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Olá e bem-vindos ao meu podcast e blog “Morangos sem Açúcar”, uma série sobre desenvolvimento pessoal, corpo, mente e bem-estar – pessoal e do planeta em que vivemos. O meu nome é Karlos K e gostaria imenso de ouvir a SUA opinião, comentários e experiências pessoais, através do email karlosk.books@gmail.com, no Instagram ou Facebook @karlosk.escritor ou no site www.karlosk.com/contacto.
Como corredor de longa distância, apercebi-me recentemente de um fato curioso. Quando estou relaxado e faço uma corrida mindful, concentrado na respiração e passada, focado no presente, faço uma corrida melhor: mais velocidade e distância com menos Passos por Minuto e menos perceção de esforço, como se saísse naturalmente. Quando estou em stress, preocupado, tenso, faço menos velocidade e mais Passos por Minuto e a corrida é mais penosa. Ou seja, quando em tensão, a esforçar demasiado, tenho que colocar mais esforço para menos resultados!
O que isto significa é muito simples: se queremos que o cavalo selvagem da nossa mente criativa e poderosa possa galopar livre e fazer coisas extraordinárias, temos que saber libertar-nos do arnês pesado do excesso de trabalho quotidiano ou da dúvida, do medo e das pessoas tóxicas com que tentamos (e nos tentam) domesticar.
Recursos:
- Do Nothing – Celeste Headlee
A obsessão com a eficiência e produtividade é relativamente recente na história da humanidade. Durante milénios, homens e mulheres viviam a trabalhar não mais de 5-6h por dia, para encontrar comida ou executar a sua arte. O resto do tempo era passado a socializar, a brincar e a relaxar. À medida que criamos invenções que nos aliviam dos trabalhos quotidianos, da máquina de lavar aos computadores, o tempo tornou-se mais valioso – literalmente, tempo é dinheiro!
A tecnologia permitiu reduzir brutalmente o tempo improdutivo dos trabalhos domésticos ou de movimentação, permitindo substituir essas horas improdutivas por mais horas produtivas, aumentando as horas em que a mente e corpo dedicam a trabalho produtivo. Mesmo no tempo de descanso, já não precisamos de estar aborrecidos sem fazer nada, a contemplar o nosso umbigo, mas somos bombardeados por diversões externas que competem pela nossa atenção, prometem prazeres fáceis, e nos roubam da capacidade de autocontemplação.
Esta obsessão pela produtividade é facilitada pela tecnologia, mas não é causada pela tecnologia – antes, reflete e amplifica uma cultura de produtividade. O capitalismo e liberalismo económico contribuíram mais para a melhoria das condições de vida materiais de grande parte da humanidade, mais do que qualquer outro sistema social. Só que assentam numa “história”: a crença no self-made man e self-made woman, que através de trabalho e competências consegue afirmar-se e subir socialmente. Essa “história” que permeia os filmes e livros cria um sistema de valores que assenta no trabalho: a felicidade compra-se com riqueza e a riqueza conquista-se com trabalho. E com base nessa história, milhões de pessoas se lançam cada manhã na máquina trituradora, no tapete de corrida em que temos que continuar a correr para não sair do sítio.
Nesta cultura de produtividade, não fazer nada gera ansiedade social, medo de falhar ou de ser percebido como preguiçoso.
Esta cultura de produtividade entra em todas as áreas da nossa vida, transbordando do trabalho para a vida pessoal – ou seja, a obsessão com o tempo produtivo contamina o tempo de descanso, que deixou de ser horas vazias e aborrecidas para estar preenchido com atividades: mais uma aula de aeróbica, aulas de mandarim, fazer pão caseiro, passar horas a espera para entrar no restaurante da moda… O tempo de descanso deixou de ser tempo de não fazer nada, para ser uma competição para ver quem faz mais coisas.
A obsessão pela produtividade está na base do aumento exponencial de ansiedade e depressão no mundo contemporâneo. O sentimento de isolamento social duplicou nos últimos 20 anos. A taxa de suicídio entre teenagers nos EUA está a aumentar desde 2010. Como é possível sentirmo-nos isolados num mundo mais conectado do que nunca?
A questão é que podemos ter passado o “ponto ótimo”. Porque é que somos tão produtivos e eficientes e, no entanto, nunca houve tanta ansiedade, stress, insónia e desconexão? Na verdade, o foco na produtividade pode ser um foco em fazer mais coisas, mas não necessariamente as coisas relevantes ou com impacto. Segundo dados da OCDE, a Grécia é o país da Europa onde se trabalha mais horas, e no entanto está em número 24 de produtividade…
Não sou contra o trabalho! Pelo contrário… construi uma vida excelente à custa de muito suor. Na minha carreira, já fiz muitas semanas de mais de 100 horas e continuo a fazer 60 horas por semana ou mais. A impaciência é inerente ao ser humano. O Homo Sapiens existe há menos de 300.000 anos… comparem isso com os 66 milhões de anos que os dinossauros dominaram o planeta. E no entanto, em tão pouco tempo, o homo sapiens fez tanto! Isso é reflexo da inquietude e impaciência humana – a nossa mente é literalmente uma fábrica de ideias e possibilidades que depois transformamos em realidades!
Esta inquietação é única da espécie humana e traduz um mecanismo biológico evolutivo extraordinário. O ser humano tem uma consciência única do que se passa à sua volta. Só que essa consciência poderia tornar-se um problema sério em face de desgraças, secas, pragas, guerras. Por isso, a mente humana desenvolveu uma grande plasticidade, capacidade adaptativa, ou seja, a tendência de ajustar rapidamente as expectativas e emoções ao estado do mundo. Podem acontecer coisas terríveis, que a mente humana normalmente consegue ajustar-se e regressar ao mesmo estado emocional anterior a esses eventos terríveis. Isso confere enorme resiliência perante as dificuldades. O problema é que a plasticidade funciona para os dois lados: protege a sanidade mental quando acontecem coisas terríveis, mas também rapidamente incorpora e elimina a felicidade de coisas boas, levando sempre a estado emocional “base”. Por isso, o hedonismo precisa de ser continuamente alimentado com novos prazeres. O chocolate de ontem não dá prazer hoje. A vitória ou promoção de ontem já não são suficientes hoje.
Se a mente é insaciável, a solução para reduzir a inquietude mental é uma existência ascética de renúncia a todos os prazeres, aceitando a inevitabilidade de que tudo (dor e prazer) é passageiro. Essa é a abordagem de algumas religiões, em particular budismo e hinduísmo.
Confesso que prefiro aceitar os altos e baixos, a montanha russa das emoções da vida, ter uma existência interventiva no mundo em vez de passiva. Mas há uma sabedoria naquelas abordagens contemplativas de que as nossas mentes inquietas podem beneficiar: a consciência de que felicidade e tristeza são apenas emoções, passageiras, e desenvolver um certo afastamento saudável e consciente em relação às tempestades e sobe-desce da vida, ganhando mais resiliência e serenidade.
Não fazer nada, re-encontrar um espaço para preguiça improdutiva, auto-reflexão e sonhos, não significa abdicar do mundo ou deixar de ser competitivo e produtivo. Pelo contrário… podemos trabalhar 40 horas por semana e nunca ter a mente sossegada porque estamos amatrrados a empregos ou relações pessoais que estão contra a nossa natureza. Ou podemos trabalhar 100 horas por semana e sentir-nos a voar, livres e e harmonia com a nossa essência. Se já está no segundo caso, ótimo! Continue e faça coisas extraordinárias.
A questão é quando, por qq razão, perdemos esse “toque mágico”. Isso acontece a todas as pessoas, mesmo as mais bem-sucedidas. Na verdade, esses momentos de dúvida são momentos de auto-reflexão e crescimento. Nessas fases de deserto emocional, devemos ter a coragem de auto-análise, de parar para recuperar energias ou sarar as feridas físicas e emocionais. Não fazer nada significa ter a coragem de parar para reconectar com o que nos faz vibrar. Só que isso é um processo que exige tempo, não pode ser apressado do tipo “50 minutos com o psicólogo para reencontrar a verdadeira natureza”. É um processo muito individual, isolado. Nas fases em que nos sentimos “desconectados”, a tentação é fazer mais do mesmo, colocar mais horas, mais esforço – só que isso só cava ainda mais o buraco. Nessas fases, é preciso saber dar um passo lateral, fazer menos para reencontrar as energias e propósito para fazer mais.
Excelência e Preguiça são quase dois lados da mesma moeda. A mediocridade esforçada e trabalhosa segue sempre em frente, como um burro com palas que se limita a continuar a puxar a carroça, com estabilidade e monotonia. A excelência e genialidade tem altos e baixos, e só se aceitarmos os pontos baixos é que podemos ambicionar aos pontos altos. Os grandes desportistas, artistas, empreendedores são sempre obsessivos – porque têm um propósito em que acreditam com toda a sua alma, estão conectados à sua natureza. É daí que vem a paixão para criar magia no mundo.
Se nos concentrarmos no resultado final, acabamos por perder a magia do processo. A maioria das pessoas e empresas tenta forçar produtos e serviços medíocres ao mundo, vender-se com o seu esforço ou com truques de marketing pessoal e empresarial. Em vez de vender esforço, se nos concentrarmos em oferecer magia ao mundo, as coisas acontecem com naturalidade. Já estiverem em Florença, perto da estátua de David, de Michelangelo? O David não é uma obra de esforço, de horas, é uma obra de amor, de paixão obsessiva.
Na verdade, é extraordinário quando conseguimos dedicar a nossa vida a fazer algo que nos apaixona, em que tudo flui com naturalidade. O que acontece, porém, é que quando temos preguiça ou azar ou receio de procurar essa paixão, acabamos por tentar simular o esforço obsessivo da genialidade – disfarçar o descontentamento com mais esforço e horas, porque essa obsessão pode ser mascarada como intensidade e paixão. E na verdade, ninguém, a não ser nós próprios, consegue distinguir a diferença! E ao compensar a falta de paixão com mais horas, acabamos por reduzir ainda mais a energia e oportunidade de auto-reflexão, essencial para encontrar e dar corpo a essa paixão.
Portanto, para atingir os picos das montanhas altas da satisfação pessoal temos que aceitar os vales da dúvida e auto-reflexão. Para continuar a crescer e libertar todo o potencial, temos que saber quando parar e não fazer nada. Alcançar o nosso máximo potencial pode não significar acrescentar mais esforço, mas a solução contra-intuitiva pode ser exatamente o oposto – sair do tapete rolante, dar espaço para crescimento e auto-reflexão, e ter coragem de procurar o que amamos.
Temos que deixar de nos tratar como máquinas que podem ser otimizadas e forçadas a correr ininterruptamente. Aliás, o desenvolvimento do poder computacional só torna ainda mais importante a criatividade e capacidade de sonhar novas possibilidades – e criar magia naquilo que fazemos.
Uma vida saudável e equilibrada passa por um balanço difícil entre lutar por melhorar e apreciar o que já atingimos. Bom descanso e bons sonhos!
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