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Olá e bem-vindos ao meu podcast e blog “Morangos sem Açúcar”, uma série sobre desenvolvimento pessoal, corpo, mente e bem-estar – pessoal e do planeta em que vivemos. O meu nome é Karlos K e gostaria imenso de ouvir a SUA opinião, comentários e experiências pessoais, através do email karlosk.books@gmail.com, no Instagram ou Facebook @karlosk.escritor ou no site www.karlosk.com/contacto.
Bem vindos ao episódio 22 de “Morangos sem Açúcar”, hoje para um tema mais pesado… A invasão da Ucrânia pela Rússia deixou o mundo incrédulo. A prioridade e atenção devem naturalmente estar no sofrimento humano que a guerra provoca na população Ucraniana e que as sanções causam na população Russa. Para além destes efeitos humanos avassaladores, a Guerra na Ucrânia tem também múltiplas consequências políticas e militares, no equilíbrio dos mercados energéticos, nas perspetivas macroeconómicas mundiais e no processo de transição energética. Neste episódio debruçamo-nos sobre estes outros efeitos da guerra.
O mundo assistiu estupefacto à invasão não provocada da Ucrânia pela Rússia. Pela primeira vez desde a segunda guerra mundial, a Europa assiste novamente a uma invasão militar em larga escala no espaço Europeu – houve outros conflitos atrozes neste tempo, mas de natureza diferente, como a guerra civil na ex-Jugoslávia e a anexação da Crimeia.
Continua a haver uma grande incerteza sobre as reais intenções do Presidente Putin nas conversações de paz em curso e vive-se hoje o receio de que a retirada e reagrupamento das tropas russas possa significar a preparação para algo bem mais terrível: armas químicas, nucleares ou um ataque concentrado na região de Donbass.
A guerra é, como todas as guerras, uma tragédia humana incompreensível e ignóbil. Mesmo numa lógica de “realpolitics”, é difícil perceber os argumentos para a invasão – não havia uma ameaça real da Ucrânia para além do vago argumento russo de assegurar a neutralidade e zona de não interferência da NATO, a população ucraniana de etnia russa não era alvo de perseguição, o argumento de proximidade histórica é irrelevante à luz do direito internacional e não é diferente de muitos outros casos (seria o mesmo que Espanha invadir Portugal com o argumento que Portugal foi parte de Espanha por 60 anos no sec. XVII). É difícil perceber o que a Rússia pretende atingir com esta invasão, para além de uma visão megalómana e saudosista de reafirmar o poder Russo, que se viu relegada para 2º plano no xadrez internacional após o fim da guerra fria, perante a ascensão da China.
Talvez por isso, perante essa incompreensão de uma invasão não provocada em solo europeu, a reação das potências mundiais foi relativamente forte e unida, atendendo a que a Ucrânia não é membro da Nato, à dependência energética da Europa face à Rússia, ao cansaço nos EUA de intervenções internacionais após a retirada do Iraque e Afeganistão e à proximidade entre China e Rússia. O Presidente Putin estaria certamente a contar com a inércia do mundo para completar agora o que começou em 2014 com a anexação da Crimeia. Muito possivelmente, a decisão tática e o momento escolhido pelo Presidente Putin foi sustentado em 3 fatores:
- A retirada apressada e trapalhona dos EUA do Afeganistão no Verão passado, que fazia antever um receio do Presidente Biden se envolver noutro conflito externo
- O contexto de aumento de custo da eletricidade e petróleo e baixo nível de reservas de gás natural na Europa no final do Inverno, que deveria aumentar o receio da Europa a hostilizar a Rússia
- A crença na fragilidade e incapacidade de resposta do exército Ucraniano
Ter-se-á enganado nas 3 frentes. Os EUA e Europa conseguiram manter uma voz forte e unida, em parte graças à estratégia americana de ir deixando sair informação sobre as possíveis intenções do Presidente Putin, o que evitou que o mundo fosse apanhado de surpresa. E o povo Ucraniano mostrou extraordinária resiliência, em parte graças à experiência e organização dos grupos de civis que se formaram em 2014 durante a invasão da Crimeia e que nunca de desfizeram.
Além disso, o Presidente Putin terá provavelmente menosprezado um fato crucial: esta é a primeira guerra em direto nas redes sociais, num país com uma boa infraestrutura tecnológica de conexão à internet. O povo Ucraniano pode colocar nas redes sociais as imagens de sofrimento dos refugiados, os hospitais atacados e civis mortos de uma forma muito pessoalizada.
Obviamente, o maior drama da Guerra é para as pessoas da Ucrânia: as mortes, os refugiados que perderam tudo e forçados a recomeçar a sua vida do zero num país estrangeiro e a destruição de infraestruturas de um país que demorará anos a reconstruir. Qual será o destino dos milhares de refugiados obrigados a seguir a rota de saída para a Rússia, onde serão provavelmente tratados por muito tempo como cidadãos de segunda? E é também um drama para as pessoas comuns da Rússia, afetadas pelas duras sansões económicas impostas pelo resto do mundo, independentemente do que poderiam ou não fazer para tirar Putin do poder.
Para além deste drama humano, cuja solução deve ser obviamente a prioridade imediata, a Guerra na Ucrânia tem outras consequências para o mundo que importa considerar.
Desde logo, o que acontecer à Russia e a Putin nesta guerra será um exemplo para outros ditadores por esse mundo fora. A Síria, a Coreia do Norte, o Afeganistão, mesmo a China em relação a Taiwan estão a prestar atenção à forma como o mundo reage à hostilidade Russa e tirarão daí ilações. Também por isso, é fundamental que o mundo se mantenha unido para parar a agressão do Presidente Putin.
Por outro lado, a neutralidade militar da Alemanha deverá finalmente deixar de ser tabu e o contributo alemão para o orçamento de defesa da Nato poder alinhar-se com o de outros países, sobretudo de um país com as competências de engenharia como a Alemanha.
Ainda em termos políticos, a guerra está a intensificar o controlo absoluto e ditatorial na Rússia, com o controlo apertado dos meios de comunicação social, criminalização de disseminação de informação classificada como falsa pelo poder e expulsão dos social media do país. A Rússia está a recuar 70 anos aos tempos da repressão Estalinista.
Uma outra consequência óbvia é no equilíbrio do mercado de petróleo e gás natural. Inevitavelmente, os países Europeus, em particular a Alemanha, vão colocar a diversificação de fontes energéticas como uma prioridade estratégica e reduzindo a dependência da Rússia. As sanções e a recente exigência Russa de pagamento em Rublos dificulta o fluxo de petróleo e gás russo para a Europa. Claro que o petróleo russo pode continuar a chegar ao mercado mundial por via da China, libertando quantidades compradas pela China para outros compradores. A questão é que a logística do petróleo e gás natural é complexa e mudar esses fluxos vai demorar tempo, quer por via de renegociação de contratos de longo prazo quer pela necessidade de alterar as rotas logísticas. Não há menos petróleo no mundo, mas sim, pode haver redução da oferta disponível e aumento de preços, alimentando ainda mais o fenómeno da inflação que já estava em recrudescimento.
O desequilíbrio nos mercados energéticos poderá ser prolongado no tempo por outra via. A necessidade da Europa de diversificar fontes energéticas vai provocar uma fragmentação do mercado mundial de petróleo e gás natural, que nas últimas décadas foi dominado pela Rússia e Arábia Saudita. A busca de volumes em fornecedores alternativos vai reduzir este consenso em torno da liderança da Rússia e Arábia Saudita, o que pelo menos provocará um aumento da volatilidade e incerteza nos mercados energéticos.
Em termos macro-economicos, o risco de estagflação tornou-se ainda maior – ou seja, um período simultâneo de inflação e estagnação. Tínhamos já falado, no episódio 9, do risco de estagflação associado à conjugação de múltiplos efeitos:
- Pressão inflacionista do regresso do consumo pós-pandemia e redução da oferta causado pelas perturbações das cadeias logísticas
- Efeitos recessivos do fim dos estímulos económicos da pandemia e fim da política monetária ultra-expansionista
- Crise imobiliária na China com risco de arrastamento para o sistema financeiro chines e consequentemente sobre a procura chinesa que alimenta nomeadamente as exportações de bens de moda e luxo europeus
- Aumento do preço da energia em parte devido a efeitos de curto prazo (inverno seco na Europa) mas sobretudo dos efeitos de longo prazo da transição energética, em que as empresas produtoras estão a abandonar os combustíveis fosseis a um ritmo mais rápido do que conseguem aumentar a produção de fontes renováveis
A estes fenómenos juntamos agora a disrupção do fornecimento de gás e petróleo russo à Europa, aumentando ainda mais a pressão sobre os preços da energia, e ameaça ao abastecimento de cereais (a Russia e Ucrânia representam mais de ¼ dos fornecimentos de cereais à Europa, que são usados não apenas diretamente para produzir pão e massas, mas também indiretamente na alimentação animal), aumentando a pressão inflacionista sobre os alimentos.
A yield curve das Obrigações do Tesouro norte-americano tem-se achatado e esta semana chegou mesmo a estar invertida, com o yield das OTs a 10 anos abaixo do yield a 2 anos. Isto é usualmente um forte previsor de recessão económica, neste caso associado a subida das taxas de curto prazo impulsionadas pela inflação.
Estaremos de regresso a contexto de inflação perto ou até acima dos 10%? As pessoas com maior exposição a financiamentos a taxa variável podem sofrer um aumento dos juros, não acompanhado numa primeira fase por aumentos equivalentes dos salários. As empresas têm que voltar a incorporar a inflação no seu planeamento, sendo que a maioria dos gestores com menos de 50 anos nunca geriu em contexto de inflação e altas taxas de juro. É preciso recuar até 1993 para encontrar taxas de inflação acima de 5% em Portugal. Em Março de 2022, pela primeira vez em quase 30 anos, a inflação atingiu 5,3% em Portugal e 7,5% na Europa.
Um efeito menos evidente mas potencialmente material é no sistema financeiro internacional. O uso do sistema swift como arma e a apreensão de bens dos oligarcas russos no quadro das sanções criará nas elites de sistemas ditatoriais ou absolutistas a necessidade de se proteger, procurando ativos fora do sistema financeiro controlado pelas autoridades. Isto pode reforçar a ascensão de criptomoedas, como ativos financeiros virtuais cuja posse reside na blockchain e não no sistema informático de um banco.
Outra dimensão das consequências laterais da guerra na Ucrânia é ao nível da transição energética e crise climática.
Desde logo, é extraordinário ver que, ao primeiro sinal de aumento do custo dos combustíveis, os Governos do mundo se esquecem dos compromissos de descarbonização e optam por subsidiar os combustíveis. Após todos os discursos e compromissos na COP26 no final do ano passado, a agenda ambiental deixou decisivamente de estar nas preocupações dos decisores ou dos jornais, apesar de em 2021 o mundo ter voltado novamente a aumentar as emissões de gases efeito estufa. Claro que o preço dos combustíveis tem um efeito material no orçamento das famílias, mas em vez de pôr em causa a estrutura de incentivos para “desmamar” o mundo do petróleo, pode-se apoiar diretamente as famílias, com um cheque direto. Pelo contrário, subsidiar os combustíveis para amortecer a subida de custo é enviar os sinais errados aos agentes económicos em termos de decisões sobre fontes energéticas. Além disso, não há qualquer razão para favorecer os combustíveis, quando a escalada de preços da eletricidade e gás natural no último ano está a causar danos sérios às empresas – porque favorecer a proteção ao consumo de gasolina e gasóleo em vez de apoiar as empresas afetadas pela escalada de custo da energia?
No curto prazo, assistiremos inevitavelmente a substituição de gás natural por fontes mais poluentes para produzir energia, nomeadamente carvão. Pode-se também assistir, por questões estratégicas de autonomia energética, a investimentos de ativação de campos de shale gas que estavam inativos. Um preço do crude acima de 100 USD pode justificar investimentos de exploração de reservas petrolíferas com custo mais elevado. Estes investimentos, uma vez realizados, irão gerar volume de gas e petróleo durante muitos anos e não podem ser revertidos, travando a transição energética.
A prazo, porém, os países Europeus ficaram certamente em pânico com os riscos de depender energeticamente de regimes políticos potencialmente instáveis, como são a maioria das fontes de petróleo e gás. Por isso, assistir-se-á a prazo a um retomar da discussão em torno da energia nuclear e aceleração de investimentos em energias renováveis.
Curiosamente, a eletrificação da economia pode conduzir ao nascimento de novos países âncora do sistema energético mundial como fornecedores das matérias primas necessárias às baterias elétricas: lítio, cobalto, níquel e cobre. Grande parte destes minerais vem da Indonesia, Congo e… Russia. Por exemplo, 2/3 do cobalto mundial vem do Congo. A Tesla investiu recentemente numa mina de níquel na Nova Caledónia, uma das maiores do mundo.
Nesta transição energética, novos equilíbrios geopolíticos surgirão, substituindo os petro-estados por novas potências de matérias primas. Vivemos num contexto de elevada incerteza, com múltiplos fatores políticos, económicos, sociais e tecnológicos em simultâneo. Nos mares turbulentos importa manter a serenidade e olhar para a matriz da realidade com visão de águia, de forma abrangente, para suavizar as ondas individuais e tentar ver as grandes tendências.
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