pessoal e empresarial. Em vez de vender esforço, se nos concentrarmos em oferecer magia ao mundo, as coisas acontecem com naturalidade. Já estiverem em Florença, perto da estátua de David, de Michelangelo? O David não é uma obra de esforço, de horas, é uma obra de amor, de paixão obsessiva.

Na verdade, é extraordinário quando conseguimos dedicar a nossa vida a fazer algo que nos apaixona, em que tudo flui com naturalidade. O que acontece, porém, é que quando temos preguiça ou azar ou receio de procurar essa paixão, acabamos por tentar simular o esforço obsessivo da genialidade – disfarçar o descontentamento com mais esforço e horas, porque essa obsessão pode ser mascarada como intensidade e paixão. E na verdade, ninguém, a não ser nós próprios, consegue distinguir a diferença! E ao compensar a falta de paixão com mais horas, acabamos por reduzir ainda mais a energia e oportunidade de auto-reflexão, essencial para encontrar e dar corpo a essa paixão.

Portanto, para atingir os picos das montanhas altas da satisfação pessoal temos que aceitar os vales da dúvida e auto-reflexão. Para continuar a crescer e libertar todo o potencial, temos que saber quando parar e não fazer nada. Alcançar o nosso máximo potencial pode não significar acrescentar mais esforço, mas a solução contra-intuitiva pode ser exatamente o oposto – sair do tapete rolante, dar espaço para crescimento e auto-reflexão, e ter coragem de procurar o que amamos.

Temos que deixar de nos tratar como máquinas que podem ser otimizadas e forçadas a correr ininterruptamente. Aliás, o desenvolvimento do poder computacional só torna ainda mais importante a criatividade e capacidade de sonhar novas possibilidades – e criar magia naquilo que fazemos.

Uma vida saudável e equilibrada passa por um balanço difícil entre lutar por melhorar e apreciar o que já atingimos. Bom descanso e bons sonhos!

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Morangos sem Açúcar: (18) Longevidade – como viver mais e melhor

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Hoje abordamos uma hipótese que é simultaneamente fabulosa e inquietante: e se o envelhecimento for uma doença tratável e não um processo inevitável definido por limites físicos inultrapassáveis? Nos últimos séculos, a ciência médica tem considerado o envelhecimento como um processo inexorável e focado em tratar as doenças físicas e mentais que lhe estão associadas. Todavia, a investigação genética avança a todo o vapor no sentido de tratar o próprio envelhecimento como uma doença tratável, descobrindo condições que favorecem a reparação do ADN celular, abrindo uma possibilidade extraordinária – se sobrevivermos os próximos 20-30 anos, poderemos ter condições radicalmente novas de viver até aos 150 anos, de forma saudável. Isto coloca 2 questões cruciais:

  1. o que podemos fazer para favorecer esta extensão da longevidade, com saúde física e mental?
  2. como teremos que ajustar as nossas carreiras para nos reinventarmos ao longo da vida, mantendo-nos relevantes e ativos?

Recursos:

  • The Telomere Effect (Elizabeth Blackburn and Elissa Epel)
  • Lifespan (David Sinclair)

O limite máximo da vida humana é um conceito diferente da esperança média de vida. Ao longo dos últimos séculos, temos assistido a um aumento dramático da esperança média de vida, graças sobretudo a uma redução brutal da mortalidade infantil (resultado de vacinação e melhores condições alimentares), redução de mortes “violentas” provocadas por guerras, pragas ou fome e desenvolvimentos da medicina para tratar doenças associadas ao envelhecimento. Isto permitiu reduzir as mortes prematuras durante a infância, aumentando assim a média, e estender o horizonte de vida a que a maioria das pessoas pode aspirar. Dessa forma, a esperança média de vida aumentou dos 30-40 anos para c. 80 anos nos países desenvolvidos.

Contudo, o limite máximo da vida humana não tem alterado muito. Desde que há registos históricos, encontra-se referência a pessoas a viver mais de 100 anos, sendo que o máximo registado anda em torno dos 120 anos.

Temos, portanto, dois efeitos que se confundem, mas distintos: longevidade média e longevidade máxima.

Os desenvolvimentos da ciência genética começam a levantar o véu sobre o processo de envelhecimento.

A Dra Elizabeth Blackburn recebeu o prémio Nobel pela descoberta dos telómeros e o seu impacto no processo de envelhecimento genético, sintetizado no livro “The Telomere Effect” (referenciado nas Notas deste episódio).

O nome Telómero é derivado do grego e significa “parte final”: as extremidades dos cromossomas. São partes do ADN repetitivas e não codificantes, ou seja, que não têm nenhuma função relevante de codificação de proteínas, mas servem para proteger o material genético do cromossoma e evitar distorções nas partes “centrais” do ADN. Contudo, à medida que as células se dividem para multiplicar e regenerar os tecidos e órgãos do corpo, o comprimento dos telómeros vai reduzindo. Este encurtamento dos telómeros tem um papel central no envelhecimento, na medida em que as células deixam de ter capacidade de se reproduzir (senescência celular) ou degeneram em células cancerígenas com informação deturpada.

Num outro livro, Lifespan (também referenciado nas Notas deste episódio), o Prof David Sinclair da Harvard Medical School, acrescenta uma camada adicional no mecanismo de proteção do ADN, com a teoria da informação do envelhecimento celular. Basicamente, o genoma humano (ou seja, a longa cadeia de ADN organizada em 23 pares de cromossomas) é toda a nossa informação genética. Este genoma está presente no núcleo de todas as células do corpo. Ou seja, cada célula contém toda a informação genética, igual a todas as outras células. A diferença entre uma célula da pele e uma célula do pulmão ou do cérebro é quais os genes que estão ativados ou desativados – e esse controlo é feito pelo epigenoma. Ou seja, o genoma é o hard drive onde está armazenada a informação, enquanto o epigenoma é o software para ler essa informação e que vai diferenciar as células “primordiais” (estaminais), tornando-as células do rim ou do olho. Esta repetição da mesma informação em todas as nossas células pode parecer ineficiente, e constitui ainda um mistério por desvendar.

O hard drive do genoma é analógico, físico, não tem variações ou erros, permanece com poucos desvios. Mas isso significa que tem pouca flexibilidade. Mas o software do epigenoma é digital, o que permite gerir muito mais complexidade, informações, combinações para criar a imensa diversidade de células do nosso corpo – mas isso cria mais risco de erros, de desvios. São erros no software de uma célula que ao longo do tempo fazem essa célula perder a capacidade de se reproduzir e regenerar ou degenerar e tornar-se indiferenciada, ou seja, cancerígena.

A prova final de que o ADN é permanente e não se deteriora com o envelhecimento é a clonagem de animais novos a partir do ADN de animais velhos.

Ora, é aqui que chegamos ao ponto crucial: a informação está toda intocada, armazenada no ADN. São os desvios de codificação não corrigidos que vão fazendo o epigenoma deixar de ser capaz de “gerir” adequadamente esse ADN. Portanto, não há nada fisicamente que force as células a deteriorar-se, simplesmente o epigenoma deixa de ser capaz de ler essa informação adequadamente. Isto levanta a hipótese extraordinária de não haver um limite físico intransponível para a hard drive (o ADN), desde que se vá fazendo o upgrade do software e corrigindo os erros (o epigenoma).

Como estimular o mecanismo de reparação celular?

O nosso organismo tem mecanismo de reparação deste software. Perceber esse mecanismo permite tirar conclusões sobre como podemos estimular essa regeneração celular e manter o software atualizado durante mais tempo e assim promover a longevidade.

De forma muito simplificada (e explicada em detalhe no livro de David Sinclair já referido), as células de todos os organismos vivos têm dois estados base, supostamente desenvolvidos pelos primeiros organismos vivos no planeta. Quando os sinais exteriores são de abundância e estabilidade – proteção, conforto, alimento, segurança – as células entram em modo reprodução. Pelo contrário, quando os sinais exteriores são de ameaça ou carência, as células entram em modo de autoproteção e reparação. Em abundância “compensa” mais reproduzir, mesmo que algumas células saiam erradas e morram. Em carência, é preferível não gastar energia a reproduzir e antes dar prioridade a preservar o genoma para o futuro.

São bem conhecidos e estabelecidos os estudos científicos feitos em diversos organismos que demonstram que condições de adversidade (sem chegar a extremo que ponha em risco a sobrevivência) aumentam a longevidade. Em particular, a restrição alimentar e temperaturas fora da zona de conforto (sobretudo frio) estimulam os mecanismos de longevidade.

Curiosamente, ao longo dos últimos 200 anos os progressos da medicina, redução da fome e das guerras permitiram aumentar a esperança média de vida, mas pelo contrário o estilo de vida confortável e sem privações reduz os mecanismos naturais de longevidade. Ou seja, a vida contemporânea permite aumentar a longevidade média, mas está a reduzir a longevidade máxima.

Na verdade, ao longo de toda a evolução humana, o estado natural é de adversidade física, mas serenidade mental. Durante milhares de anos da evolução natural, os seres humanos enfrentaram períodos de stress/perigo físico (ataque animais), adversidade/desconforto (frio ou calor), privação/restrição calórica (fome) – esses períodos de adversidade despoletam os processos de reparação genética. Nos períodos “tudo bem” a ordem é crescer e multiplicar, nas fases de “restrição” a prioridade é proteção e reparação.

Por outro lado, se ao longo da evolução humana vivemos em ciclos permanentes de abundância e adversidade física, beneficiamos em geral de serenidade mental: o stress de um ataque de tigre durava poucos minutos (para o bem ou para o mal), o trabalho limitava-se a 4-5h por dia para arranjar comida, a ausência de luz artificial forçava horas naturais de sono, e as comunidades pequenas reforçavam o sentido de pertença e enraizamento.

Nos últimos 200 anos, invertemos radicalmente estas condições em que o organismo humano de desenvolveu ao longo de milhares de anos. Vivemos em estado quase permanente de stress mental, mas elevado conforto físico. A ausência de adversidade físico, a abundância alimentar e conforto, bloqueia os mecanismos de reparação genética cruciais para a longevidade. O stress mental, ansiedade, falta sono, acelera envelhecimento cérebro, doenças mentais depressão, demência, alzheimer. Ou seja, vivemos em média mais anos, mas com menos condições para preservar a saúde mental e bem-estar bem como a reduzir as hipóteses de longevidade máxima.

O que fazer?

Apesar de haver ainda muito por descobrir na ciência da longevidade, parece ser cada vez mais verosímil pensar o envelhecimento não como um processo inevitável de deterioração, mas como uma doença – da qual as outras doenças e sinais de envelhecimento (dos cabelos brancos às rugas) são uma consequência. Com base no conhecimento atual, há 3 áreas em que podemos desde já atuar de forma consciente para aumentar o horizonte de vida com saúde física e mental:

  1. Provocar “imitadores” de desconforto e adversidade física:
  2. Nutrição: A restrição calórica é reconhecidamente um fator de longevidade. Várias experiências sugerem que o jejum intermitente pode ter efeitos semelhantes, ou seja, quando comer pode ser tão importante como quanto comer, permitindo ao corpo períodos alargados de descanso alimentar para deixar de se focar no esforço de digestão e armazenamento para se focar na reparação.  Uma dieta “difícil” (sem hidratos e gorduras fonte de energia fácil, mais vegetais e proteínas de peixe/carne branca, comida para cérebro com ómega 3 no azeite, salmão, sardinhas e ameijoas
  3. Frio: deixar a água do duche correr 20 segundos no frio no final do banho, ou passear numa manhã fria de inverno com uma camada a menos de roupa do que seria confortável
  4. Exercício físico de cardio, pesos e flexibilidade
  • Proteger a Mente para se manter saudável durante um horizonte de vida mais alargado:
  • Técnicas de meditação mindfulness e gestão stress
  • Criar hábitos e rituais que permitam dormir 7-8h por dia, provavelmente dos hábitos  mais importantes para o bem-estar
  • Suplementos:
  • Apesar de o seu efeito real ainda não estar comprovado em estudos alargados, há sugestões de que algumas moléculas podem favorecer os processos de reparação celular: NMH, NAD e Resveratrol.

Uma nota final. Perante a possibilidade de viver até aos 120 anos, teremos que alterar radicalmente a forma como organizamos as nossas carreiras, preparando-nos para nos reinventar 2 ou 3 vezes ao longo da vida. Adotar esta perspetiva pode alterar de forma surpreendente a forma como encaramos a vida – afinal, aturar aquele chefe chato ou aguentar um emprego entediante pode não ser apenas por mais 10 ou 15 anos, mas 50 ou 60 anos. Ao pensar desta forma e assumir a consciência de uma carreira ativa até aos 120 anos, podemos surpreender-nos com as conclusões a que chegamos.

Viver até aos 120 anos exigirá uma reflexão profunda – pessoal e coletiva – sobre a forma de gerir as carreiras e manter o bem-estar físico e mental.

 Ahh, e já agora… o resveratrol é um polifenol que pode ser encontrado principalmente na película das uvas pretas e no vinho tinto… portanto, quando brindamos “saúde”, pode ser mesmo em sentido literal!

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Morangos sem Açúcar: (17) Uma mente criativa e produtiva pode ser uma mente feliz e satisfeita?

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A semana passada falamos da forma de reconciliar Felicidade e Sucesso, duas realidades que vivem em tempos diferentes e por isso muitas vezes são incompatíveis: Felicidade existe no Presente, Sucesso existe apenas no Passado ou no Futuro.

Hoje falamos de outra dicotomia. As mentes produtivas e criativas são muitas vezes mentes angustiadas e ansiosas, que se alimentam das suas contradições. Isso pode tornar-se uma barreira a uma mente feliz e satisfeita. Mas não tem que ser incompatíveis: ao contrário da imagem romântica do artista atormentado na dor da sua alma ou o empreendedor em ânsia de mudar o mundo, podemos dar um passo consciente no sentido de dar algum conforto e felicidade à mente, sem perder a produtividade e criatividade.

Uma mente feliz e satisfeita é feminina… isso já todos desconfiávamos, só não sabíamos porquê.  Portanto aqui vai: os princípios de uma mente feliz são EELA. EELA é um acrónimo para Equilíbrio, Empatia, Ligeireza e Apreciação.

Uma mente feliz e satisfeita não tem necessariamente que ser uma mente acomodada e passiva. Certamente o envolvimento no mundo, a tensão para agir e mudar, cria naturalmente pontos de divergência entre a realidade que é e aquela que gostaríamos que fosse. Por isso, há muitas vezes a tentação de concluir que para atingir um estado nirvana de contentamento seria preciso um sentido de abnegação, abdicar dos prazeres ou da tentativa de intervir na realidade. No entanto, uma aceitação passiva não é viver em plenitude, é uma forma anestesiada de contentamento. A passividade anestesiada pode eliminar a dor e sofrimento, mas certamente não substitui a imensa satisfação de pensar e agir sobre o mundo e as pessoas à nossa volta – ou seja, de ver a matriz da realidade e tocar-lhe, deixar a marca da nossa existência.

Realizar plenamente todo o nosso potencial, o poder superior de que somos capazes se nos livrarmos dos nossos medos e preconceitos para nos entregarmos de corpo e alma a fazer aquilo que nos apaixona, é na verdade a forma mais pura de honrar o privilégio de existir. Os grandes homens e mulheres conseguem ver a matriz e atrevem-se a tocar-lhe porque o fazem quase sem esforço, como se fosse a coisa mais natural do mundo – para isso, temos que fazer aquilo que nos apaixona. Quando conseguimos descobrir o que nos move profundamente, agir, pensar, fazer, deixa de ser um ato de esforço para passar a ser um ato de amor, de carinho.

Nesta perspetiva, ter impacto no mundo e nas vidas dos outros, deixar a nossa marca na matriz do mundo, é muito diferente de deixar um “legado”. O “legado” é egoísta, é um presente que entregamos com o propósito de que o mundo se lembre de nós. Pelo contrário, o impacto que um grande artista ou cientista ou atleta ou engenheiro deixa no mundo é desinteressado, não no sentido de não trazer riqueza (por vezes sim, por vezes não) mas no sentido de que faz parte da nossa natureza, não podemos fazer outra coisa que não aquilo que fazemos. Um legado é construído com esforço. Um impacto na matriz é um ato de entrega apaixonada.

A maioria das empresas tenta forçar produtos e serviços medíocres ao mundo, empurrando as suas vendas pelas goelas abaixo dos consumidores com marketing e publicidade agressivo. Pelo contrário, as empresas que mudam o mundo tentam criar magia. Criar magia é mais difícil do que vender…

Mas então, as mentes agitadas que sentem um impulso imparável para agir e participar no mundo em vez de se retirar passivamente para um mosteiro nos Himalaias, estão condenadas as sofrer?

Não. A serenidade e felicidade são uma escolha.

A forma de lidar com a angústia e ansiedade inerentes a uma vivência do mundo, a pensar e agir, não é tentar eliminar essa angústia e ansiedade, mas desenvolver uma relação saudável com esses sentimentos. Parar uma mente inquieta apenas é possível por anestesia, seja retirando-se do mundo para viver como eremita intelectual seja por via química com drogas, álcool ou medicamentos. Só que para desenvolver uma mente feliz e satisfeita não temos que eliminar a angústia e ansiedade – temos antes que aceitar essas sensações como parte da natureza humana, de uma vida vibrante, e viver com elas com mais ligeireza e serenidade.  

Como escreve Miguel Torga: “Recomeça… se puderes, sem angústia e sem pressa e os passos que deres, nesse caminho duro do futuro, dá-os em liberdade, enquanto não alcances não descanses, de nenhum fruto queiras só metade.” Ou seja, podemos lutar por alcançar os frutos do futuro, mas sem angústia e sem pressa, apreciando cada passo ao longo do caminho duro de existir.

Podemos sintetizar os 4 pilares para uma mente feliz e satisfeita com o acrónimo “EELA”:

  1. Equilíbrio
  2. Empatia ou bondade com os outros
  3. Ligeireza, não levar todos pensamentos muito a sério
  4. Apreciação

Nada disto é essencialmente incompatível com Sucesso ou bem estar material ou prazeres diários – mas também não se atingem através desses prazeres ou sucesso. Por isso, não vale a pena tentar encontrar a felicidade ou bem-estar espiritual por via de prazeres ou sucesso. Não podemos substituir equilíbrio, empatia, ligeireza e apreciação com mais uma promoção ou com uma mala Gucci ou com um pacote de gelado. Isto significa que temos que prestar atenção, seguir um processo consciente para praticar a felicidade – como ir ao ginásio para treinar do corpo, temos que treinar a mente.

Estas características EELA treinam-se. Como músculos, sempre que fazemos meditação ou sorrimos a um pensamento negativo ou decidimos cantar uma música ou sorrir sem razão aparente, é como se fizéssemos uma flexão do nosso cérebro, um abdominal mental. Várias coisas podem ajudar-nos nesse processo: meditação mindfulness, raízes e sentido de pertença a uma comunidade ou objetivo coletivo, um grupo sólido de relações de amizade e familiares.

Aceitar a mudança, apreciar a calma ou surfar as ondas do quotidiano com um espírito de curiosidade, de descoberta. Não vale a pena querer parar o mundo, mas podemos apreciar o desafio da mudança, sabendo que há aquela fonte inesgotável de calma e bem-estar dentro de nós a que podemos recorrer sempre.

Evitar levar-nos muito a sério, deixar algum espírito de brincadeira e leveza nas coisas que fazemos. Não significa passividade ou não levar as coisas a sério, significa não levar demasiado a sério os pensamentos e sentimentos que decorrem da nossa interação com o mundo.

Um sentido de empatia com os outros, de gratidão pela experiência de estar vivo e pelas experiências partilhadas, desde o café da manhã até o beijo de boa noite a uma pessoa amada. Ou simplesmente o semáforo passar a verde na altura certa. Aproveite para agradecer e sorrir. O ato físico de sorrir despoleta emoções positivas, mesmo que forçado. E os momentos de apreciação podem ser quando quisermos. Se estamos parados no transito, em vez de fazer disso um mega problema e disparar a pressão arterial, aproveite para fazer uns exercícios respiratórios: inspirar fundo depois expirar lentamente como se fosse por uma palhina. Ou aproveitar a música no rádio e cantar – o melhor que pode acontecer é a pessoa do carro atrás também dançar.

A auto-consciência é uma parte central do equilíbrio: a meditação mindfulness permite treinar a mente para ganhar consciência de quando está a entrar em pensamentos ou sentimentos que levam a estados de desequilíbrio ou ansiedade, e ter confiança e ferramentas para recuar, ou seja, decidir conscientemente não seguir esse caminho, evitar chegar a um estado total de ansiedade ou stress ou aflição que já não tem volta atrás. Mas isso exige respeitar a mente, as sensações e investir tempo a treinar – meditação é como ir ao ginásio, é uma prática diária.

Evitar sobre-analisar. Tentar aplicar a mente racional a emoções de stress, ansiedade ou angústia só aumenta a perceção de desvio e intensifica a emoção negativa. Em vez disso, tente sair fora desses pensamentos negativos: centrar o foco num movimento constante e involuntário (normalmente usa-se a respiração) e sempre que sentir a mente a desviar, gentilmente volte à respiração. Isto é como fazer flexões: cada vez que se apercebe que a mente está a deambular e consegue trazer de volta, é mais uma flexão que reforça o seu musculo mental, criando mais resistência para gerir o stress e ansiedade.

Treinar uma visualização de bem-estar, como luz do sol dentro do peito, quente e luminosa, e repousar a mente nessa sensação. Não é pensar racionalmente nas coisas que suportam o nosso bem-estar, mas focar na sensação do espaço e liberdade da mente. 

Agradecer tudo o que vai acontecendo de bom, mentalmente, para nos apercebermos de que é bom estar vivo e a existir neste momento.

Procurar ativamente experiências novas: aprender uma língua, experimentar um desporto novo, ler um livro diferente. Ou coisas tão simples como mudar o lugar em que se costuma sentar nas reuniões ou em casa à mesa de jantar, ajuda a dar uma perspetiva diferente à vida e ganhar consciência que não estamos “presos” a uma realidade fechada e imutável.

Por fim, respeitar o nosso esforço pessoal e defender de forma intransigente o valor do que fazemos. Não deixe ninguém menosprezar o seu valor ou esforço – e sobretudo não se deixe a si própria fazer isso. Não vale a pena, é uma perda de tempo. Quando se sentir assoberbado por pensamentos, vá dar um passeio de 20 minutos ou aproveite para ir ao ginásio. Vai ver que isso passa. Ou tente uma coisa radicalmente nova: feche-se no quarto de banho, abra os braços e o peito, respire fundo e sorria. Por fim, reconhecer que todas estas ideias são passageiras. A felicidade é um fluxo e exige um esforço continuo e consciente para a alcançar. Não se trata de aceitar passivamente o mundo, mas encontrar um equilíbrio no modo como agimos com os outros e o mundo.

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