Morangos sem Açúcar: (16) Felicidade e Sucesso – contradição e complementaridade

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Olá e bem-vindos ao meu podcast e blog “Morangos sem Açúcar”, uma série sobre desenvolvimento pessoal, corpo, mente e bem-estar – pessoal e do planeta em que vivemos. O meu nome é Karlos K e gostaria imenso de ouvir a SUA opinião, comentários e experiências pessoais, através do email karlosk.books@gmail.com, no Instagram ou Facebook @karlosk.escritor ou no site www.karlosk.com/contacto.  

Conseguir alcançar em simultâneo Sucesso e Felicidade é uma aspiração quase universal. São dois objetivos base dos quais derivam muitos outros objetivos. Mas, em geral, contraditórios. Este episódio debruça-se sobre a forma de resolver essa contradição latente entre Felicidade e Sucesso e encontrar uma via de os tornar complementares, em que não precisamos de abdicar da nossa competitividade e força e bem estar material e profissional para conseguir alcançar o “zen”.

Normalmente equacionamos o Sucesso com bem-estar material, ou seja, capacidade para ter os objetos que desejamos, enquanto a Felicidade é percecionada como bem-estar psicológico, ou seja, encontrar um sentido de paz e apreciação interior. De certo modo, sucesso é entendido como “ter aquilo que se quer” e felicidade “querer aquilo que se tem”.

Na verdade, o Sucesso tem tanto de material como de psicológico, em termos de realização pessoal e sentido de valor próprio. Do mesmo modo, a Felicidade não é estritamente psicológica ou individual, mas traduz a forma como nos relacionamos com o mundo e as pessoas à nossa volta – a paz interior não é estática e isolada, mas resulta de um equilíbrio com os outros e o mundo. A tendência de materializar a felicidade, ou seja, torná-la relativa e dependente do sucesso, pode precisamente afastar-nos dessa apreciação e equilíbrio com o mundo e os outros. 

A maioria dos gurus de auto-ajuda ou livros de desenvolvimento pessoal dividem-se em duas categorias: de um lado, os livros técnicos de afirmação pessoal, de poder, de sucesso profissional ou atlético, que nos tentam impingir o que devemos ambicionar; e do outro lado, os livros mais espirituais de meditação, aceitação e contentamento que nos dizem para largar aquelas ambições. Com tantos vídeos no Youtube ou podcasts com fórmulas para fazer de cada um de nós o novo super-herói, é natural que acabemos… confusos, perdidos e impotentes. Este excesso de ruído cria dois efeitos negativos.

Por um lado, cria a ilusão de que “devia ser fácil” conseguir aquela promoção ou perder 10kg ou gerir o stress, aumentando ainda mais a ansiedade por não conseguirmos gerir em simultâneo todas as exigências que nos auto-impomos. Os livros com “receitas” para o sucesso ou felicidade são uma fonte natural de angústia – se os outros conseguem, porque é que eu não consigo? Se a receita do livro não resulta comigo, deve haver algo errado – sou estúpida ou sem força de vontade ou incompetente.

Por outro lado, cria um conflito permanente entre objetivos aparentemente incompatíveis de sucesso e felicidade, como se estivéssemos numa luta perpetua entre atear um fogo e apagá-lo, só para o atear de novo logo depois. 

Ora, o primeiro passo é reconhecer que esse ruído é isso mesmo… ruído. Excesso de informação, no meio da qual cada um de nós tem que escrever as suas próprias regras.

A incompatibilidade aparente entre Sucesso e Felicidade é que existem em tempos diferentes.

Felicidade é presente, existir com consciência plena no momento atual e apreciar em plenitude o “agora”. Só no tempo presente, com plena consciência, posso encontrar equilíbrio comigo, com os outros e com o mundo. Sempre que a mente deambula para um futuro, que é diferente do presente, percebe os riscos e dificuldades inerentes a esse futuro que visualizamos, e essa diferença gera ansiedade, desequilíbrio, stress.

Pelo contrário, Sucesso é Passado e Futuro. A mente humana é mais do que tudo uma criadora de narrativas sobre o passado e uma inventora de possibilidades para o futuro. Em termos de sucesso, o presente não existe, é apenas uma passagem entre os sucessos ou fracassos passados e a ambição ou medos do futuro.

Alan Watts, que popularizou o conceito de Mindfulness no Ocidente, exprime bem esta contradição: a raíz das frustrações e ansiedades humanas é a tendência de viver para o futuro, que é uma abstração. A forma de sair do presente para o futuro é abandonar o corpo e procurar refúgio na mente – um caldeirão em permanente ebulição de calculismo, auto-critica, projeções, ansiedades, julgamentos e meta-experiências acerca da experiência do real.   

Nesta incompatibilidade de tempos reside a contradição aparentemente inultrapassável entre Sucesso e Felicidade. Mas então, estamos condenados a viver permanentemente nesta dicotomia, na angústia e luta interior entre passado, presente e futuro?

Não posso dizer que tenha conseguido resolver definitivamente esta dicotomia, mas espero estar no caminho certo. Ou pelo menos, aceitei o desafio de tentar essa reconciliação entre Sucesso e Felicidade. Não tenho respostas definitivas, mas posso partilhar experiências e ideias que podem ajudar nesse processo.

Em primeiro lugar, sugiro deitar fora os gurus, as receitas fáceis, as soluções lineares que ignoram a extrema complexidade da mente humana. O primeiro passo para reconciliar as contradições no nosso espírito é não as negar, não tentar bloqueá-las, mas aceitá-las como parte de nós. Aceitar os fantasmas, as vozes na cabeça. São essas vozes que nos impulsionam para a frente. São essas vozes que nos permitem passar do bom ao excecional, da imitação ao único. As mesmas vozes interiores que nos levam a fazer uma obra de arte ou correr uns segundos mais rápido ou colocar pessoas na lua, são as mesmas vozes que nos levam a ver os emails obsessivamente antes de dormir ou stressar convulsivamente com o prazo apertado ou reagir negativamente ao colega de equipa que não faz a sua parte – não podemos querer as vozes para umas coisas, mas não para outras. Calar essas vozes obsessivas é viver sedado e abdicar da grandeza que existe em cada pessoa.

O segredo, difícil certamente, é desenvolver uma relação saudável com esses pensamentos, essas vozes: um espírito divertido, quase brincalhão, que permite distinguir quando é produtivo dar luz verde a essas vozes obsessivas, e quando é tempo de parar para descansar ou estar com amigos ou dormir. Essas vozes obsessivas que nos conduzem ao Sucesso, a lutar por futuros maiores, são as mesmas que podem tornar-se um obstáculo à Felicidade no presente ou mesmo conduzir a estados de burn-out e depressão.

Na verdade, Felicidade e Sucesso estão intimamente ligados, são duas faces da mesma moeda. Felicidade implica um sentido de valor próprio e apreciação do nosso papel no mundo, o que implica algum nível de Sucesso naquilo que decidimos fazer ou que consideramos importante. Do mesmo modo, só poderemos sentir verdadeiramente Sucesso quando atingimos satisfação com as conquistas… caso contrário, o Sucesso é sempre elusivo, algo no futuro para o qual temos que lutar incessantemente. Subir a montanha, desde que se tenha as competências e instrumentos certos, é divertido, mobilizador, foca a mente no desafio e impulsiona para a frente – um desafio que aceitamos é a melhor forma de conseguirmos estar totalmente Presentes no presente. A questão é lidar com o momento depois de chegar ao pico da montanha, apreciar aquilo que conquistamos, sentir verdadeiramente o sucesso das conquistas e aguardar serenamente o próximo desafio.

O segredo é ser capaz de equilibrar no nosso espírito a felicidade, apreciação e serenidade do momento presente com a vontade de construir novos futuros. Perceber que não há uma meta definitiva para o caminho, um estádio final de plenitude. Aceitar que o mundo não para – e por isso, em vez de fazer depender a felicidade de sucessivas metas futuras, podemos aceitar que a nossa ação é um processo em permanente fluxo. A Felicidade não é um estado permanente e final, imutável e passivo, mas um pensar e agir evolutivo. Uma rede que nos liga aos outros e ao mundo e por isso nunca é estática, mas onde podemos ver para além do ruído e espuma do quotidiano. Podemos apreciar o mar calmo, mas o verdadeiro marinheiro tem igual prazer a velejar nas tempestades.

Se a Felicidade e Sucesso não são estádios finais e definitivos, mas um fluxo constante da experiência coletiva de existir, então esses sentimentos são por natureza passageiros e temos que desenvolver uma consciência para perceber como esses pensamentos e sentimentos mudam. Não podemos controlar a mente com a mente, não podemos afastar pensamentos negativos só porque sim… mas podemos desenvolver maior consciência do que se passa na nossa mente e perceber que os pensamentos e sentimentos são apenas isso – não somos nós, não nos definem, e portanto não somos prisioneiros desses sentimentos.

Se fizermos depender a Felicidade do Sucesso, ou seja, de atingir algo no futuro, estaremos sempre a correr de meta em meta, sem nunca atingir essa Felicidade.

Os gurus e os livros de desenvolvimento pessoal tendem a colocar-se num destes dois extremos: os orientados para o modo “Fazer” (como ser mais produtivo, mais eficaz, ter mais sucesso); e os voltados para o modo “Ser”(como atingir a paz espiritual, numa filosofia de contentamento e apreciação passiva, de aceitar o mundo como nos é apresentado e não lutar por nada, por receio de desequilibrar essa pureza espiritual). Ora, a meu ver – com excepção dos ultra materialistas e dos budistas – as pessoas reais não se situam nestes dois extremos, mas num espectro, num continuo entre a primazia do sucesso e a primazia da felicidade espiritual. A maior parte das pessoas quer ambos! 

Como conciliar a luta pelo sucesso, a ambição, o gozo de fazer, com a plenitude da felicidade e satisfação no presente? Curiosamente, Epicuro, um filosofo grego associado ao hedonismo (ou seja, o prazer como caminho para a felicidade), percebeu esta contradição – a busca continua de novos prazeres mantem-nos permanentemente afastados da felicidade. O hedonismo epicurista não consiste numa busca desenfreada por prazeres, mas no domínio do desejo e na moderação. Não devemos sentir-nos culpados por ambicionar mais prazer, mais sucesso, mais dinheiro, mais poder: esses instintos definem quem nós somos, uns mais, outros menos… a questão é reconhecer que a luta quotidiana pelo prazer e sucesso não valem por si próprios, são apenas a forma de exprimir quem somos – e por isso, o prazer ou sucesso não valem por si mesmo, mas apenas na medida em que trazem serenidade de espírito, que nos permitem ter a satisfação de um trabalho bem feito ou uma vida bem vivida. Felicidade depende de contentamento com o presente, no qual se integram com naturalidade as tempestades, fúrias e ambições.

De certo modo, travar as nossas lutas em plenitude, com o melhor combate de que formos capazes, mas sem angústia pelo que devíamos ter feito. Felicidade é um processo de descoberta pessoal, de tirar da frente os pensamentos obsessivos, repetitivos, negativos para descobrir o espaço de calma e segurança que existe dentro de nós, independentemente do ruído do quotidiano.

Não adianta tentar chegar a uma solução permanente e definitiva, para sempre. Não existe. Presença é dar o melhor de nós em cada momento, nas coisas que valorizamos e sabendo que vai sempre haver novos desafios… e teremos que recomeçar.

A reconciliação entre Sucesso e Felicidade não é uma grande ideia imutável ou uma filosofia complexa – é estar Presente nos próximos 5 minutos.

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Morangos sem Açúcar: (15) As bases físicas e mentais do Sucesso, parte III: Poder Interior

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Terminamos hoje a trilogia sobre as bases físicas e mentais do sucesso pessoal e profissional: A capacidade e vontade de converter conhecimento em ação através de crescimento pessoal permite Exercer Poder (episódio 13). A passagem de poder potencial para poder real que permite influenciar os outros e ter sucesso exige também Presença corporal e gestual para Projetar Poder (episódio 14). Por fim, para sustentar ambas, precisamos de um elevado nível de autoconhecimento e autoafirmação para desenvolver efetivo Poder Interior. É o que exploramos no episódio de hoje.

Nos dois episódios anteriores falamos sobre Exercer Poder (crescimento pessoal) e Projetar Poder (presença). São voltados para o exterior: adquirir competências, agir sobre a realidade para a influenciar e projetar poder para influenciar outros. Ambos são a face visível do iceberg do sucesso e poder. Mas a sustentar tudo isso, todas as nossas ações quotidianas, está a gigantesca parte submersa desse iceberg: os nossos valores, crenças e aquilo que nos faz vibrar.

A maior parte das pessoas passa a sua vida apenas com uma visão difusa desses valores profundos, lutando com atos e palavras, mas sem tirar partido desta enorme fonte de força e confiança. Por isso, o terceiro pilar do Sucesso é a Auto-afirmação, tanto numa vertente de auto-conhecimento como de Auto-proteção.

Auto-afirmação é muitas vezes confundida com truques baratos de auto-ajuda, do tipo olhar-se no espelho de manhã e repetir “sou o maior” ou “hoje vou ganhar”. Estas afirmações são superficiais e raramente resultam – pelo contrário, quanto mais nos tentamos auto-convencer disto ou daquilo, forçando a mente, mais os pensamentos seguem em sentido contrário, caindo numa espiral de ilusão e critica.

Auto-afirmação é um exercício consciente e honesto de conhecimento pessoal, de descobrir o que nos faz vibrar, os nossos valores e ideias fundamentais, a essência da ideia do Eu. Esta auto analise e perceção do que nos faz vibrar, daquilo q nos mexe e aquilo q nos perturba ou bloqueia, permite criar auto-conhecimento e lidar mais facilmente com essas emoções, perceber quando e porque aparecem. Auto-conhecimento é a melhor forma de encontrar formas de crescimento pessoal e de projetar poder de forma autêntica.

Neste sentido, a auto-afirmação não é uma forma de tentar convencer-me a fazer bem o que não quero, mas a escolher o que quero fazer bem. Travar lutas com significado pessoal, que nos levam a estar crescer e presentes – ou seja, sustentam os outros dois pilares do sucesso e poder. Esta auto-afirmação ajuda-nos a descobrir o Poder Interior.

Há alguns exercícios que podemos fazer neste processo de descoberta: Quais as 3 palavras que melhor a definem enquanto pessoa? Em que situações esteve mais feliz ou teve o melhor desempenho? Em que situações do quotidiano se sente a agir de forma natural, com presença? Quais são as suas principais forças e fraquezas e como as pode explorar? Quais são os seus valores fundamentais – família, trabalho, amigos, conhecimento, criatividade, desporto, religião, ajudar outros…

Conhecer os nossos valores base pode ajudar de formas muito pragmáticas. Antes de entrar numa situação desafiante ou um dia difícil, visualize os seus valores profundos. Não é pensar sobre eles, mas sentir – sentir a razão pela qual faz o que faz e enfrenta as dificuldades. Podemos reduzir a ansiedade se reafirmarmos para nós próprios quais os valores e princípios imutáveis no meio das tempestades diárias. Quando nos sentimos seguros, quando temos estas raízes imutáveis que nos definem, estamos mais à vontade para enfrentar os vendavais com confiança e força.

Portanto, a primeira vertente da auto-afirmação é o auto-conhecimento.

A segunda vertente é auto-proteção, ou seja, preservar o nosso espaço pessoal e os nossos valores (descanso, diversão, saúde, família, amigos, desporto, meditação), evitando burn-out e ansiedade. Só assim podemos manter de forma duradoura um verdadeiro Poder Interior (para mim próprio).

Auto-proteção exige disciplina e confiança, para abandonar o teatro quando já não estamos a desempenhar o nosso papel em vez de ficar a tentar aparecer como figurantes. Prescindir do face time vazio para privilegiar estar presente quando for o meu show time. Isto exige muito auto-conhecimento, sabendo quando é altura de estar a 110% e quando é altura de saltar fora.

Do less to do more (menos esforço, mais impacto). Uma história engraçada sobre uma falha elétrica numa central de alta tensão que abastece uma grande cidade ou uma fábrica. Os engenheiros e equipas de manutenção tentam resolver o problema durante várias horas, sem sucesso. Então, chamam um especialista que analisa a situação, estuda os planos e ao fim de 10 minutos aperta um parafuso… e a eletricidade volta. Agradecido, o chefe da central pergunta o preço, ao que o especialista responde, 10.000 euros. O chefe, escandalizado, comenta, “mas isso é um exagero, esteve aqui menos de 10 minutos! Vai ter que me apresentar uma explicação desagregada e detalhada do preço”. O especialista pega num caderno, escreve e entrega ao chefe da central uma folha com a explicação: “apertar o parafuso, 1 euro. Saber qual o parafuso apertar, 9.999 euros”.

A verdade é que ninguém valoriza os braços, os executantes. Por isso, é importante encontrar as áreas que posso ser reconhecido como líder, competente, especialista e procurar em algumas coisas atingir um verdadeiro efeito “uau”, surpreender com ideia diferente, ir para além das expectativas.  

Mas não preciso de ser o melhor em tudo, surpreender sempre, estar sempre a 110% – é importante evitar burn out que reduz criatividade, energia e motivação. Escolher as batalhas certas e, nessas, surpreender. Nas outras, ser apenas competente basta.

É importante não fazer erros ou ter falhas em áreas relevantes, mas o que faz a diferença não é ser “safe pair of hands”, mas sim surpreender. Em vez de ficar sempre em 2º lugar, apostar em ficar em 1º numa corrida mesmo que isso exija desistir da outra. Para estar Presente e dar o máximo nos momentos de desafio, também tenho que estar Presente e aproveitar de forma consciente os momentos de descanso. Sucesso e bom descanso!

Podem-me enviar sugestões de pessoas para entrevistar para karlosk.books@gmail.com ou no site www.karlosk.com/contacto

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Morangos sem Açúcar: (14) As bases físicas e mentais do Sucesso, parte II: Projetar Poder

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Como discutimos no episódio 13, há muito mais no Sucesso pessoal e profissional para além do esforço, trabalho e competências. Começamos a semana passada a explorar as bases físicas e mentais do sucesso pessoal e profissional, dividido em 3 episódios: Exercer Poder, Projetar Poder e Poder Interior

  1. o primeiro episódio foi sobre Crescimento Pessoal e como converter competências em ação, ou seja, como Exercer Poder (sobre o mundo);
  2. este segundo episódio é sobre Presença e como afirmar o poder sem o exercer, através da voz, expressões e postura corporal, e com isso ganhar influência, ou seja, como Projetar Poder (para as outras pessoas);
  3. o terceiro episódio será sobre Auto-afirmação, Auto-conhecimento e Auto-proteção, travando lutas com significado pessoal, preservando o nosso espaço pessoal e os nossos valores (descanso, diversão, saúde, família, amigos), evitando burn-out e ansiedade, ou seja, proteger um verdadeiro Poder Interior (para mim próprio)

Recursos:

Limitless, Jim Kwik

10% Happier, Dan Harris

Presence, Amy Cuddy

Ted Talks “Fake it until you become it”: https://www.ted.com/talks/amy_cuddy_your_body_language_may_shape_who_you_are?language=pt

Os líderes projetam poder. Não se trata de ter poder para depois o projetar, mas projetar poder em cada fase das nossas vidas pessoais e profissionais, independentemente de o ter de facto. Poder não é necessariamente hierárquico – é mostrar confiança, estar em controlo da situação, calma e uma determinação positiva para resolver problemas e avançar. Mesmo que interiormente estejamos a debater-nos com duvidas e medos, podemos melhorar globalmente a forma de enfrentar as dificuldades através de uma postura corporal expansiva, gestos e expressões calmas e confiantes.

No episódio anterior, vimos como é importante reunir competências, conhecimentos e “dar as horas” para nos prepararmos para os desafios. Exercer Poder decorre dessa atitude mental de crescimento pessoal, motivação para atingir os objetivos, métodos ou competências técnicas e vontade de transformar esses conhecimentos em ação – só assim podemos Exercer Poder.

Só que essas competências e capacidades são apenas um “potencial” de poder. Para ter efetivo poder de agir, temos que ser capazes de influenciar outros, convencê-los a confiar em nós. Na verdade, não é apenas aquilo que se diz – a forma como se diz vai determinar a leitura que os outros têm das nossas competências e capacidade de liderar. Para transformar potencial de poder em poder efetivo – e com isso ter sucesso em atingir os propósitos e objetivos definidos – é preciso Projetar Poder através da nossa atitude corporal, expressões e gestos. Vários estudos comportamentais demonstram sem margem de dúvidas que os ouvintes – numa apresentação, numa entrevista de emprego, mesmo em conversas sociais – formam opiniões não apenas com base naquilo que se diz. Ainda mais importante é a forma como se diz. Uma postura fechada, cabisbaixa, mole conduz a uma perceção de timidez, fraqueza e pouca confiança nas competências da pessoa, enquanto que uma postura aberta, expansiva e afirmativa inspira confiança.

Esta postura e presença ajuda-nos a manter uma projeção de poder mesmo quando internamente nos debatemos com dúvidas e fraquezas. Qualquer líder tem dias bons e dias maus, momentos de confiança e de fraqueza. Mas o sucesso é uma maratona, em que temos que ser excelentes em alguns momentos, mas não 100% do tempo – por vezes só é mesmo preciso apertar os dentes e continuar a correr, a fazer aquilo que temos que fazer, e projetar uma imagem de força mesmo que nem sempre corresponda ao que sentimos. Numa maratona não interessa que a mente por vezes queira desistir, desde que as pernas continuem a correr, um passo a seguir ao outro, tack, tack, tack. Isto significa focar no presente, no que tem que ser feito.

Amy Cuddy, psicossocióloga e professora da Harvard Business School, tem estudado como o comportamento não verbal influencia as pessoas. Numa análise de 185 apresentações de empreendedores a investidores de venture capital, o maior indicador de quais os empreendedores que recebem o financiamento não é o conteúdo da apresentação, mas os traços comportamentais: confiança, conforto e entusiasmo. Porquê? Porque os investidores, além da ideia propriamente dita, procuram empreendedores com a força e convicção para a implementar. A linguagem não verbal funciona como um indicador do compromisso, entusiasmo e quanto acredita de facto na ideia.    

Já agora, recomendo vivamente que vejam no Youtube a Ted Talk 2012 de Amy Cuddy, a segunda Ted Talk mais vista de sempre, sobre como a nossa linguagem corporal modela quem somos. Coloco o link nas Notas deste episódio.

Não se trata de “julgar as aparências”. Na verdade, é importante recolher informação de todas as fontes, e não apenas do que a outra pessoa diz. Em inquéritos sobre liderança, o que diferencia as pessoas classificadas como melhores líderes são características essencialmente ligadas à confiabilidade (comunicação, empatia, motivação) e não às competências técnicas. Quando interagimos com alguém, os nossos cérebros primatas estão antes de mais a avaliar se podemos confiar naquela pessoa, muito para além das suas competências técnicas.

Exercer Poder é sobre a capacidade e vontade de converter conhecimentos em ação. Projetar Poder é sobre inspirar confiabilidade, e por essa via influenciar os outros. O Sucesso em alcançar os nossos objetivos exige ambos.

Isto significa que, para além das competências e vontade, o sucesso exige desde o primeiro momento estar atento a esta postura corporal e gestual. Representar um papel de líder até se tornar um líder. Não podemos esperar até ter poder para começar a agir e projetar poder.

A forma como a postura corporal e gestos influenciam o poder e confiança é dupla:

  • Influencia a perceção que os outros têm de nós
  • Mas igualmente influencia a perceção que temos de nós próprios, e isso influencia a nossa atitude mental. Está demonstrado que a relação mente-corpo é bidirecional. Por exemplo, se colocarmos grupos de pessoas durante 2 minutos a fazer poses de poder (peito aberto, braços abertos, postura ereta, cabeça erguida) vs poses de fracasso (cabeça cabisbaixa, corpo mole) e depois pedirmos para avaliar fotografias de diversas cenas, o primeiro grupo dá respostas muito mais positivas, afirmativas e otimistas do que o segundo. O gesto de vitória (abrir os braços, levantar a cabeça) é universal e instintivo, mesmo cegos que nunca viram esse gesto o adotam.

Esta ligação entre poses de poder (Projetar Poder) e poder efetivo (Exercer Poder) é bidirecional. Em experiências do tipo “perdidos na selva”, as pessoas com maior expansividade e confiança tendem a ser escolhidos como líderes. Mas o que é mais curioso é que se o líder for imposto de fora ou pré-designado, mesmo as pessoas mais tímidas e introvertidas, quando são colocadas em posições de poder, começam a mostrar comportamentos e posturas de poder. Ou seja, ter poder leva a projetar poder e projetar poder leva a ter poder.

A relação bidirecional corpo-mente não é apenas uma “perceção”, mas muito real e influencia coisas tão concretas como os níveis de testosterona e cortisol no corpo. Os líderes tendem a ter níveis mais altos de testosterona, uma hormona associada a agressividade e vontade de poder, e níveis menores de cortisol, um neurotransmissor associado ao stress e ansiedade. Ou seja, os líderes tendem a mostrar sinais de força e domínio e menos sinais de receio – o que é crucial para lidar com o perigo ou a incerteza. O que é mais curioso é que após alguns dias ou semanas em posições de poder, os níveis de testosterona tendem a aumentar e de cortisol a diminuir: quando uma pessoa tem poder, tende a sentir-se em controlo e isso reduz o stress e aumenta a assertividade.  

Para Projetar Poder é preciso conseguir estar Presente. E a boa notícia é que, através de pequenos truques, ajustamento da postura corporal, assumir poses de poder antes e durante os momentos importantes, podemos de facto influenciar a nossa forma de estar Presente.

Assim, antes de uma reunião importante, pare uns minutos para respirar fundo, abrir o peito e levantar os braços em posição de vitória. E durante a reunião, lembre-se de manter uma posição erguida, aberta, forte – mesmo que não diga nada. Quando entrar numa sala de networking, levante a cabeça como se quisesse tocar no teto e mantenha os pés bem firmes, em equilíbrio, sem se encostar a uma parede ou coluna.

O sentimento de impotência consome toda a nossa energia e motivação, contamina de negatividade aquilo em que acreditamos, sabemos e sentimos. Torna-nos invisíveis. Quando nos sentimos impotentes, queremos ser invisíveis e acabamos por adotar posturas corporais em que literalmente nos tentamos “enfiar no buraco”.

Mas cuidado… não exagere! O cérebro humano é extraordinário a detetar falsificação, afastando tudo o que parece excessivo como um sinal de manipulação. Afinal, avaliar a confiabilidade da pessoa com quem interagimos é uma competência de sobrevivência crucial no processo evolutivo. É relativamente fácil controlar as palavras, mas muito mais difícil controlar as expressões faciais ou gestos. Quando estamos de facto confiantes e entusiasmados, a amplitude de timbre de voz e movimentos é muito maior.

Podemos e devemos não ter medo de exprimir as nossas convicções, estar presente com força e confiança, mas não vale a pena tentar ser o que não somos ou adotar frases feitas – agir em função do que achamos que os outros esperam de nós apenas leva a perdermos mais tempo a gerir conflitos entre o que somos e o que achamos que devíamos ser, em vez de estar 100% Presentes a dar o melhor. Afinal, uma fotocópia nunca é tão boa como o original.

Então, o que é esta postura corporal de Projetar Poder, para evitar que seja uma mera representação e falsificação? Voltamos ao conceito de Presença: estar totalmente envolvidos no momento presente, trazendo o nosso melhor para aquilo que decidimos fazer em cada momento. É difícil definir Presença, nesta perspetiva de Projetar Poder, mas podemos definir o que não é:

  • Não é tentar adivinhar o que os outros esperam de nós ou ser a fotocópia de uma imagem idealizada
  • Não é perder-nos em sentimentos de impotência e tentar ficar invisíveis
  • Não é stressar ou render à angústia e ansiedade do que possa ser o resultado final
  • Não é ficar preso num loop de pensamentos sobre o que devíamos ter feito 5 minutos antes ou o que gostaríamos de fazer 5 minutos depois

Estas preocupações criam um cocktail tóxico de derrotismo. A Presença que permite Projetar Poder de forma natural e convincente é baseada na confiança e entusiasmo em vez de receio e ansiedade.

Um outro mito sobre Projetar Poder é que só os extrovertidos o conseguem. Não é verdade. Projetar Poder resulta de estar Presente e isso não tem nada a ver com extroversão. Pelo contrário, num mundo tão repleto de ruído e opiniões, os introvertidos podem ter muitas qualidades que beneficiam a liderança: capacidade de permanecer focados por longos períodos de tempo, maior imunidade a distorções de perceção ou ideias pre-concebidas, menor dependência de aprovação externa e maior capacidade para observar, ouvir e sintetizar.   

Presença não se conquista de forma definitiva. Há sempre novos desafios, novos papéis, novas situações desconfortáveis. Não adianta tentar resolver os problemas para sempre e parar o mundo… Os desafios enfrentam-se em cada momento, no presente. A Presença é um exercício constante e permanente de projetar poder. De mostrar confiança sem arrogância.

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Morangos sem Açúcar: (13) As bases físicas e mentais do Sucesso, parte I: Exercer Poder

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Aprendi desde cedo o velho adagio de que Sucesso é 99% suor e 1% inspiração (ou sorte). Mas a minha carreira profissional mostra que esse princípio moral está… errado. Há muito mais para além do esforço, trabalho e competências para atingir o sucesso pessoal e profissional. Vamos então explorar as bases físicas e mentais do sucesso pessoal e profissional, dividido em 3 episódios: Exercer Poder, Projetar Poder e Poder Interior:

  1. o primeiro episódio sobre Crescimento Pessoal e como converter competências em ação, ou seja, como Exercer Poder (sobre o mundo);
  2. o segundo episódio sobre Presença e como afirmar o poder sem o exercer, através da voz, expressões e postura corporal, e com isso ganhar influência, ou seja, como Projetar Poder (para as outras pessoas);
  3. o terceiro episódio        sobre Auto-afirmação, Auto-conhecimento e Auto-proteção, travando lutas com significado pessoal, preservando o nosso espaço pessoal e os nossos valores (descanso, diversão, saúde, família, amigos), evitando burn-out e ansiedade, ou seja, proteger um verdadeiro Poder Interior (para mim próprio)

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O primeiro episódio desta trilogia sobre Sucesso centra-se nos princípios de Crescimento Pessoal, ou seja, adquirir conhecimentos e competências. Contudo, acumular conhecimentos não chega para atingir sucesso. É preciso usar esses conhecimentos e competências para agir sobre o mundo, as organizações, os grupos. Na conversão de conhecimentos e competências em ação, estamos a Exercer Poder.

Conhecimento e Ação não existem separadamente. Simplesmente focar na Ação sem ter uma base prévia de conhecimentos e competência é inútil, ou pelo menos ineficiente, exigindo muito mais esforço para conseguir os mesmos resultados. Há muita gente nas organizações que se lança desenfreadamente num frenesim de hiperatividade, disparando emails, telefonemas, planos a 5 anos que mudam a cada 5 dias. O que chamo as “baratas tontas”. Estas pessoas são úteis, porque têm um sentido muito agudo de ação e estão sempre em busca de aprovação, mas como não param para pensar, precisam de ser muito bem enquadradas e orientadas.

Há um momento para reunir informação e adquirir conhecimento (seja técnico seja de conhecimento da realidade). Nesta fase é preferível ouvir, de forma envolvida e presente. Depois há um momento de fazer um plano, reconhecendo que não temos poder absoluto sobre o mundo, a concorrência, o mercado, as pessoas e por isso o plano não é imutável nem sagrado – mas a grande utilidade do plano é permitir ganhar sensibilidade às variáveis chave, perceber o que influencia o resultado, quais a grandes variáveis a que temos que prestar atenção. E por fim, é preciso converter esse conhecimento e plano em Ação.

Muitas vezes confunde-se conhecimento e experiência com anos de serviço. É verdade que quem já viu muitas coisas tem uma perceção intuitiva do que pode correr mal. O cérebro desenvolve modelos mentais que sintetizam as várias experiências passadas, o que pode ser uma mais valia. Mas essa experiência só conta se a pessoa foi capaz de evoluir, de aprender ao longo desse caminho – ou seja, ter uma atitude mental de crescimento pessoal. Ter 20 anos de experiência acumulada por vezes significa apenas 1 ano de experiência repetida 20 vezes…

As Competências e Conhecimento – duro, sistematizado, científico – é muitas vezes minimizado em favor dos “soft skills”. Isso é porque tendemos a ver as competências “duras” como fáceis de obter – basta trabalhar, estudar os livros, produzir os relatórios técnicos. Pois… a questão, como sabemos, é que “basta trabalhar” não é fácil nem comum. Não aparece por magia. Todos sabemos mais ou menos como se faz, com mais ou menos esforço, mas isso não significa que magicamente adquirimos essas competências – e, a meu ver, é por aqui que temos que começar. Não precisam de ser competências académicas no sentido clássico do termo. Estudar direito ou economia faz de nós um entre milhões… mas saber caligrafia japonesa, ou programação quântica ou modelação climática faz de nós únicos.

Este é o poder real, o teu domínio, a tua competência única que não podes admitir que seja questionado. É o que te coloca no jogo, a razão por que alguém te quer na equipa. Não é o que dá sucesso, mas o que permite jogar, como uma pré-qualificação – só ganhas se fores convocado para jogar. Mais do que trabalho, é trabalho relevante, preparação para aquilo que queremos ser. É uma combinação de conhecimento teórico, técnico e experiência prática, um treino para perceber quais as dificuldades e como as superar.

O grande erro é que a maior parte das pessoas acredita que nasceu com um set definido e imutável de capacidades e competências naturais. O Cristiano Ronaldo joga bem futebol, o Bill Gates um nerd informático e o Warren Buffet um investidor visionário. Mas esta abordagem é imensamente redutora, por duas razões:

  1. Treinar reforça as competências, físicas ou mentais. Sempre que fazemos um esforço de compreensão de algo complexo ou de memorização de informações ou de discussão de ideias abstratas, estamos a exercitar os nossos músculos mentais. O cérebro é um musculo, como os bíceps ou os abdominais. Ao contrário da ideia corrente, não temos um número limitado de neurónios e sinapses, mas podemos criar e desenvolver o cérebro com exercício e boas práticas de saúde. Independentemente da predisposição genética, todas as competências expandem com treino e aprendizagem.  
  2. Se não experimentarmos desafios novos e nos esforçarmos em novos domínios, nunca poderemos descobrir em que é que somos mesmo bons. Todos temos competências únicas, simplesmente muitos nunca tiveram a coragem ou a oportunidade de as descobrir

Estas competências podem ser genéricas e de aplicação generalizada, ou muito especificas – e isso é ok. É o que nos faz vibrar, o nerd que há em nós. Por vezes essas competências únicas que nos definem são irrelevantes para o trabalho quotidiano. Isso significa que eventualmente escolheu mal a profissão. Por vezes é mesmo preciso ter a coragem de saltar fora e começar de novo – há muitos casos de sucesso de pessoas que conseguiram reinventar-se a meio da vida. Mas também é verdade que normalmente só são publicitados os casos de sucesso, quando por cada sucesso há muitos outros fracassos. E nunca se sabe quanto ou onde aquilo que sabemos profundamente, a nossa nerdiness, vai ser relevante para o dia a dia. A questão é estar presente e empenhada, trazendo o melhor de si para cada desafio.

É muito fácil perder o foco nesta atitude de crescimento pessoal e ação via competências e conhecimento. Num mundo com uma corrente imparável de informações, exigências sobre o nosso tempo, distrações superficiais e estímulos imediatos, é muito tentador dividir-nos até à exaustão, multi-tasking e substituir a efetiva reflexão ou conhecimento por simplesmente colar as opiniões dos outros. Quando as opiniões são infinitas no Tweeter ou à distância de uma pesquisa no Google, a tentação é substituir as nossas opiniões pela colagem de opiniões dos outros. E com isso, deixamos de exercitar o nosso músculo mais preciso: o nosso cérebro.

O cérebro humano tem 100 biliões de neurónios. Cada neurónio está conectado a 10 mil outros neurónios. A força e número destas ligações depende do uso que lhes damos, do exercício mental. O cérebro gera 70 mil pensamentos por dia – agora, que pensamentos vamos treinar o nosso cérebro a ter? Pensar no que nos apetecia estar a fazer em vez disto? Remoer obsessivamente em pensamentos negativos? Ou treinar os nossos bíceps mentais para ter ideias geniais, criativas, interessantes, que podem influenciar as pessoas e o mundo à nossa volta?

O livro de Jim Kwik, “Limitless”, apresenta um modelo interessante de crescimento pessoal, entendido como dualidade conhecimento/ação: desenvolvimento de novos Conhecimentos e Competências e correspondente tradução em Ação. Vou pedir emprestado este modelo “Limitless” de crescimento pessoal, para explicar o primeiro pilar do Sucesso, ou seja, Exercer Poder.

Este modelo de crescimento pessoal assenta em atitude mental, motivação e método.

O primeiro suporte para Exercer Poder é a Atitude Mental. Reflete os nossos valores, atitudes e pressupostos sobre o que podemos e não podemos fazer. É, provavelmente, o maior obstáculo que colocamos a nós próprios, e pode ser um grande libertador se acreditarmos na capacidade de mudar e influenciar o nosso futuro. Os pais ou grandes treinadores ajudam a descobrir e perceber as nossas forças e fraquezas, apoiam a superar os erros e aplaudem nos sucessos – nós temos que ser os nossos próprios treinadores. Quando ouvir aquelas vozes interiores a entrar numa espiral de dúvida ou ansiedade, pense o que faria um grande treinador e torne essa voz interior o seu próprio personal trainer.

Uma Atitude Mental pode ser simplesmente uma questão de perspetivas. Se estamos nervosos antes de uma grande apresentação, ou um jogador de basket antes de um jogo decisivo ou um artista antes de entrar em palco, é porque nos importamos com o que vamos fazer. É porque isso importa para nós. Portante, em vez de ver essa falta de ar ou borboletas no estômago como stress, vamos vê-los como um sinal de entusiasmo. Não estou stressado e nervoso antes de uma apresentação, estou entusiasmado e “em pulgas” para dar o melhor. Essa simples alteração de perspetiva pode fazer maravilhas para a suto-confiança.

Não adianta tentar convencer-nos racionalmente a ter a “atitude mental certa”, a ser mais confiantes ou otimistas. Aquelas tretas auto motivacionais de olhar para espelho de manha e dizer “vais ganhar”, são falsas e apenas criam uma falsa sensação de poder que se desfaz à primeira dificuldade. Mas podemos treinas a atitude mental, visualizando internamente a sensação de sucesso, confiança, calma e poder. Tirar a confusão do pensamento racional, das ideias pré-feitas do que achamos q devemos ou queremos ser/fazer, para deixar brilhar a força natural q temos. Isso exige grande auto-conhecimento, ou como veremos no terceiro episódio desta série sobre Sucesso, auto-afirmação: precisamos de conhecer profundamente os nossos valores profundos, o que nos faz vibrar, para podermos dedicar-nos a objetivos e propósitos com sentido – se o fizermos, a atitude mental certa aparecerá naturalmente.

A atitude mental de crescimento pessoal leva-nos para áreas que valorizamos, que nos tocam intimamente – que não são necessariamente o que os outros acham que deveríamos fazer ou a imagem que projetamos de nós próprios. Esse processo de auto-conhecimento e auto-afirmação dá trabalho, mas quanto mais abertos estivermos ao que nos faz vibrar, maior probabilidade temos de sucesso.

O segundo segredo é Motivação, que inclui 3 componentes:

  1. Propósito, ou seja, porque é importante para si.  O propósito permite superar o desconforte imediato em nome de um valor superior. Este propósito de longo prazo pode incluir vários Objetivos intermédios. Esses objetivos são cruciais para orientar o percurso… afinal, o vento nunca sopra de feição para quem não sabe para onde quer ir. Não vale a pena saltar continuamente entre objetivos, tem que haver alguma resiliência, mas também não vale a pena ficar preso a causas perdidas: o Propósito é maior do que os Objetivos que definimos, e podemos chegar ao Propósito por diferentes caminhos, pelo que por vezes pode ser preciso rever os Objetivos.
  2. Energia, ou seja, capacidade de dedicar esforço para fazer aquilo que quer. Para isto é preciso tratar bem o nosso corpo e mente, dar o descanso necessário e gerir a energia despendida em cada tarefa. Não precisamos de atacar cada email ou telefonema com 100% da nossa força, é importante guardar energia para o que faz a diferença. Isto também significa guardar tempo para descansar, dormir bem, gerir o stress, alimentação saudável e exercício físico
  3. Passos pequenos e digeríveis até ao objetivo final. Não adianta lançar-se a escalar o Everest, as dificuldades depressa irão sobrepor-se à motivação e acabará por desistir. Saber gerir as etapas e crescer um passo de cada vez, num processo continuo e evolutivo, exige muito auto-conhecimento e auto-confinça. Curiosamente, isto é um circulo virtuoso que se auto-alimenta, à medida que vai conquistando pequenas metas, ganha confiança para metas mais ambiciosas.

O terceiro aspeto de desenvolvimento de competências e transformar competências em Ação é o Processo, ou melhor, adquirir métodos de aprendizagem. Desenvolver modelos para aprender que funcionam e nos ajudam a desenvolver competências. Ao longo da vida, vamos percebendo o que funciona melhor. Sentar a ler e tomar notas, ou falar com um especialista ou praticar e corrigir – das coisas mais importantes é adquirir métodos de aprendizagem e crescimento. Não há uma pastilha para a genialidade, mas há um processo, método e esforço.

Em síntese, temos um modelo de crescimento pessoal assente em atitude mental, motivação (propósito, energia e objetivos digeríveis) e método.

Num mundo assoberbado de informação digital e opiniões, em que o mercado de trabalho evolui de tal forma que a profissões aparentemente seguras vão desaparecer, só há uma coisa a fazer: tomar controlo da nossa aprendizagem e estar aberto a novas experiências e fontes de conhecimento.

Crescimento Pessoal não é ser perfeito, mas sim progredir para além daquilo que hoje somos capazes. A nossa aventura de desenvolvimento pessoal, de adquirir competências e conhecimentos e ter a coragem de as converter em Ação, constitui a base de qualquer forma de Poder e sucesso – seja pessoal ou profissional, como gestor, cientista, artista ou ativista social. Isso requer Propósito, Motivação e Método. Como refere Jim Kwik no livro “Limitless”, “se um ovo for partido do exterior, a vida acaba; se for partido do interior, a vida começa. As coisas grandiosas começam sempre de dentro”.

Este crescimento pessoal é o primeiro pilar da minha visão sobre sucesso: crescer para adquirir conhecimentos e competências e a coragem de as converter em ação sobre o mundo. Isto é Exercer Poder e o primeiro passo para o Sucesso. Os outros dois veremos nos próximos episódios: Presença (projetar poder) e Autoconsciência (poder interior).

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Morangos sem Açúcar: (12) Conversa com o coach Jose Sousa: fitness e nutrição para diferentes estilos de vida e objetivos

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Olá e bem-vindos ao meu podcast e blog “Morangos sem Açúcar”, uma série sobre desenvolvimento pessoal, corpo, mente e bem-estar – pessoal e do planeta em que vivemos. O meu nome é Karlos K e gostaria imenso de ouvir a SUA opinião, comentários e experiências pessoais, através do email karlosk.books@gmail.com, no Instagram ou Facebook @karlosk.escritor ou no site www.karlosk.com/contacto.  

O episódio de hoje tem um formato diferente do usual. É uma conversa com o coach José Sousa, um dos fundadores do N14 Crossfit, para discutir o fitness e nutrição sem tabus: ciclos de treino, os melhores desportos para diferentes pessoas e objetivos, os preconceitos de desportos “masculinos” e “femininos”, relação entre nutrição e fitness, a importância do descanso, e o papel dos suplementos. O Zé fala da importância de focar no processo em vez dos resultados, e como isso exige confiança nos treinadores e método. E fala também da sua abordagem holística ao fitness: a trilogia treino – nutrição – descanso, a que acrescenta a importâncias das relações e, em casos específicos, o papel dos suplementos.

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Morangos sem Açúcar: (11) Resoluções de Ano Novo II: a mudança é um esforço continuo

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O episódio de hoje é a segunda parte da publicação sobre Resoluções de Ano Novo e como gerir a mudança. A semana passada falamos de obstáculos à mudança e estratégias pragmáticas que podem ajudar a executar aquelas Resoluções de Ano Novo particularmente difíceis. Mas a mudança é difícil e cada conquista meramente provisória, como se o mundo estivesse apenas à espera do primeiro erro para fazer regressar os fantasmas da dúvida. Para evitar cair em poços de derrotismo, importa incorporar desde o início nas estratégias de mudança mecanismos de proteção, como se fossem air bags que evitem que um pequeno acidente de percurso se torne mortal para os nossos objetivos: livre-arbítrio e preparação para o erro. Por fim, a mudança nunca é uma conquista definitiva, mas um processo que se conquista cada dia e exige rejuvenescimento e re-energização dos objetivos e das estratégias.

O primeiro air bag a incorporar em qualquer estratégia de mudança pessoal ou organizacional é o livre-arbitrio. Trata-se na verdade de uma condição prévia para a mudança: todo o esforço de mudança só pode ser bem-sucedido se houver efetiva vontade e intenção de mudar. Se estabelecemos uma meta de ser mais saudáveis ou estar mais tempo com a família, mas isso não é efetivamente importante, ou vem atrás de muitas outras prioridades, a probabilidade de fracasso é muito maior – porque não estamos efetivamente comprometidos em ser bem-sucedidos e podemos até ser tentados a boicotar o sucesso. Do mesmo modo, não faz sentido estabelecer objetivos simultâneos de mudança em muitas coisas ao mesmo tempo – devemos focar a atenção naquilo que efetivamente importa, se é que de facto nos importamos com isso.

Tentar atingir um objetivo por obrigação ou só porque vemos os outros fazer o mesmo, é o caminho mais curto para falhar e abandonar. Há uma experiência de psicologia clínica que penso traduzir de forma extraordinária a relação entre vontade, liberdade e sucesso. Um ratinho obeso é colocado numa gaiola com uma roda de correr. Como os ratinhos gostam de correr, ele faz isso mesmo, corre com prazer, e ao fim de algum tempo de facto perde peso e melhora os seus marcadores de saúde. Entretanto, um outro ratinho igualmente obeso é colocado numa gaiola ao lado, que é uma grande roda de correr ligada à roda da primeira gaiola, de tal forma que sempre que o primeiro ratinho decide livremente ir correr, o segundo ratinho é obrigado a correr. Este estudo foi repetido sucessivas vezes com diferentes grupos. Enquanto que o primeiro ratinho, que tem a liberdade de correr por gosto, regista melhorias de saúde e perda de peso. Mas o segundo ratinho, que tem à disposição exatamente a mesma quantidade de comida e corre exatamente o mesmo, na verdade deteriora a sua saúde e não perde peso… a única diferença é psicológica, o gosto e prazer de fazer o que quer que seja – neste caso, correr – por decisão própria e não por imposição externa. O livre arbítrio e tomar poder e controlo sobre as nossas decisões é o mais poderoso agente de mudança ou de fracasso.

Um segundo “air bag” ou “saída de emergência” que temos que incorporar no plano é deixar espaço para o erro e mecanismos de recuperação do erro. É fundamental reconhecer desde o início que vai haver recaídas e preparar-nos para lidar com elas, saber saltar de volta e retomar o caminho. Não é por falhar uma vez que fica tudo perdido, mas o facto é que temos tendência para este efeito de “perdido por 100, perdido por 1000”. Esta reação é talvez uma forma de autoproteção: reincidir no erro é uma forma de nos autoconvencermos que afinal isso não é muito relevante, ou não nos importamos com isso… Portanto, é crucial estar preparado para errar, saber auto-perdoar esses desvios com bondade, sem autocritica, mas simplesmente regressar ao plano. Isto significa duas coisas:

  1. Incluir espaço para o erro no plano. Incorporar folgas pré-definidas em que nos damos a autorização para uma asneira. Por exemplo, ver Netflix uma vez por semana em vez de ler ou estudar, dar uma calinada na dieta uma vez por mês, permitir 2 faltas ao ginásio por semana…
  2. Celebrar as vitórias e perdoar as derrotas, ignorando o que os outros possam pensar. Mas celebrar mesmo, sentir apreciação por cada cigarro que não fumamos e congratular-nos por aqueles 500 metros extra na corrida. Quando somos crianças, temos (ou devemos ter) duas pessoas a incentivar-nos incondicionalmente, a levantar-nos quando caímos e bater palmas quando damos um passo. As crianças são extraordinárias a aprender coisas novas, a mudar, a experimentar precisamente porque estão dispostas a falhar. O que importa é a coragem de tentar, e de crescer no processo. Nem todos somos atletas olímpicos ou Einsteins ou atrizes de cinema, mas se não tentarmos várias coisas, nunca descobriremos em que é que somos mesmo bons – e isso implica descobrir também coisas em que somos mesmo péssimos.

Um bebé é um génio que em apenas um ano aprende a fazer os complexos cálculos de física necessários para caminhar e noutro ano aprende a falar uma língua nova. Mas passado uns anos, começa o processo de perda de auto-confianca. Enquanto pais, tentamos não criticam os erros dos nossos filhos e aplaudir entusiasticamente o que fazem bem – mas então porque é que não fazemos isso para nós próprios?

O ponto é simples: mudar é difícil. Para mudar, temos que ser os nossos maiores fãs, celeb rfar o que fazemos bem e perdoar o que erramos. Essa é a única forma de aprender e seguir em frente.

Mudar é sempre uma viagem de transformação pessoal para um novo “eu” mais consciente das escolhas. Essa viagem está repleta de armadilhas e tentações. As recaídas e erros são uma inevitabilidade. Há centenas de razões para recair e voltar aos comportamentos anteriores. Uma situação stressante no trabalho, um problema pessoal difícil de resolver, uma discussão com um amigo ou companheiro/a, ansiedade com os filhos, enfim… há caminhos infinitos para “pecar”.

A forma como lidamos com essas recaídas é fundamental. Aliás, a capacidade de aceitar os desvios e regressar ao plano é um instrumento poderoso para reforçar a nossa auto-confiança, dando-nos armas para tomar as opções certas no futuro. Se recaímos no passado e conseguimos corrigir, 1) sentimos que pode custar mais a recuperar do que o prazer temporário daquele pastel de nata, o que nos leva a pensar melhor no futuro e 2) estaremos mais seguros no futuro para conseguir recuperar, em caso de novas recaídas.

A tentação depois de uma escorregadela é pensar que está tudo perdido e transformar um desvio numa sucessão de más escolhas. “Perdido por cem, perdido por mil” definitivamente não se aplica. Aliás, uma escorregadela consciente, com apreciação plena pode e deve ser um momento de satisfação – e não de auto-flagelação. A recriminação retira o prazer ao pecadinho, e aquilo que devia ser um momento de alegria rapidamente se transforma em culpa. A melhor forma de lidar com um erro, é assumi-lo como tal e voltar ao nosso caminho.

O importante nesta fase, quando estamos a começar a nossa viagem de transformação, é desenvolver um sentimento de auto-compaixão. Devemos ser gentis com a nossa mente, apreciar o pecadinho sem nos recriminar-nos, com a certeza que a seguir saberemos compensar e regressar ao caminho certo. Não vale a pena ultra-amplificar e remoer numa escorregadela.

A forma de ignorar sentimentos negativos ou derrotistas não é combatê-los. É impossível combater a mente com a mente. É impossível forçar um pensamento a desaparecer… a não ser substituindo-o por outro pensamento ou uma sensação. Por isso, precisamos de um jogo… conscientemente focar-nos nas experiências positivas, desenvolver conscientemente um sentimento de Apreciação por aquilo que conseguimos alcançar. Quanto mais vezes levarmos a nossa mente para esse espaço positivo, menos tempo a mente vai perder em espaços negativos que nada resolvem. Se for uma pessoa religiosa, pode pensar nisto como o equivalente ao “dar graças”. Na verdade, de forma mais genérica, trata-se de apreciar com consciência o que estamos a fazer – se nos comprometemos a ir mais ao ginásio ou a ler mais ou a fazer dieta, temos que saborear esses momentos, colocando-nos a 100% nesse momento, transformando uma obrigação num ato positivo que escolhi fazer. Esta forma “presente” de estar gera maior auto-satisfação e sentido de conquista.

Por fim, termino estas observações sobre a mudança pessoal e coletiva com uma nota, que pode ser tanto de desânimo como de esperança. A mudança nunca é definitiva. Por isso a probabilidade de fracasso das iniciativas de mudar hábitos e comportamentos é tão elevada: até podemos ter sucesso durantes uns dias ou umas semanas, mas a dificuldade é enraizar esses novos comportamentos. Mudar é um esforço para a vida toda, nunca uma vitória definitiva. É preciso encontrar novas motivações, novos desafios, para nos acompanhar nesse esforço permanente de crescimento pessoal e coletivo. É útil dividir a mudança em etapas digeríveis, mas na verdade nunca chegaremos a um ponto em que podemos baixar a guarda: as tentações, a inércia, o esquecimento estão sempre ao virar da esquina. A chave para a mudança permanente é passar de desafio em desafio, encontrando novos objetivos, de forma a manter “o olho na bola”. O nosso maior adversário no esforço de mudança e melhoria somos nós próprios. Se aceitarmos que a mudança não é um sprint de umas semanas ou meses, mas uma maratona que vai durar a vida toda, podemos desenvolver um sentido de calma e força interior que sabe lidar com os pequenos desvios e retomar o caminho – isto não é resignação ou desistência, mas resistência para uma corrida de longa distância

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Morangos sem Açúcar: (10) Resoluções de Ano Novo I: obstáculos e estratégias para mudar

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Todos os anos, na passagem de 31 de dezembro para 1 de janeiro, milhões de pessoas em todo o mundo fazem um compromisso consigo próprias, um compromisso para mudar: ir mais ao ginásio, deixar de fumar, ser mais afirmativo no trabalho, passar mais tempo com a família, etc, etc… de forma geral, compromissos para fazer de nós pessoas melhores. Contudo, na vasta maioria dos casos, falhamos nestes objetivos pessoais de mudar, repetindo ano após ano estas promessas simplesmente para as falharmos novamente. A questão é: como mudar? Como tirar da frente os obstáculos que nos condenam ao fracasso? A economia comportamental, ou behavioural economics, tem alguns contributos a dar nesta matéria, estratégias práticas que podem aumentar a probabilidade de sucesso no esforço de mudança pessoal.

Não há nada de errado com deliberações de Ano Novo. Este efeito de “um novo começo” ou “folha em branco” é uma oportunidade única de esquecer o passado, perdoar os nossos fracassos anteriores, e recomeçar com nova energia sem o peso do passado. O momento em que as decisões de mudança surgem é crucial: está demonstrado que novas propostas que tendem a exigir mudança são mais facilmente aceites no início ou no fim de uma reunião, à segunda-feira, depois das férias de verão, no início do ano. Todos somos mais propensos a aceitar e procurar a mudança em momentos que surgem como “recomeços”, por uma razão simples – o maior obstáculo à mudança é a sensação que já tentamos e falhamos no passado, e por isso falharemos novamente. Um “folha em branco” elimina os fracassos passados e torna mais provável acreditar no sucesso da mudança.

Mas se estas datas marcantes, como um Novo Ano, podem ser tão poderosas a promover a mudança, então, porque é que tão frequentemente falham? Num estudo de 2007 nos EUA, 1/3 das resoluções de Ano Novo são abandonadas até final de janeiro, e 4/5 falham no total. É fácil tornarmo-nos cínicos. Se tantas resoluções de Ano Novo falham, porque dar ao trabalho? Sim, é difícil mudar e frustrante a proporção de tentativas de mudança falha… mas este cinismo poderia aplicar-se a praticamente tudo o que envolve pessoas com livre-arbítrio. A condição prévia para mudar é decidir mudar. Portanto, se tomou uma decisão de Ano Novo, parabéns! Deu o primeiro passo necessário para o conseguir. Se não participa no jogo, nunca terá oportunidade de marcar – portanto, o primeiro passo é esse mesmo, ter a coragem de aceitar o desafio, sabendo desde já que pode falhar.     

Claro que se já tentou mudar no passado, comprometendo-se com um objetivo, sabe quão difícil é a mudança. E também a vastidão de recomendações e conselhos para fazer isto ou aquilo… pensamento positivo, grupos de apoio, progresso incremental, criação de rotinas realísticas, programar no calendário… enfim, os gurus de autoajuda têm normalmente opiniões para tudo. Afinal, vivem disso, de tentar que as suas opiniões se tornem as opiniões dos outros, ou como se diz agora, se tornem “virais”. Mas, como provavelmente já reparou se já tentou mudar alguma coisa na sua vida, nem todas as técnicas funcionam para todas as pessoas…

Se há uma coisa que a economia comportamental, ou behavioural economics, nos mostrou, é que não há soluções universais. As estratégias para estimular a mudança de comportamentos não saudáveis ou improdutivos – aumentar a poupança, deixar de fumar, promover veículos menos poluentes ou aumentar produtividade de equipa de vendas – tendem a falhar em mais de 70-80% das pessoas. Mas em vez de nos focarmos nos 70-80% que decidiram ficar de fora, devemos focar-nos nos 20-30% de pessoas que adotaram melhores hábitos graças a essas estratégias de promoção da mudança. A questão portanto, não é encontrar quais as estratégias que funcionam… mas sim quais as que funcionam para si! Não há nada de mal se uma estratégia apenas funcionar em 5-10% dos casos, se essa for a estratégia certa para si. Sim, a mudança é difícil. Mas o mais provável é que ainda não tenha encontrado a motivação ou a estratégia adequada para si.

Apresento de seguida algumas conclusões de economia comportamental e psicologia social que podem ajudar a encontrar a sua estratégia para estimular a mudança – pessoal, ou num grupo de amigos, ou na empresa. São uma mistura de experiência pessoal e reflexões baseadas no livro “How to Change”, de Katy Milkman, professora da Wharton Business School.   

Os 6 grandes obstáculos à mudança pessoal ou numa organização são os seguintes:

  1. Impulsividade
  2. Procrastinação
  3. Esquecimento
  4. Preguiça
  5. Confiança
  6. Conformidade

Vejamos cada um destes obstáculos separadamente e algumas estratégias pragmáticas para os ultrapassar.

1. A impulsividade é a tendência para avaliar o prazer “agora” como mais apetecível do que um prazer maior no “futuro”. Isto torna difícil conseguir os objetivos de longo prazo – mesmo que sejam importantes – se isso envolver desconforto no curto prazo – mesmo que seja meramente uma inconveniência. Mais grave, tendemos a sobre-estimar a nossa capacidade de autocontrolo individual, o que nos leva a deixar cair em armadilhas. Compramos um pacote grande de gelado em vez do pacote pequeno porque acreditamos que depois vamos conseguir racionar e desse modo poupar, para na sexta à noite nos apercebemos que comemos o pacote todo de uma vez.

Podemos usar esta impulsividade de forma positiva, tentando convertê-la como um fator promotor da mudança. Uma forma de “dourar a pílula”, juntando coisas que desejamos com o esforço que queremos promover. Por exemplo, descarregar um audiolivro de suspense para o telemóvel e ouvir enquanto estamos no ginásio, ou ter a nossa playlist quando vamos correr, ou permitir um copo de vinho caro com a salada. Fazer bundling de tentações que valorizamos com atividades importantes, mas que evitamos. Do mesmo modo, em vez de tentar negar uma vontade impulsiva, podemos tentar substituir por outra que também valorizamos: não comer o hambúrguer com batatas fritas, mas ver um episódio adicional da série do Netflix. Outra forma de usar esta impulsividade como estratégia de mudança é a gamificação: tornar a mudança um jogo entre amigos (fazer mais km de bicicleta no mês, com apps de partilha como o Strava ou o MapMyRide) ou entre equipas numa empresa (melhor equipa de vendas do mês).    

Outro aspeto importante é reconhecer a tendência para tomar más escolhas no momento imediato, e como tal antecipar essas escolhas. Quando fazemos escolhas sobre algo a acontecer no futuro é muito mais fácil fazer boas escolhas. Por exemplo, entrar no supermercado para escolher o jantar quando estamos cansados depois de um dia fatigante, esfomeados e a necessitar de autoindulgência, seria preciso uma força de vontade férrea para optar pela salada. Por isso, é melhor tomar estas escolhas antecipadamente. Por exemplo, encomendar online sábado à tarde o que vamos ter no frigorifico durante a semana. Ou se vamos a um restaurante com amigos, escolher o prato antecipadamente. Ou se estamos a querer gerir melhor o stress, programar o telemóvel para modo noturno e não incomodar, em vez de acreditar na nossa capacidade de evitar ir ver os emails uns minutos antes de dormir.

2. A impulsividade, ou tendência para valorizar mais o presente do que o futuro, traduz-se muitas vezes noutro obstáculo à mudança: a Procrastinação, o “deixar para amanhã o que podes fazer hoje”. Uma forma de evitar a procrastinação é criar constrangimentos autoimpostos. De certa forma, decidir amarrar-nos às correntes para não ter forma de escapar. Embora de uma forma estritamente racional, é sempre preferível ter mais flexibilidade, quando se trata de pessoas, com os seus desejos e impulsividade, pode ser preferível autoimpor menores graus de liberdade. Por exemplo, automaticamente definir uma conta-poupança que no início de cada mês coloca de lado parte do salário. Outro exemplo é acordar com o parceiro ou um filho ou um colega que tem que pagar 1 euro por cada cigarro ou cada falta no ginásio. Se o seu chefe pedir um trabalho, tome a iniciativa de se comprometer por email com datas para fazer cada tarefa, e exija o mesmo compromisso das pessoas que trabalham consigo. Estas penalidades autoimpostas podem ser instrumentos poderosos de forçar a mudança. Os compromissos públicos são uma forma mais suave de criar constrangimentos: anunciar no Facebook o seu objetivo ou com um grupo de amigos. Na verdade, quanto mais distante e abrangente o grupo, melhor – é sempre fácil desculpar-nos perante bons amigos, mas mais difícil passar pela humilhação de falhar perante conhecidos menos próximos.

3. Por vezes, falhamos os objetivos não por decisões conscientes, ou seja, impulsividade e procrastinação, mas por simples Esquecimento, ou porque a vida se mete no caminho. Se uma coisa é mesmo importante, temos que encontrar tempo. Agendar no calendário e colocar alarmes para nos avisar imediatamente antes da hora que alocamos a essa atividade são estratégias sólidas, sobretudo no mundo tecnológico de hoje em que “se não está no telemóvel, não é importante”. Criar associações, ligando uma atividade quotidiana a outra nova, por exemplo, quando deitar a minha filha, ler um livro por 15 minutos. Planear também tem uma outra vantagem muito importante: ajuda a partir um objetivo grande em vários pequenos. Por exemplo, se acabou de estabelecer o objetivo de correr a maratona a começar do zero, é mais fácil colocar os seus planos de treino no calendário, começando com 3km 3x por semana e 5km ao domingo, e ir subindo a partir daí. Planear reduz a dependência de decisões no momento, que estão mais expostas à intromissão da impulsividade e procrastinação.   

4. A Preguiça é, de forma geral, parte do instinto de sobrevivência e reflete a inércia para preferir o conhecido ao desconhecido, deixando as coisas como estão. Apesar de contra-intuitivo, o progresso resulta da preguiçosa, inventamos carros porque não queremos correr, começamos a agricultura porque não queremos ter a maçada de caçar. Mas a preguiça pode também ser um grande inimigo da mudança. A melhor forma de ultrapassar a preguiça é criar hábitos e rotinas que incorporem esses hábitos que queremos fomentar. As escolhas pré-programadas tiram partido da tendência para não mudar. Por exemplo, quais as apps que tem no telemóvel no primeiro ecrã vs no segundo, ou a página pre-definida do browser ser o email profissional, ou escolher o lugar de estacionamento mais longe das escadas.

Criar uma rotina de exercício físico (de manhã, ao meio dia ou à noite) ou de sono (deitar todos os dias à mesma hora, depois de 20 minutos de televisão ou de leitura) em vez de todos os dias variar, pode colocar os bons hábitos em auto-piloto. Outra forma de ajudar a criação de hábitos e rotinas é fazer tracking, por exemplo, que vendas atingiu no final de cada dia, ou num iwatch seguir o número de passos ou horas de sono. Pode parecer irrelevante porque é “passado”, mas quanto mais consciência ganharmos dos nossos hábitos, maior capacidade temos de os mudar. Pode também encavalitar hábitos novos com outros já existentes, por exemplo, 30 flexões e 30 abdominais antes de tomar o pequeno almoço. Ou se quer começar a meditar, dedicar 10m antes de tomar banho.

Outra forma de criar hábitos, é fazer períodos de repetição, em vez de pontuais: uma semana inteira de ginásio, ou comprometer-se a falar em todas as reuniões semanais com a chefe de equipa.

5. A Confiança está fortemente relacionada com a probabilidade de sucesso na mudança. Confiança traduz uma mentalidade de crescimento, acreditando que as nossas competências e capacidades não são fixas, mas podemos aprender e conquistar coisas novas. Dito de outro modo, confiar na nossa capacidade de perceber a situação, adquirir as competências ou conhecimentos ou tempo necessário e agir, influenciar a situação para o resultado que queremos. Não se trata de uma Confiança cega nos resultados (que pode levar a inércia e esperar que as coisas aconteçam por si), mas confiança no esforço de que somos capazes para atingir esses resultados. Acreditar que o meu esforço influencia o meu sucesso é provavelmente o principal fator de sucesso naquilo que decidimos fazer.

Do mesmo modo, a forma como encaramos os fracassos é muito importante para o sucesso futuro. Uma mentalidade de crescimento encara um fracasso como um ponto de aprendizagem ao longo do caminho, recalibrando os nossos esforços para atingir o sucesso. Pelo contrário, se um fracasso conduz a uma espiral de dúvida e auto-recriminação, a probabilidade é que acabemos por ficar presos no fracasso em vez de andar para a frente. A resiliência é saber lidar com os fracassos e regressar ao caminho. Só falha quem tem a coragem de aceitar novos desafios e sair fora da sua zona de conforto… e faz parte do crescimento pessoal. Por isso é muito importante deixar espaço para o erro, para falhas ao longo do caminho, e preparar o terreno para quando essas falhas inevitavelmente acontecerem. Vamos dedicar mais tempo a este tema no próximo episódio.

Afirmação pessoal, ou seja, conscientemente celebrar e recordar os nossos sucessos, focar naquilo que nos deixa orgulhosos, cria resiliência para enfrentar e ultrapassar dificuldades.    

O que é estranho é que tendemos todos a ter doses elevadas de excesso de confiança relativamente ao comportamento futuro, mas no imediato a nossa ação é muitas vezes condicionada por medos e receio de falhar ou stress de performance. A mente é de facto extraordinariamente complexa, e quanto mais nos conhecermos, melhor podemos lidar com estas ilusões e pensamentos contraditórios. Confiança, dúvida, medo, stress são apenas isso, pensamentos e emoções, e não aquilo que efetivamente somos ou as nossas competências.

Criar grupos de aconselhamento ou de apoio mútuo com pessoas com objetivos comuns pode ajudar a reforçar a confiança e como tal energizar a busca do objetivo mesmo depois de um fracasso. Partilhar experiências, perceber que outros também enfrentam dificuldades, pode despersonalizar e por isso aliviar a forma como enfrentamos as dificuldades ou fracassos. Verbalizar os nossos erros também ajuda a retirar a carga emotiva desses fracassos, vendo-os apenas como aquilo que são: um processo de evolução, e não uma inevitabilidade ou resultado de fraqueza pessoal. Dar conselhos a outros pode também aumentar o sentimento de auto-confiança: se outros pedem o nosso conselho, é porque a nossa experiência tem algo de valioso.  

6. A Conformidade às normas sociais ou comportamentos de grupo pode ser um poderoso obstáculo ou facilitador da mudança. A pressão social relativamente à “forma como se fazem as coisas” pode dificultar a mudança, ostracizando o inovador que tenta quebrar o status quo. Por isso, numa organização, a mudança individual é tão difícil – é preciso alinhar um programa que mobilize toda a equipa a mudar em conjunto, não basta tentar mudar uma pessoa de cada vez. Por outro lado, podemos mobilizar a pressão de grupo para nos ajudar a implementar uma mudança difícil, por exemplo, anunciando publicamente os nossos objetivos. Quanto mais alargada a rede de visibilidade, mais difícil é voltar atrás – em geral, não temos problemas de falhar perante uma grande amiga, mas é mais difícil assumir o fracasso perante uma audiência mais alargada.

Outra forma como podemos usar esta tendência de Conformidade para ajudar a mudança pessoal ou coletiva é criar modelos. Se apreciamos particularmente um líder empresarial, ou um empreendedor, ou um personal trainer, podemos usar uma estratégia de imitação, tornando estas pessoas mentores e modelos que tentamos copiar – isso retira a necessidade de decisões pessoais e consequentemente minimiza efeitos de impulsividade ou preguiça, reduzindo a margem de liberdade para falhar.

A importância das regras implícitas dos nossos grupos de pertença significa que devemos tentar rodear-nos de pessoas positivas, com comportamentos que admiramos. Isso permite reforçar mutuamente os comportamentos.

Conhecendo estes seis obstáculos à mudança, podemos definir estratégias pragmáticas para os ultrapassar. São sempre estratégias pessoais ou adaptadas a cada situação, mas a consciência dos obstáculos mais comuns pode ajudar a definir estratégias que promovam a adoção de novos comportamentos, pessoais ou num grupo ou equipa. Sugiro de seguida algumas ideias, mas que são apenas isso, ideias para promover formas pragmáticas de lidar com a mudança.

Definir metas positivas em vez de negativas: Tornar as escolhas positivas em vez de negativas. Em vez de definir os objetivos pela negativa (não fumar, não comer doces, não deitar tarde), é preferível definir pela positiva, por coisas que queremos fazer: ficar mais saudáveis, fit, elegantes, descansados. A questão é que o sacrifício é imediato e o benefício é de longo prazo, o que exige como vimos antes estratégias de comprometimento que tornam essas escolhas mais equilibradas 

Assumir compromisso, tanto duros (multa por falhar) como suaves (anunciar publicamente e manter informação do que atinge)

Criar rotinas fáceis de seguir e colocar essas rotinas no calendário, evitando depender de decisões conscientes para fazer algo. Se possível, ligar hábitos novos com hábitos antigos, criando associações mentais.

O ótimo é inimigo do bom. Quando estamos a aprender algo novo ou a tentar adotar um novo comportamento, não vale a pena ser perfecionista. Antes do mais, importa fazer e divertir-nos com isso. Um tenista de alta competição sabe que não deve tentar fazer de cada pancada uma bola vencedora. Há muitas pancadas que são suficientemente boas para manter a bola em jogo, manter o flow, esperando o momento certo para atacar a matar ou simplesmente que o adversário falhe. Do mesmo modo, se queremos melhorar o nosso estado de espírito e reduzir o stress, não precisamos de estar em zen o tempo todo – apenas saber qual o momento certo para o fazer. Isso reforça a confiança e a vontade de regressar a esse estado, ou seja, de manter a bola em jogo.

Estas estratégias pragmáticas podem ajudar-nos a mudar, ou seja, a crescer enquanto pessoas. E são aplicáveis não apenas a nível pessoal, mas também para definir estratégias que promovam a adoção de comportamentos. Nas empresas, para facilitar a mudança de hábitos de trabalho e cultura corporativa. Nas universidades para promover estilos de vida e hábitos de estudo mais eficazes. Nos governos, para estimular certas práticas de saúde, exercício ou poupança.

Sem prejuízo do valor destas estratégias e da sua utilidade – seja para a mudança pessoal seja como forma de promover a mudança noutros – penso ser fundamental incorporar duas “aberturas” em qualquer plano de mudança, sem as quais todas as estratégias podem falhar, ou pior, ter o efeito contrário. Trata-se de uma espécie de “saídas de emergência”. Falaremos disso no próximo episódio.

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Morangos sem Açúcar: (9) Investimentos Verdes e Estagflação: os riscos inesperados da mudança climática?

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Olá e bem-vindos ao meu podcast e blog “Morangos sem Açúcar”, uma série sobre desenvolvimento pessoal, corpo, mente e bem-estar – pessoal e do planeta em que vivemos. O meu nome é Karlos K e gostaria imenso de ouvir a SUA opinião, comentários e experiências pessoais, através do email karlosk.books@gmail.com, no Instagram ou Facebook @karlosk.escritor ou no site www.karlosk.com/contacto.  

Voltamos ao tema dos episódios 2 e 3 – a mudança climática, que constitui o maior desafio que enfrentamos hoje enquanto espécie. Mais do que a corrida espacial entre multimilionários ou as promessas do mundo virtual do metaverse, o risco está bem mais perto de nós, à nossa porta: os eventos climáticos extremos, extinção em massa de espécies já em curso e fim do planeta em geral aprazível e benigno de que usamos e abusamos. A mudança climática está hoje na consciência coletiva e gerou-se uma espécie de consenso em torno da necessidade de implementar as profundas mudanças exigidas para limitar a subida das temperaturas a 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais. Contudo, os investimentos e escolhas necessárias para atingir esse objetivo coletivo vão muito além do que podemos imaginar. A revolução profunda da estrutura económica e social pode encontrar barreiras inesperadas, precisamente no momento em que a humanidade parece mobilizar-se para este enorme desafio. Falo em concreto de dois riscos endógenos ao próprio sistema de mercado e à forma como estamos a lidar com o problema: a moda dos investimentos verdes e a estagflação.

A maior surpresa da COP26 em Glasgow não foram as novas promessas dos governos sobre metas de descarbonização, mas os triliões de dólares de investimentos privados que se deslocam para novas tecnologias promissoras que podem sustentar o salto quântico necessário para a proteção do planeta. Só para termos uma noção aproximada da dimensão do desafio que enfrentamos enquanto espécie, durante a pandemia de Covid19, com a economia em grande parte parada, os carros e aviões parados, mesmo assim a redução global de emissão de gases efeito de estufa foi de apenas 6%… e temos que atingir rapidamente uma redução de 100%. A eletrificação da economia necessária para substituir os combustíveis fósseis por energias renováveis exige muito mais do que substituir a produção elétrica atual. O mundo vai precisar de muito mais eletricidade do que a que consome hoje. Muito mais. Talvez 10x mais, segundo algumas estimativas: porque não se trata apenas de substituir os consumos energéticos da Europa e América do Norte, à medida que os países em desenvolvimento aumentam a sua intensidade energética, porque ao contrário do carvão, petróleo ou gás natural, a eletricidade não é fácil de transportar e há perdas no transporte, porque as renováveis são intermitentes e exigem capacidade excedentária para cobrir momentos em que não chove ou não há vento ou luz solar, porque a eletrificação dos carros e das industrias que hoje usam petróleo ou gás natural vai aumentar imensamente o consumo elétrico.

Apesar da imensidão da tarefa que enfrentamos, é uma necessidade imperiosa e urgente. O sonho de um mundo com 8 biliões de pessoas em nível razoável de conforto pura e simplesmente não é atingível com a economia de combustíveis fosseis criada após a revolução industrial do século XIX – a crise climática descarrilaria o desenvolvimento muito antes de atingirmos esse sonho, ameaçando deixar hordas de seres humanos expostos a inundações, seca, calor extremo e queda de produção agrícola.

Em 2021, os fundos verdes ou ESG atingiram 2 triliões de dólares. No Web Summit de 2019, Stephen Schwarzman, CEO da Blackstone, uma das maiores gestoras de fundos do mundo, afirmou “encaramos a sustentabilidade como algo que é bom para o meio ambiente, mas também é bom para os negócios.” Larry Fink, fundador e CEO da Blackrock, outro colosso dos fundos de investimento com 10 triliões de dólares de ativos sob gestão, escreveu recentemente numa das suas cartas anuais aos CEOs das empresas em que investe, que nos aproximamos do ponto em que investimentos sustentáveis serão pelo menos metade do mercado. Atualmente, estes fundos com rótulo verde representam 35 triliões de dólares, cerca de 36% da totalidade dos ativos sob gestão dos fundos de investimento, um aumento de 34% em dois anos. E 2/3 dos gestores de fundos afirma que oferecem fundos com estratégias de investimento ESG.

Os CEOs das maiores companhias do mundo competem para afirmar as suas credenciais verdes, numa corrida para estabelecer metas ESG de curto prazo. As empresas reconhecem que os riscos ambientais têm que ser parte das suas estratégias corporativas, tanto devido aos riscos de dentro para fora (ou seja, as suas atividades provocarem danos ambientais com as consequências em termos de opinião publica, ataque político e perda de acesso a capital dos fundos e dos bancos) como riscos de fora para dentro (ou seja, como os eventos climáticos extremos podem afetar negativamente as suas atividades). Acredito que a mudança na tendência secular da relação entre economia e ambiente é irreversível, refletindo 3 realidades:

1. Eventos climáticos extremos e o risco de impacto no negócio. A pandemia de Covid19 contribuiu em grande medida para alertar decisores empresariais e políticos para estes riscos nos extremos da distribuição de probabilidade, os “tail risks”

2. Com a omnipresença dos Social Media na sociedade, as empresas perderam a sua privacidade, deixaram de se poder esconder atrás dos muros das fábricas, correndo o risco de tudo o que fazem ser exposto num post de Twitter ou Facebook com consequências reputacionais graves

3. As mega corporações globais e ultra ricas assumem poder crescente, graças à globalização e escalabilidade daquilo que vendem, o que permite e obriga a assumirem maior responsabilidade social

Em grande medida, esta mudança é saudável. A dimensão dos investimentos necessários para a transição energética é de tal forma colossal que só a inovação tecnológica e o investimento privado que a suporta tem poder de fogo para atingir a mudança necessária. 

Só que essas metas de curto prazo podem dificultar a mudança estrutural e radical necessária para as mudanças de longo prazo necessárias.

A tendência dos investimentos verdes e fundos ESG é um passo importante, mas que pode na verdade ter consequências inversas daquilo que se pretende. Com efeito, num sistema capitalista, as decisões de alocação de capital são a forma mais poderosa de induzir mudanças, financiando atividades e inovação numas áreas e limitando o acesso a financiamento de outras atividades. Portanto, a alocação de capital é dos instrumentos mais poderosos para fomentar a inovação necessária, muito mais aliás do que a escolha artificial de “campeões” por parte de políticos. Não podemos confiar em políticos para decidir que industrias ou tecnologias devem ou não ser apoiadas – o fluxo de fundos dos mercados privados é muito maior do que os fundos públicos. Por isso, o reconhecimento do potencial de ganhos de investimentos em novas tecnologias “verdes” por parte de investidores privados é a nossa maior esperança de colocar os melhores cientistas e engenheiros a descobrir soluções climáticas, em vez de na busca de mais um novo sabor de batatas fritas.

Sem prejuízo, há uma face menos exuberante e positiva da moda dos investimentos verdes. A alocação capital de fundos ESG tende a ser definida por gestores que, compreensivelmente, estão mais preocupados em manter os seus empregos no final do ano do que em revolucionar o mundo. Ou seja, a tendência natural destes fundos ESG é simplesmente fazer uma seleção negativa, tirando capital a indústrias percebidas como de maior risco ambiental. Ora, o que precisamos é precisamente o inverso: uma seleção positiva de tecnologias em indústrias de alto risco ambiental que possam mudar radicalmente essas indústrias. Quando um fundo “verde” faz uma seleção negativa, eliminando investimentos em indústrias com elevada emissão de gases efeitos de estufa como o aço, cimento, viagens, agropecuária, estão a privar de capital precisamente as indústrias que mais urgentemente precisam de fortes investimentos para a sua reinvenção.   

Outro aspeto critico na alocação de capital para concretizar a revolução ambiental é que não podemos limitar-nos à transição energética. Sim, a produção energética representa 55% da emissão de gases efeito de estufa. Mas os outros 45% provém da forma como produzimos coisas: roupas, comida, eletrodomésticos, telemóveis… A indústria da moda e vestuário emite globalmente mais gases efeito de estufa do que o transporte aéreo. Por isso, a transição de uma economia linear para uma economia circular é tão importante como a transição energética. Em vez da lógica do século XX de produzir, usar e deitar fora, precisamos de novos sistemas de menor incorporação de materiais e reutilização. Hoje, um americano médio consome materiais a um ritmo 9x superior ao que o planeta consegue repor, e um europeu 5x mais. Só que, uma vez mais, a necessidade de “parecer verde” foca atenções em soluções individuais com impacto imediato e quantificável, que cada empresa pode mensurar e anunciar – versus a alteração sistémica necessária para a transição para a Economia Circular.

A revolução de mentalidades é totalmente contra-intuitiva. Para uma empresa assegurar a sua competitividade a longo prazo num mundo de economia circular, tem que em certa medida provocar a sua própria morte, ou seja, a desenvolver modelos de negócio que reduzem os seus volumes de produção e vendas. Que CEO terá a coragem de desenvolver modelos de prolongamento do ciclo de vida dos seus produtos – roupas, carros, computadores -, reduzindo volumes de venda, para oferecer soluções de circularidade? Mas é isso mesmo que está em causa…     

Outro fenómeno pouco considerado em termos de adequação dos mecanismos de alocação de capital para enfrentar a crise ambiental é uma distorção histórica dos fluxos de investimento, conhecido como “home bias”. Os investidores e fundos tendem a alocar uma parte desproporcional do capital a empresas conhecidas, dos mercados desenvolvidos. Ora, os desafios da transição ambiental são tão grandes ou superiores nos países em desenvolvimento, mais expostos aos riscos de eventos climáticos extremos e também mais propensos a adotar soluções poluentes no seu caminho de crescimento.

Ou seja, a moda dos investimentos verdes dos fundos de investimento ameaça privar de capital as indústrias e empresas que mais precisam, tanto em termos sectoriais (medo de investir em industrias “não verdes”) como geográficos (home bias).

O papel da alocação de capital e transição para a economia circular, longe dos holofotes mediáticos, é uma base contra-intuitiva mas fundamental se queremos ter sucesso na transformação radical da economia necessária para preservar o nosso futuro coletivo.

Um outro risco mais imediato para a transição climática é a ameaça de estagflação. As últimas duas décadas, apesar dos seus altos e baixos, beneficiaram de taxas de juro quase nulas e crescimento económico global forte. Os baixos juros e elevado crescimento económico deixaram espaço para pessoas comuns, políticos e líderes empresariais focarem a sua atenção nos temas de transição climática. Mas… o que acontecerá se a saúde da economia mundial inverter, precisamente na fase mais exigente dos elevadíssimos investimentos necessários para a transição climática?

Tivemos recentemente um exemplo disso mesmo – ao primeiro sinal do aumento dos custos da energia no outono de 2021, a opinião publica e políticos rapidamente se esqueceu dos custos ambientais dos combustíveis fósseis, rejeitando os custos necessários que transitoriamente podem resultar da transição para energias renováveis. O aumento de custos de energia no outono de 2021 teve diversas causas, mas pelo menos em parte está associada à redução de investimentos em energias fósseis antes da infraestrutura de energias renováveis compensar plenamente essa fonte barata e fácil de energia. Estamos disponíveis para aceitar esses custos da transição?

Falar da mudança verde num contexto de juros baixos e elevado crescimento económico tornou-se relativamente consensual. Mas, o que acontecerá à opinião publica e discurso político se este contexto favorável das últimas duas décadas se inverter?

Na verdade, há riscos reais para a economia mundial a curto-médio prazo. Pelo menos quatro fatores chave podem ameaçar trazer de volta o espectro da inflação, que atingiu recentemente mais de 5% na Europa e EUA:

  1. a disrupção das cadeias logísticas durante a pandemia de Covid19, aumentando os custos de transporte e causando escassez de materiais incorporados na produção industrial, desde têxteis a tecnologia de ponta
  2. os gigantescos pacotes de estímulo fiscal e monetário – literalmente, triliões de dólares que têm sido lançados de paraquedas sobre as economias. Só agora, a medo, os estímulos monetários começam lentamente a ser reduzidos, mas continuam expansionistas (o FED americano anunciou que vai começar a reduzir o ritmo de compra de ativos, o que será menos expansionista, sem deixar de continuar a ser expansionista; o banco central europeu mantém a sua posição expansionista e não há expectativa de reverter a sua política monetária). Mas mesmo quando as políticas monetárias deixarem de ser expansionistas, a política fiscal será muito mais difícil de reverter. O plano de investimentos em infraestruturas do presidente Joe Biden ou a “bazuca” europeia do PRR continuarão a estimular a economia durante os próximos anos
  3. o cansaço do lockdown e regresso em força do consumo
  4. A alteração estrutural causada pela pandemia de Covid19 no mercado de trabalho. Pode haver menos pessoas disponíveis para regressar ao mercado de trabalho (em parte graças a apoios públicos), e a adoção de práticas de trabalho remoto exigem maiores competências tecnológicas que podem afastar parte da força de trabalho do mercado. No entanto, o maior efeito restritivo da pandemia sobre o mercado de trabalho é um fator menos evidente: dois anos em que a mobilidade de migrantes foi fortemente reduzida. A Europa e EUA precisam dos emigrantes para alimentar o dinamismo e disponibilidade da sua força de trabalho, e dois anos de fortes restrições aos movimentos migratórios está a criar desequilíbrios notórios nos mercados de trabalho, com consequente aumento da pressão salarial e inflação.  

Uma vez incorporada nas expectativas dos consumidores, a inflação torna-se endógena e ameaça forçar o fim de duas décadas de baixas taxas de juro, o que pode dificultar o financiamento necessário para os gigantescos investimentos de transição climática ou reduzir os fundos disponíveis para capital de risco necessário para financiar tecnologias mais arriscadas. As baixas taxas de juro estimularam investidores a uma “busca de yield”, alimentando o crescimento de partes do sector financeiro vocacionados para investimentos de maior risco, o venture capital. A subida de taxas de juro pode não apenas dificultar o financiamento dessas novas tecnologias, mas também restringir o capital alocado a estes segmentos de maior risco que são cruciais para financiar as novas tecnologias.

A par com este risco inflacionista, temos hoje também uma ameaça de abrandamento económico de onde menos se espera: a china. O mercado chinês a sua emergente classe média alimentou o crescimento económico mundial nas últimas décadas. O crescimento chinês abrandou repentinamente de perto de 10% para cerca de 5%. A fragilidade financeira da Evergrande, que falhou um pagamento de juros sobre 1,2 biliões de dólares de obrigações no início de dezembro, ameaça um efeito dominó sobre os construtores imobiliários e bancos chineses. A Evergrande é um gigante imobiliário chinês e o maior devedor do mundo, com cerca de 300 biliões de dólares de dividas (ou 300 mil milhões, na nomenclatura europeia). É improvável que o governo chinês permita a falência da empresa e deverá forçar o sistema financeiro chinês a apoiar o refinanciamento, mas será inevitável uma revisão da politica de financiamentos fáceis de que o sistema imobiliário chinês tem beneficiado. Se isto for o rebentar de uma bolha especulativa no mercado imobiliário chinês, a que pequenos aforradores têm exposição, as consequências sobre o ritmo de crescimento chinês, alimentado pelo consumo privado, pode abrandar, arrastando consigo uma parte substancial do crescimento mundial.

A conjugação de inflação e abrandamento económico pode acordar um monstro há muito adormecido (desde os choques petrolíferos dos anos 70): a estagflação, ou seja, inflação e estagnação. Com taxas de juro tão baixas, os bancos centrais do ocidente têm muito pouca margem de manobra para estimular o relançamento económico.

Além dos problemas imediatos e evidentes para a qualidade de vida de muitas pessoas em todo o mundo, o risco de passagem de duas décadas de baixas taxas de juro e crescimento mundial para um contexto de estagflação tem também consequências potencialmente devastadoras para o esforço de transição climática, precisamente no momento em que os custos da transição se tornam mais visíveis. As preocupações da opinião publica e dos políticos pode mudar, destruindo o consenso criado em torno da transição climática.   Os próximos anos prometem ser entusiasmantes a muitos níveis e certamente o mundo em 30 anos será irreconhecível. Esperemos que não pelas más razões. Podemos ter que sair à rua a andar de pernas para o ar, para fazer sentido de um mundo virado ao contrário…

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Morangos sem Açúcar: (8) Alimentação parte III – Nutrição e Psicologia

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Olá e bem-vindos ao meu podcast e blog “Morangos sem Açúcar”, uma série sobre desenvolvimento pessoal, corpo, mente e bem-estar – pessoal e do planeta em que vivemos. O meu nome é Karlos K e gostaria imenso de ouvir a SUA opinião, comentários e experiências pessoais, através do email karlosk.books@gmail.com, no Instagram ou Facebook @karlosk.escritor ou no site www.karlosk.com/contacto.  

Nutrição e psiquiatria são aliados estranhos e recentes. Apesar de muitas pessoas estarem conscientes do impacto das suas decisões alimentares na saúde e nos pneuzinhos da cintura, ou até o impacto ambiental da indústria agroalimentar, é ainda raro pensar no impacto no nossos cérebro e mente.

No entanto, a ligação é relevante, condicionando as duas epidemias do mundo desenvolvido: excesso de peso e problemas de saúde mental. 1/5 da população dos países desenvolvidos sofre de problemas psiquiátricos em cada ano, e quase 50% tem problemas psiquiátricos clínicos pelo menos uma vez ao longo da vida. Do mesmo modo, 1/3 da população é considerada obesa e outro1/3 com excesso de peso, ou seja, quase 70% da população dos países ricos tem problemas de excesso de peso.

A relação é bidirecional: maus hábitos alimentares afetam a saúde e equilíbrio mental, e por sua vez problemas psicológicos levam a más escolhas alimentares. A dieta pode influenciar o nosso bem-estar mental e psicológico, mesmo para quem não tem problemas psiquiátricos clínicos, podendo contribuir para aliviar a ansiedade e stress, aumentar a atenção e memória e dormir melhor.

Na verdade, o princípio é simples e traduz uma verdade básica: o corpo e o cérebro estão intrinsecamente ligados e tudo o que afeta um, afeta o outro. Aliás, a vida começa a partir de uma única célula, o óvulo, que depois de fertilizado se divide e divide e divide, ao mesmo tempo que as novas células se vão diferenciando para constituir os diversos órgãos: o cérebro, os olhos, o estomago, o intestino, a pele – tudo está ligado por uma origem comum e por um ADN comum. O ADN em cada uma das células é exatamente o mesmo, simplesmente “software” de cada célula (o epigenoma) controla quais os genes estão ativos e que proteínas expressam, e é isso que faz uma célula do cérebro diferente da do rim. Mas tudo no organismo está ligado por essa relação primordial.

A importância da alimentação no funcionamento do cérebro e bem-estar mental faz-se, de forma simplificada, pela seguinte sequência:

1º a comida influencia o microbioma intestinal, ou seja, que bactérias existem nos nossos intestinos numa relação simbiótica. Cada individuo hospeda milhares de espécies diferentes de bactérias, pequenos aliens que são parte integrante do que somos. O papel deste microbioma no estado de espírito e saúde mental está demonstrada. Por exemplo, em experiências laboratoriais, quando se transfere o microbioma de ratinhos com esquizofrenia para intestinos de ratinhos, eles começam a mostrar sintomas de esquizofrenia.

2º as bactérias que compõem o microbioma são determinantes no processamento dos nutrientes que passam no aparelho digestivo e na produção dos neurotransmissores, ou seja, os famosos químicos cerebrais como dopamina, oxitocina, serotonina, cortisol etc que são essenciais para gerir o stress, os sentimentos de otimismo, afeto ou depressão e para processar ideias e emoções. Por exemplo, mais de 90% dos receptores de serotonina estão localizados no intestino – um défice de serotonina está associado a estados de ansiedade e depressão.  

3º por fim, estes químicos produzidos pelo microbioma nos intestinos passam para o sistema nervoso através dos nódulos do nervo vago, uma auto-estrada entre intestinos e cérebro.

Com efeito, as mesmas células neurológicas que constituem o sistema nervoso central (cérebro e espinal medula) cobrem todo o aparelho digestivo, formando o sistema nervoso entérico, um sistema nervoso autónomo e específico para a digestão. Ele é tão importante que é considerado o nosso “segundo cérebro”, com uma rede de mais de cem milhões de neurónios (quase tantos quanto na espinal medula) e que estão conectadas com o sistema nervoso central, mantendo um fluxo permanente de informações entre ambos. O par de nervos vagos constitui o maior dos 12 pares de nervos cranianos que ligam o cérebro às várias partes do corpo, responsável por ligar o cérebro a vários órgãos no tórax e abdómen. Quando chega aos intestinos, o nervo vago divide-se em pequenos filamentos fibrosos que envolvem e penetram todo o intestino e o conectam ao cérebro, criando uma via rápida de informação entre intestino e cérebro.

Esta ligação entre sistema digestivo e sistema nervosos faz-se de múltiplas formas: químicos como serotonina ou dopamina que regulam a gestão de emoções no sistema nervoso central; regulação de adrenalina no sistema nervoso autónomo, em contextos de stress ou perigo; e libertação de cortisol ou esteroides pelo sistema HPA do hipotálamo, que regula o stress, ansiedade, emoções e libido. Por outro lado, a ligação é bidirecional: por exemplo, basta 2 horas de stress psicológico (como uma reunião tensa no trabalho) para mudar completamente a composição e comportamento das bactérias nos intestinos.

O significado e consequências deste eixo entre cérebro e aparelho digestivo só recentemente começou a ser explorado. Apesar de haver ainda um longo caminho a percorrer, começamos a perceber como alguns alimentos podem influenciar certos estados de espírito e usar a alimentação como forma de gerir a nossa saúde cerebral e mental. Em termos pragmáticos, vamos focar-nos em alguns alimentos ou dietas que podem influenciar certos aspetos da saúde mental: depressão, ansiedade, défice de atenção, insónia e líbido

  1. Depressão

Muitas pessoas com estados mesmo ligeiros de depressão mostram escolhas alimentares pobres, o que faz sentido, visto que depressão está associada a baixos níveis de neurotransmissores que regulam o estado de espírito, como a serotonina. Isto torna as escolhas que envolvem auto-confiança e tratar de si próprio – como optar por refeições saudáveis ou exercício físico em vez de prazer imediato e de curto prazo – mais difíceis.

Em estudos médicos, pessoas com estados mesmo ligeiros de depressão apresentam 50 tipos de bactérias no microbioma diferentes de pessoas com elevados níveis de auto-estima e otimismo. Quando estamos “em baixo”, há uma tendência para tentar afastar essa depressão com alimentos que oferecem satisfação imediata e picos de glicose, como açucares e hidratos de carbono – as chamadas comidas de conforto: pão, massas, fritos, gelado, chocolate, bebidas açucaradas. No entanto, a evidência é abundante que essas escolhas, apesar de poder gerar uma sensação imediata de prazer e saciedade, conduzem a longo prazo a maior risco de depressão e baixos níveis de auto-estima e otimismo. Alguns estudos mostram uma correlação entre estas comidas e depressão de 0,95, ou seja, muitíssimo elevada. Duas latas de bebidas açucaradas por dia aumentam o risco de depressão, mesmo ligeira, em 25%. Os hidratos de carbono são processados pelo corpo quase da mesma forma que os açucares, formando glícidos que a insulina converte em energia ou armazena em gordura celular.

Por isso, importa considerar não apenas o teor de açúcar, mas mais importante, o índice glicémico: batatas, pão branco, arroz branco, adoçantes artificiais como sacarina, aspartame ou stevia têm elevado índice glicémico e funcionam como uma verdadeira droga para o corpo, criando dependência. Os adoçantes artificias presentes em muitos alimentos comercializados como “diet” ou “zero” (como a Coca Cola zero) inibem a síntese e libertação dos neurotransmissores de “felicidade e satisfação” como dopamina e serotonina. Além disso, o aspartame aumenta indicadores de oxidação e inflamação digestiva e cerebral.

O fast food inclui tudo aquilo que sabemos reduzir os neurotransmissores de felicidade: hidratos de carbono, gorduras “más”, proteínas pobres e bebidas com elevado teor de açúcar ou adoçantes.

Alimentos que ajudam a combater depressão e aumentar auto-estima

  • Probióticos estão presentes em alimentos fermentados. Iogurtes com bactérias vivas (mas evitar iogurtes com sabor, que têm elevados níveis de açucares ou adoçantes). Sopa Miso. Matto coreano (feijões fermentados). Sauerkraut (vegetais fermentados da dieta alemã). Kefir. Kimichi (pickle vegetal coreano). Chás kimbucha, sem açucar. Alimentos ricos em pré-bióticos incluem feijões, legumes, aveia, frutos vermelhos como morangos e framboesas, alho, cebola, espargos e alcachofras
  • Gorduras “boas” como azeite, nozes e abacate
  • Alimentos ricos em ómega 3, ou seja, ácidos gordos que contribuem para redução de inflamação no aparelho digestivo e cérebro. Ómega 3 é abundante em peixes gordos, como salmão, atúm, sardinhas ou cavala. Outras fontes importantes são nozes e sementes de chia.
  • Alimentos ricos em vitaminas B12, B1, B6, e ácido fólico: legumes, vegetais, laranjas, abacate, bananas, espargos e bivalves como ostras, ameijoas ou mexilhões
  • A vitamina A está não apenas relacionada com redução de estados depressivos mas também redução do cansaço: cenouras, espinafres e algumas leguminosas como feijão frade
  • Minerais como ferro, magnésio e zinco: marisco, carnes vermelhas magras, carnes brancas, legumes, brócolos e chocolate negro
  • Especiarias: as especiarias são reconhecidas há séculos pelas suas propriedades antioxidantes, combatendo radicais livres que danificam os tecidos orgânicos. O açafrão é reconhecido como um poderoso anti-depressivo: um estudo sugere que 15mg de açafrão por dia pode ser equivalente a 20mg de prozac. Outras especiarias associadas a menor depressão em estudos laboratoriais: cúrcuma, orégãos e camomila.   

Alimentos que podem contribuir para estados mentais de menor auto-confiança e depressão

  • Açúcares, hidratos de carbono, cereais processados, adoçantes artificiais usados em refrigerantes, fritos, gorduras más como margarinas e hidrogenadas e nitratos usados na preservação de carnes frias, bacon e salsichas
  • Ansiedade

A amígdala é uma zona do cérebro em cada lóbulo cerebral envolvida na perceção e gestão emocional, parte do sistema límbico (hipotálamo, amígdala e hipocampo). A amígdala cerebral (não confundir com as amígdalas no fundo da garganta) tem um papel central na gestão do medo e ansiedade. Existe uma forte relação entre microbioma e amígdala cerebral.

A conclusão mais relevante a este nível é que dietas com elevados níveis de gorduras (sobretudo gorduras más, como fritos, margarinas e hidrogenadas) e hidratos de carbono ou açúcares promovem maior ansiedade.  Em vários estudos, simplesmente transferir o microbioma de ratinhos com excesso de peso e com uma dieta de elevadas gordura e hidratos para ratinhos com uma dieta equilibrada provocou aumento de ansiedade nestes ratinhos mesmo sem que tenham excesso de peso.

Outra conclusão esperada é o impacto da cafeína na ansiedade. A cafeína ativa regiões do cérebro que são ativadas em situações de “lutar ou fugir” quando um animal é atacado por um  predador. Vários estudos sugerem que a zona segura de consumo de cafeína é menos de 100 mg/dia, ou seja, no máximo dois cafés expresso ou um café americano longo.

A ligação entre álcool e ansiedade é curiosa. Apesar de no imediato poder ajudar a relaxar, passado umas horas provoca estados de agitação e ansiedade.

Alimentos que contribuem para reduzir ansiedade:

  • Fibras alimentares: as fibras alimentares normalmente não são digeridas diretamente pelo organismo, mas promovem o desenvolvimento de certas bactérias no microbioma. Estão associadas a menor depressão, ansiedade e stress. Estes alimentos ricos em fibra não apenas aumentam a sensação de saciedade durante mais tempo (demoram mais tempo a passar pelo sistema digestivo) também reduzem inflamação no sistema digestivo e cérebro, que está relacionado com stress e ansiedade. As fibras alimentares são abundantes em alimentos como leguminosas (feijões), cereais integrais, frutos vermelhos, maças, bananas, cenouras, brócolos, couves de bruxelas, alcachofra, nozes, amêndoas e aveia. Para combinar a dose de fibras com baixo consumo de hidratos de carbono, convém controlar as leguminosas, cereais e tubérculos como cenouras.
  • Ómega 3: tal como no caso da depressão, os peixes gordos, abacates e nozes são poderosos alimentos antio ansiedade e depressão. Em estudos laboratoriais, grupos com dietas ricas em ómega 3 têm 20% menos ansiedade e 14% menos inflamação dos órgãos.
  • Alimentos fermentados, como os que falamos no caso da depressão
  • Vitamina D: esta vitamina é processada naturalmente pelo corpo desde que tenha suficiente exposição a luz solar. Em Portugal, temos o benefício, mesmo no inverno, de doses saudáveis de luz solar, mas isso exige sair e apanhar sol pelo menos 30 minutos por dia. Outras vitaminas, como B1, A e C estão associadas a menor ansiedade.
  • Magnesio: Deficiência de magnésio está associada a elevados estados de ansiedade. Alimentos ricos em magnésio são espinafres, amêndoas, cajus (mas os cajus têm elevado conteúdo de hidratos de carbono), feião preto e abacates.
  • Outros nutrientes como flavonoides (chocolate negro), selênio (nozes do brasil), tiamina (chá verde) contribuem para redução do stress e ansiedade.
  • Insónia

Um estudo alargado do Imperial College em 2014  demonstrou que pessoas com privação de sono têm níveis menores de 27 metabólitos, incluindo os neurotransmissores ligados à sensação de bem-estar. Vimos no episódio 5 a importância abrangente do sono para a qualidade de vida, bem-estar e performance.

Na verdade, não são apenas os humanos que têm ritmo circadiano. As bactérias no aparelho digestivo também. E quando forçamos o nosso corpo a desequilibrar o ritmo circadiano, todo o microbioma fica destabilizado.

O tipo de alimentação pode influenciar os padrões de sono: dietas ricas em hidratos de carbono e açúcares, cafeina, álcool, bebidas açucaradas afetam negativamente o sono. Dietas saudáveis com maior conteúdo de vegetais, peixe rico em ómega3, carnes brancas, chá de camomila, e práticas de jejum (sobretudo jantar cedo) favorecem o sono.

Uma refeição rica em hidratos e com álcool pode facilitar cair no sono, mas resulta num padrão de sono menos satisfatória, como vimos no episódio 5: provocam sedação, sem os padrões ricos de ondas cerebrais que acompanham o sono profundo. Dietas com altos conteúdo de gordura e hidratos e baixos legumes e fibras levam a sono mais ligeiro e menos restaurador.

  • Fadiga e concentração

Além de falta de sono de qualidade, outra razão para fadiga e falta de energia é inflamação crónicas do sistema digestivo e cérebro, o que pode ser causado por obesidade, stress ou dor. Inflamação do sistema digestivo reduz a capacidade de produzir energia de forma eficiente, baixando a sensação de energia mas também libertando radicais livres que causam oxidação celular.

Alimentos anti-inflamatórios incluem:

  • Ómega 3 e em particular o equilíbrio entre ómega 3 e ómega 6 (ou seja, maior consumo de gorduras “boas” de peixe gordo, nozes, azeite, abacates e menos consumo de gorduras “más”, como óleo de girassol, margarinas e maionese e gorduras hidrogenadas presentes em comidas pre-feitas.
  • Dieta colorida, ou seja, vegetais e frutos coloridos ricos em polifenóis.
  • Outros alimentos ricos em polifenóis são chocolate negro, orégãos, anis, sementes de chia e de linhaça, chá verde, frutos vermelhos como morangos e framboesas, azeitonas, nozes, couve flor e brócolo.
  • Magnésio e zinco são também essenciais para reduzir o cansaço e redução da inflamação. Cajus, espinafres, feijão preto são fontes naturais de magnésio. Carnes vermelhas e grão de bico são fontes de zinco.
  • Multivitaminas são também cruciais para a energia e combater o cansaço. Referimos já vários alimentos ricos em vitaminas.
  • Capsaicina (que se encontra nas sementes de chillis mais picantes) não apenas ajuda a regular apetite mas também na libertação de energia
  • Outras especiarias: cominhos, curcuma, ginseng, açaí podem ajudar a reduzir cansaço e inflamação
  • Líbido

Em Macbeth, Shakespeare sintetizou bem a relação entre álcool e líbido : “o álcool estimula o desejo mas inibe a performance”. Mesmo consumo moderado de álcool pode estar associado a ejaculação prematura e e menor satisfação sexual. Do mesmo modo, alimentos como carnes vermelhas, gorduras “más”, alimentos com alto índice glicémico, açúcar e adoçantes  induzem estados sedativos, reduzindo a líbido.

Alimentos que estimulam a produção de dopamina e oxitocina podem contribuir para melhorar a libido de homens e mulheres. Não podemos obter oxytocina diretamente dos alimentos. Algumas alimentos tradicionalmente considerados afrodisíacos, como chocolate negro, podem ter um efeito positivo via estimulo de dopamina e oxytocina (e redução de ansiedade).

Café, desde que abaixo dos 100mg/dia que referimos atras, pode favorecer performance sexual. O consumo moderado de vinho, em particular vinho tinto (1 a 2 copos por dia) parece também tem impacto positivo, comparado com abstinência ou mais de 2 copos. Outros alimentos que parecem ter relação positiva com libido são pistachios, açafrão, folhas e sementes de feno-grego, chillis ou pimenta cayene, abacates.

Conclusão: a dieta MIND e as dietas mediterrânica, nórdica e japonesa

É fácil ficar confusos com tanta diversidade de informação: quase todos os alimentos são bons para alguma coisas, desde que consumidos com moderação. Desde que se evite escolhas más (gorduras hidrogenadas, açúcares, adoçantes, excesso de hidratos e de proteínas de carnes vermelhas), o segredo está numa dieta variada.

Contudo, a tentação de encontrar nisto uma desculpa para excesso de consumo é grande: é fácil entrar numa lógica de exagerar em quantidade e diversidade, desculpando a gula com os benefícios de cada alimento. O segredo de uma alimentação equilibrada é sempre optar pelo défice: em geral (exceto em estados clínicos de distúrbios alimentares), menos é melhor do que mais. Precisamente por isso, sem esquecer as vantagens da diversidade, importa aderir a regras básicas como as que apresentei nos dois programas anteriores, em particular redução de hidratos de carbono e açúcares (episódio 6) e práticas de jejum ou janela temporal restrita (episódio 7).

Para reduzir o ruído, podemos usar como referência chave para as “brain foods”:

  • Frutos vermelhos (morangos e framboesas) e maças verdes
  • Gorduras “boas” com elevado conteúdo de ómega 3, como salmão, atum, sardinhas e cavala ou azeite e abacates, sementes de linhaça e chia
  • Nozes, macadâmia, nozes do brasil e amêndoas, mas não mais do que uma mão-cheia por dia e não salgadas
  • Fontes de fibras e vitaminas, como vegetais (sobretudo folhas verdes), saladas, leguminosas (feijões e lentilhas), mas atenção ao conteúdo de hidratos de carbono dos feijões
  • Proteínas limpas com baixa gordura, incluindo proteínas vegetais (soja e lentilhas)
  • Marisco e bivalves (ostras, ameijoas, mexilhão)
  • Comidas fermentadas, como kefir, iogurtes com culturas vivas e sopa miso
  • Chocolate negro, em moderação, é uma fonte de polifenóis e antioxidantes
  • Especiarias, como cúrcuma, açafrão e plantas aromáticas (nomeadamente para reduzir o sal)
  • Chá verde e camomila
  • Menos de 2 cafés expresso por dia (de manhã) e menos de 2 copos de vinho por dia
  • Reduzir hidratos de carbono, açúcares, adoçantes, refrigerantes e carnes vermelhas gordas

A dieta mediterrânica, considerada património cultural da humanidade pela Unesco, é caracterizada por elevada proporção de legumes e vegetais, fruta, uma parte moderada de cereais integrais, consumo moderado de proteínas, em particular peixe e carnes brancas, nozes, azeite e no máximo dois copos de vinho tinto por dia. Crucial na dieta mediterrânica tradicional é o baixo consumo de doces, cereais processados, fritos, bebidas açucaradas e hidratos de carbono “pobres”.

O conhecido estudo “Smiles”, que analisou o impacto do estilo de vida nos estados emocionais, comprovou o valor da dieta mediterrânica na prevenção e tratamento de estados depressivos moderados e severos.

Outros estilos de alimentação com relação positiva com redução de depressão são a dieta nórdica (vegetais, peixes gordos e iogurtes/queijos) e dieta japonesa (peixe, legumes e alimentos fermentados ricos em probióticos).

A comida tem um papel crucial nas nossas vidas. Uma boa refeição pode dar prazer e permitir momentos agradáveis de socialização, bem como fornecer os nutrientes essenciais para a vida, saúde e bem-estar do corpo e mente. É importante fazer boas escolhas…

E já agora, um pequeno segredo: se em geral tivermos uma alimentação saudável, eliminando certos alimentos, o nosso corpo e microbioma “desaprendem” de os processar… o que significa que nesse caso, um pontapé na dieta esporádico terá poucas consequências. A palavra chave é “esporádico”, ou seja, menos de 1x por mês.

Bom apetite!!

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Morangos sem Açúcar: (7) Alimentação parte II – Longevidade, restrição calórica e jejum intermitente

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Olá e bem-vindos ao meu podcast e blog “Morangos sem Açúcar”, uma série sobre desenvolvimento pessoal, corpo, mente e bem-estar – pessoal e do planeta em que vivemos. O meu nome é Karlos K e gostaria imenso de ouvir a SUA opinião, comentários e experiências pessoais, através do email karlosk.books@gmail.com, no Instagram ou Facebook @karlosk.escritor ou no site www.karlosk.com/contacto.  

A alimentação tem um impacto direto no nosso aspeto e saúde, mas uma área menos conhecida é o impacto na longevidade. Não apenas o que comemos, mas também quando comemos, pode contribuir para uma vida mais longa e sobretudo com melhor qualidade. Acrescentar anos à vida e acrescentar vida aos anos. Neste segundo episódio da trilogia sobre alimentação, debruçamo-nos sobre a evidência crescente de que tão ou mais importante do que aquilo ou quanto comemos, é quando comemos. O jejum intermitente (ou comer numa janela temporal restrita) é uma consequência natural de reduzir a dependência das fontes de energia fácil mas de pouca duração dos hidratos de carbono e açúcares. Comer frequentemente significa que o organismo está continuamente em stress digestivo. Pelo contrário, introduzir períodos de restrição calórica pode contribuir para maior atenção mental, resistência física, dormir melhor e maior longevidade.

Todos conhecemos os aspetos base da saúde e bem estar: exercício físico, não fumar, dormir bem, alimentação saudável e gerir o stress. Os primeiros 2 são relativamente óbvios e consensuais: mais exercício físico é, em geral, bom, qualquer que seja. Correr, caminhar, bicicleta, nadar, ténis, pilates… não interessa. Mexa-se. Quanto ao tabaco, a resposta também é simples: Não!

Mas os outros pilares do bem-estar são bem mais difíceis de gerir.

Em relação à alimentação, somos continuamente inundados com novas opções, dietas da moda, publicidade a snacks e junk food que respondem à última moda dietética (zero açúcar ou sem glúten ou sem lactose) ou prometem a felicidade fácil numa embalagem. A cada nova moda dietética a indústria alimentar responde com novas soluções sem isto ou sem aquilo, mas com outros lixos, até outra moda surgir. E assim o consumidor vai saltando de moda em moda, sem nunca atingir os seus objetivos. Precisamos por isso de princípios fortes e simples que nos permitam sair fora do ruído do marketing. Que nos permita fazer as nossas próprias escolhas.

A solução, teoricamente, é simples: comer pouco e evitar alimentos processados, optando por comida natural que poderíamos caçar, pescar e colher. Parece simples. Só que não é. Nas vidas atarefadas que vivemos e com tantas tentações à distância de um impulso, ou eventos sociais em que a comida e bebida aparece à nossa frente sem uma escolha consciente, é na verdade difícil para muitos seguir essas orientações aparentemente simples.

Por isso, algumas orientações pragmáticas que nos ajudem a orientar nesta selva podem ser muito poderosas.

No último episódio falamos de uma abordagem low-carb à alimentação como forma de eliminar a dependência dos nossos corpos do vício dos hidratos de carbono como fonte fácil de energia, adaptando o nosso organismo para “queimar gordura”. Isso é uma fonte muito mais prolongada de energia, porque não carece de reabastecer o corpo de hidratos a cada 2-3 horas, e por isso contribui para maior sensação de saciedade.

É por isso quase natural, ao fim de alguns dias de low-carb, sentir necessidade de comer menos vezes. O seu corpo está a produzir energia a partir das reservas de gordura, sem precisar de um abastecimento contínuo de lenha para a fogueira do ciclo de krebs (os hidratos de carbono e açúcares).  

Isto abre a porta a outro desenvolvimento recente das ciências da nutrição: o stress digestivo. Há múltiplos estudos que demonstram a relação positiva entre restrição calórica ou jejum e prolongamento da vida. Os mecanismos desta relação estão ainda em investigação, mas há um corpo de evidência crescente que valida os benefícios de uma “janela alimentar restrita” para comer.  A ideia, em termos genéricos, é que o corpo precisa de tempo para se regenerar e limpar os “resíduos” do processo digestivo. O processo digestivo cria algo parecido com stress celular, e como tudo, é preciso tempo de descanso para reparar os pequenos danos causados a nível celular quando o corpo está em atividade.

Por outro lado, há também evidência de que eventos “negativos”, desde que não sejam uma ameaça à vida, induzem uma resposta de auto-proteção e regeneração. Isto tem uma lógica evolutiva. Quando há tudo em abundância e conforto, o corpo entra em modo de multiplicação e crescimento. Em tempos de restrição, o corpo fecha-se e entra em modo de proteção e preservação. Só que esses mecanismos evolutivos prepararam-nos para milhares de anos em que períodos de abundância e restrição se sucediam. Nas sociedades modernas, o organismo vive em estado permanente de abundância e conforto – ou seja, está continuamente em modo de crescimento e multiplicação, sem períodos de pausa para reparação e conservação. Nas notas deste episódio tem links a algumas fontes credíveis de cientistas de neurobiologia e envelhecimento, que sugerem que praticas de restrição – frio, restrição calórica, jejum, esforço físico intenso – despoletam mecanismos celulares que aumentam a longevidade.

Vários estudos laboratoriais demonstram os benefícios de saúde e longevidade de assegurar regularmente 15-16 horas sem comer, uma espécie de jejum intermitente (intermitent fasting). A meu ver, o termo “jejum” provoca reações negativas em muitas pessoas – aborda esta prática como uma negação, em vez de uma abordagem positiva de planear de forma consciente as nossas opções alimentares. Por isso, prefiro a designação “janela temporal de alimentação” (time restricted eating). Ou seja, definir um período de 8 a 10 horas em que programamos as nossas refeições, deixando 14 a 16 horas de descanso alimentar. Esta restrição diária pode ser conjugada com períodos de jejum mais prolongado (2-3 dias) por exemplo trimestralmente.

A relação entre restrição calórica e longevidade é reconhecida pela medicina há muito tempo. A evolução da genética nas últimas décadas permitiu identificar os genes associados à longevidade, bem como um mecanismo de “proteção” do organismo despoletado em períodos mais alargados sem comida. O processo digestivo é exigente para vários órgãos e conduz a reprodução/substituição celular para reparar tecidos, construir musculo ou armazenar as calorias. Na reprodução celular vão acontecendo pequenos erros na cópia do genoma, que se acumulam ao longo de décadas e provocam as “doenças da velhice”. Pelo contrário, o tempo de “descanso alimentar” permite abrandar a reprodução celular, dando espaço a reparação genómica conservando o genoma da juventude e atrasando os efeitos do envelhecimento.

Um estudo laboratorial com 10 mil ratinhos concluir que o principal fator determinante da longevidade é a restrição temporal da comida. Considerando uma variedade de dietas testadas e estilo de alimentação, o grupo com maior longevidade foi o que tinha alimento disponível apenas 1h por dia (independentemente do tipo de dietas). Ou seja, parece ser mais importante quando se come do que o que se come!  

A jejum intermitente é quase uma consequência natural das dietas low-carb e a meu ver complementam-se naturalmente. A eliminação dos hidratos de carbono como fonte privilegiada de calorias de “queima rápida”, substituindo por combustível de “queima lenta”, aumenta a saciedade e reduz naturalmente a necessidade de comer, fazendo facilmente a ponte para uma janela alimentar de 10 horas ou menos.

Cada pessoa pode e deve adaptar esta janela temporal ao seu ritmo e necessidades.

Uma opção relativamente fácil é atrasar/eliminar o pequeno-almoço até às 12h/13h. Começar o dia apenas com água (muita água) e se precisar, café ou chá. Atenção ao café – no episódio 5, sobre o sono, vimos como o efeito do café (e chá preto ou verde) se prolonga durante muitas horas, pelo que a minha recomendação é eliminar o café a partir do meio-dia (quanto muito, descafeinado depois de almoço).

Para pessoas com dias muito cheios, eliminar o almoço ou substituir por algo ligeiro como umas nozes ou iogurte pode funcionar bem.

Outra hipótese é antecipar o jantar, de forma a terminar antes das 18h, fazendo uma janela temporal 10-18h, o que pode contribuir para facilitar o sono. Mas costumes sociais ou horários de trabalho podem tornar esta opção impraticável, sobretudo porque nas culturas mediterrânicas o jantar é o tempo de convívio social e com a família, o que também é crucial.

O conceito é simples mas poderoso e há estudos científicos que associam esta disciplina do time-restricted eating a benefícios como evitar certas formas de cancro e doenças neuro-degenerativas como o Alhzeimer ou Parkinson.  

Deixem-me sublinhar que o conceito de “janela temporal restrita” para comer é muito diferente de jejum. Começa a haver nos social media tendências para fazer 2, 3 até 5 dias de jejum. Reconheço que fazer uma “desintoxicação” duas ou três vezes por ano, com alguns dias de jejum (apenas água, café e chás) pode ter importantes benefícios – desde que consiga continuar a sua vida e o seu trabalho. Contudo, sou bastante cético em relação a intercalar praticas de “fome” durante a semana com “orgias alimentares” ao fim de semana. Isso induz uma montanha russa de insulina e stress alimentar oposta ao que se pretende com a adoção de práticas alimentares continuadas, de longo prazo, integradas na nossa rotina.

Uma nota muito importante que não podemos deixar de enfatizar: os corpos e ciclos das mulheres são diferentes dos homens. Após a menopausa, a gestão deste jejum intermitente pode ser feito de forma mais ou menos semelhante entre homens e mulheres. Antes da menopausa, as mulheres devem respeitar e aproveitar os ciclos do seu corpo, gerindo de forma ativa os ciclos de energia. Por exemplo, no início de um ciclo menstrual, em que tendencialmente tem mais energia, pode ser uma boa altura para alargar a janela temporal sem comida, enquanto que na segunda parte do ciclo pode ser sensato reduzir as horas de jejum para evitar emoções negativas. Nos dias antes da menstruação, em que o corpo já está naturalmente numa fase de maior stress, pode até ser preferível regressar a uma janela alargada de alimentação.

Por outro lado, parece-me desnecessário e com riscos que não podemos ainda afastar com certeza de deixar crianças e adolescentes adotar estas práticas, seja o low-carb (embora a consciência e educação de uma alimentação limpa deva começar desde cedo) e sobretudo jejum intermitente. A adolescência é uma fase conturbada, com várias pressões psicológicas e hormonais, pelo que importa evitar riscos de despoletar distúrbios alimentares como anorexia ou bulimia. Recomendaria estas práticas apenas em casos de obesidade infantil e apenas acompanhados por médicos endocrinologistas ou nutricionistas.

Uma questão final: por onde devemos começar? Passar a low-carb e passado 1-2 semanas começar a restringir a janela temporal de alimentação, ou ao contrário? Confesso que me parece muito mais natural começar pelo low-carb, que gera maior sensação de saciedade e ensina o corpo a gerar energia a partir da gordura armazenada, podendo desse modo lidar muito mais facilmente com a posterior introdução de períodos mais alargados de jejum, até às 14-16h. Pelo contrário, se começarmos com restrição temporal numa fase em que o nosso corpo ainda está viciado em hidratos de carbono e inunda o cérebro com mensagens de “fome” a cada 2-3 horas, a tentação de atacar um snack pode ser insustentável. Ou chegar à refeição com uma sensação de desespero tal que acabamos por nos inundar de “comida de compensação” e fazer más escolhas (hidratos, açúcares, bebidas doces…)

Por fim, os hábitos de vida que temos vindo a falar tem um efeito sinérgico de reforço mútuo. Dormir bem emite leptina, aumentando a sensação de saciedade e reduzindo a perceção psicológica de fome. Exercício físico ajuda a dormir e aumenta o dispêndio calórico. O exercício também aumenta o impacto do jejum intermitente porque ativa o processo de autofagia (limpeza lixo celular) com menos horas de jejum. O próximo episódio, o final desta trilogia sobre alimentação, será sobre um campo relativamente novo de nutrição e psicologia, analisando a relação entre certos alimentos e o bem-estar da mente e funcionamento cerebral.

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Morangos sem Açúcar: (6) Alimentação, excesso de peso, longevidade e saúde mental [parte I: dietas low-carb]

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Olá. O meu nome é Carlos K. Bem-vindos ao meu podcast e blog “Morangos sem Açúcar”, uma série sobre corpo, mente e bem-estar – pessoal e do planeta em que vivemos.   

No primeiro episódio deste podcast, apresentei seis pilares do bem-estar físico e mental. Eles funcionam em conjunto, reforçando-se mutuamente, para um estilo de vida completo que pode libertar uma versão melhor de cada um de nós. A alimentação é, talvez, o pilar mais visível do bem-estar, porque o nosso corpo influencia a auto-imagem, auto-estima e imagem que projetamos para os outros. Contudo, a alimentação vai muito além dos aspetos estéticos, condicionando pelo menos 3 aspetos centrais do bem-estar, que abordaremos numa trilogia dedicada a alimentação.

Primeiro, a obesidade e excesso de peso. A alimentação humana sofreu uma alteração estrutural nos últimos 10 mil anos desde a sedentarização e invenção da agricultura, dependendo de hidratos de carbono para alimentar a população mundial crescente. A abundância de hidratos de carbono e açúcares na alimentação contemporânea é responsável pela epidemia de obesidade, diabetes e problemas cardio-vasculares. Neste episódio, abordamos as dietas “low-carb”, como Keto e Paleo. São instrumentos poderosos de perda de peso. Contudo, a meu ver, são apenas o primeiro passo, para despoletar o processo, como uma etapa de passagem para uma alimentação mais saudável e consciente. O excesso de proteínas e gordura destas dietas assegura a saciedade na ausência de hidratos de carbono, mas tem consequências laterais negativas a longo prazo.

O que nos leva ao segundo ponto desta trilogia: Longevidade. A evidência científica demonstra um impacto claro na longevidade e qualidade de vida de restrição calórica e restrição proteica. Estas práticas, nomeadamente jejum intermitente e substituição de proteínas por legumes, ativa mecanismos de auto-conservação a nível celular com efeitos benéficos na saúde física e mental e aumento da esperança e qualidade de vida. De certo modo, o primeiro ponto (dietas low carb), tratam de eliminar alimentos “fáceis”, os hidratos de carbono e açúcares. O segundo ponto, da longevidade, trata de introduzir praticas alimentares “desafiantes”, via jejum e controlo proteico.

O terceiro ponto pode ser descrito como “psicologia nutricional”, ou seja, a importância de alguns alimentos na saúde mental e evitar a depressão. Chocolate, alimentos ricos em ómega3 como sardinha, cavala, salmão e pera abacate, e organismos filtradores como ostras, ameijoas e mexilhões contribui positivamente para a saúde cerebral.

Este episódio é a primeira parte de uma trilogia dedicada à alimentação, concentrando-se em dietas lowcarb. Mas importa sublinhar que o controlo de excesso de peso é apenas o primeiro passo numa viagem muito mais abrangente de transformação pessoal.

As “viagens” de transformação pessoal começam frequentemente nos temas de dieta e excesso de peso. Mas o que estamos à procura não é mais uma dieta ioió de oscilações de peso que apenas nos deixa com mais ansiedade e problemas de consciência. Uma dieta baseada na abordagem tradicional de “fechar a boca” cria estados de carência e emoções depressivas que quase inevitavelmente – salvo uma força de vontade superior – conduz a recaídas na “comida de conforto”. O outro adágio comum de “ingerir menos calorias do que as que gastamos”, mesmo que potencialmente verdadeiro, dá muito poucas orientações práticas sobre como quebrar a barreira e conseguir um peso ideal consistente e permanente.

Antes de entrar nas opções concretas para reduzir e manter peso, deixem-me começar por duas recomendações prévias de “limpeza”:

  1. Água: o nosso organismo precisa de água para quaisquer funções básicas, no mínimo 1 litro de água por dia. Pode ser água com gás e limão, a deliciosa água alcalina de Monchique, ou água da torneira. Se quiserem, alguns chás dietéticos que se encontram nos supermercados e ervanárias são excelentes (cavalinha, dente de leão, centelha asiática, boldo, alcachofra…). Mas a água é a fonte por excelência de um organismo limpo
  2. Comida “limpa”; ou seja, como ponto de partida, evitar tudo o que seja processado. Cereais de pequeno almoço “industriais”, snacks, barras energéticas, aperitivos, gorduras hidrogenadas, refeições prontas cheias de ingredientes com nomes estranhos… enfim, tudo o que sai de uma embalagem, como princípio, é para ficar de fora. O nosso prato deve apenas ter alimentos que os adoráveis Flinstones reconheceriam: algo que poderíamos caçar, pescar ou colher.

Depois de experimentar vários caminhos, incluindo alguns nutricionistas no mercado, acabei por decidir tomar o problema nas próprias mãos e investigar o que a ciência da nutrição tem para nos ensinar. Estou convicto que o equilíbrio alimentar de longo prazo pode ser alcançado pela combinação de duas práticas:

  1. Dieta de baixos hidratos de carbono (low-carb ou keto)
  2. Comer em janela temporal restrita (time restricted eating ou jejum intermitente)

Vamos falar hoje um pouco sobre as dietas low-carb, e no próximo episódio sobre a janela temporal de alimentação.

A ciência por trás das dietas low-carb é avassaladora. Na verdade, durante milhões de anos o Homo Sapiens manteve uma alimentação baseada naquilo que pode caçar, pescar ou colher. O nosso genoma está preparado para gerir aquilo que podemos designar uma dieta paleolítica, baseada em carne, peixe, frutos, vegetais. Contudo, há menos de 10.000 anos, a revolução agrícola e sedentarização provocaram uma alteração radical na dieta humana, para a qual os nossos corpos não estão preparados. A agricultura e depois a industrialização colocaram nos nossos pratos alimentos que os Flinstones não reconheceriam como comida – cereais, batatas fritas, snacks processados, bebidas açucaradas cheias de químicos, frutas deliciosas. Esta revolução dos hidratos de carbono permitiu fornecer calorias para alimentar de forma barata a explosão demográfica, reduzindo drasticamente a fome extrema no mundo. Excelentes notícias.

Contudo, essa dependência moderna nos hidratos de carbono tem um lado negro: o disparar das doenças cardiovasculares, obesidade, diabetes. Atualmente, morrem mais pessoas no mundo por problemas causados pelo excesso alimentar do que pela carência. A resposta tradicional da medicina perante esta pandemia de obesidade, assente em recomendações de uma dieta com baixas calorias e pouca gordura, tem-se revelado um fracasso, incapaz de promover uma redução sustentável do excesso de peso.

Podemos seguir recomendações que pensamos serem saudáveis e chegar ao final da semana sem mexer uma agulha na balança. Sumo de laranja e pão integral ao pequeno almoço, comer de 3 em 3 horas, refeições com pouca gordura, redução de calorias… quantas vezes seguiu este caminho para acabar exatamente onde estava?

O problema é que o nosso organismo não está preparado para esta dieta. Os 10.000 anos da revolução agrícola e sobretudo os 200 anos da revolução industrial, que mudaram drasticamente o nosso padrão alimentar, são nada mais que um segundo na historia do Homo Sapiens.

A questão começa com uma hormona fantástica: a insulina. Esta hormona é eximia em gerir os níveis de açúcar (glicose) no sangue. Os hidratos de carbono e açúcares que comemos são transformados em glicose, que entra na corrente sanguínea para ser distribuída pelas células do corpo, o provoca um pico de insulina. A insulina sinaliza as células para recolherem essa glicose do sangue. E então acontece uma coisa extraordinária: o ciclo de krebs transforma essa glicose em energia para as células funcionarem, alimentando os músculos e o cérebro, mas ao mesmo tempo é armazenada sob a forma de gordura. A insulina é uma fábrica ultra eficiente de tirar hidratos de carbono e açúcar do sangue e armazená-los como gordura.

Como se isto não bastasse, 2 ou 3 horas depois da última refeição, já os hidratos de carbono queimados para energia ou armazenados como gordura, o corpo precisa de mais… e surgem os “apetites” fora de horas, com necessidade de mais comida para alimentar este ciclo.

 As dietas low-carb param este ciclo vicioso de dependência. Reduzir drasticamente hidratos de carbono como fonte de energia fácil evita picos de insulina no sangue, aumentando a nossa sensibilidade à insulina e contribuindo para evitar doenças crónicas como a diabetes. Por outro lado, na ausência dessa energia fácil, o fígado começa a produzir ketonas (corpos ketonicos), que mobilizam as reservas de gordura no corpo para as transformar em energia. Ao eliminar hidratos de carbono, o nosso corpo passa literalmente a “queimar gordura”. Estas dietas low-carb são por isso também designadas dietas Keto, na medida em que o objetivo é atingir um estado de produção de ketonas e passar a queimar gordura como fonte de energia.

Da minha experiência pessoal, comprovada por milhares de outras pessoas, a redução do consumo de hidratos de carbono tem uma outra consequência lateral fascinante: uma sensação de saciedade. Os hidratos e açucares são consumidos ou armazenados como gordura em 2-3 horas, gerando uma descida de insulina e dando sinal ao cérebro para reabastecer de hidratos. Daí, a sensação permanente de fome. As dietas que simplesmente teimam em reduzir quantidade de comida sem alterar o tipo de alimentos acaba por gerar uma sensação permanente de fome e apetite emocional. Pelo contrário, as proteínas, gordura e fibra demoram mais tempo a ser processados e sobretudo, quando o corpo aprende a produzir energia a partir da gordura armazenada, deixa de enviar sinal permanente ao cérebro para consumir mais. Por isso, uma consequência lateral das dietas keto é o aumento de saciedade, abandonando a noção tradicional de comer de 3 em 3h. A passagem para o que veremos a seguir, a janela temporal de alimentação (jejum intermitente) torna-se quase natural.

Atletas de alta competição, em particular em desportos de endurance (triatlo, maratonas, ironman) estão a encontrar nas dietas low-carb uma solução para aumentar a sua resistência – deixando de estar dependentes de ingestão de hidratos a cada 2-3 horas como fonte de energia, passando a ensinar o corpo a produzir energia a partir de reservas de gordura.

A passagem de uma dieta “normal” para low-carb pode ser rápida e com impacto imediato no peso e volume corporal. Contudo, há normalmente um período de 1-2 semanas de habituação, em que o corpo abandona a dependência dos hidratos e faz a transição para “queimar gordura”. Persistência durante esta fase é crucial – acredite que vai valer a pena.

A proposta é, na verdade, simples: deixe de contar calorias. Está a perder tempo e a probabilidade de ficar frustrado e desistir ao fim de poucas semanas é alta, ao mesmo tempo que a restrição calórica (“fechar a boca”) muito provavelmente vai deixá-la a sentir-se sem energia. Pelo contrário, numa dieta low-carb, pode comer de forma praticamente ilimitada de proteínas e gordura “limpas”. Digo ilimitada porque ao abandonar os hidratos, o seu corpo vai naturalmente atingir um estado de saciedade mais natural e verá que sentirá menos necessidade de “alimentar a fornalha” continuamente.

Em termos práticos, o que é que isto significa? Há hoje uma grande variedade de dietas low-carb, que exploraremos ao longo dos próximos episódios. Algumas são mais restritivas: menos de 20 gramas de hidratos de carbono por dia, o que é bastante exigente… 3 iogurtes magros de fruta praticamente completam as 20 gramas. Em geral, as dietas keto tentam ficar abaixo de 50-60 gramas de hidratos por dia. E as versões “dieta-paleolítica” são mais relaxadas nesta matéria.  Há imensa informação disponível, incluindo um site cheio de dicas e explicações detalhadas bem como a quantidade de hidratos em vários alimentos (veja dietdoctor.com). Basta googlar “refeição keto” para obter centenas de opções e sugestões.

Eu pessoalmente adoro cozinhar (e comer!), pelo que prefiro seguir algumas regras básicas e dar largas à imaginação:

  • 3 grupos de alimentos que pode comer à discrição:
    • proteínas (carne, peixe, ovos, iogurtes proteicos, batidos proteicos sem adoçantes, queijos duros) de preferência de produção local e orgânicos. As carnes frias como presunto e fiambre de peru, podem incluir-se neste grupo, mas algumas têm excesso de gordura animal e envolvem muitas vezes aditivos ou intensificadores de sabor;
    • gorduras limpas (pera abacate, azeite, óleo de coco). Evitar as gorduras hidrogenadas das refeições prontas e os óleos saturados dos fritos, e alguma moderação na gordura animal (embora a dieta Keto pura seja bastante permissiva com gordura animal);
    • legumes e saladas, ou seja, folhas exteriores (alfaces, couves, brócolo, curgete,…). Cuidado com os tomates, são um fruto e por isso com mais açúcar. Do mesmo modo, os tubérculos, ou seja, batata, cenouras, são as raízes que alimentam a planta e por isso ricos em hidratos de carbono, que importa restringir.
    • NOTA IMPORTANTE: enquanto que nas dietas keto e Paleo as proteínas e gorduras são “à discrição”, esta é apenas a primeira fase da transformação dietética, focada no controlo de peso. Com efeito, os estudos científicos demonstram que restrição proteica é importante para ativar os mecanismos de reparação celular e longevidade. Numa segunda fase, que veremos num próximo episódio, importa introduzir restrição calórica e jejum intermitente, bem como controlar as proteínas aumentando a proporção de vegetais.
  • 3 grupos que pode comer com moderação, de preferência fora das refeições principais:
    • Nozes (noz pecan, noz do brasil, macadâmia, amêndoa, noz), sem sal e não fitas (natural ou torradas). Cuidado com os amendoins e cajus (têm muitos hidratos de carbono);
    • Frutas pouco fibrosas (framboesas, amoras, morangos, ananaz, melância, maçã verde), evitando obviamente as frutas mais doces
    • Lacticínios: o leite (gordo ou magro) tem lactose que o corpo transforma rapidamente em glucose no sangue. Optar por queijos duros e iogurtes proteicos
  • Alimentos “proibidos”:
    • Cereais, nomeadamente pão, arroz, massas, cereais de pequeno almoço
    • Leguminosas, como feijão e tubérculos (batatas, batata doce, cenoura, tapioca,…)
    • Bebidas açucaradas ou com adoçantes: refrigerantes e bebidas energéticas
    • Açúcar e alimentos refinados, como bolos, gelados e chocolate
    • Adoçantes em geral, mesmo os que têm “zero calorias”. Apesar de terem baixas calorias, estes adoçantes têm índice glicémico alto e provocam picos de insulina tão ou mais elevados que o açúcar
  • Prémios: Este é um conceito que me é particularmente querido, sobretudo porque sou daquelas pessoas que gosta de saborear e comer. Podemos fazer escolhas inteligentes para os prémios esporádicos. Sim, esporádicos. Apostar na qualidade e reduzir a quantidade. Por exemplo, um pouco de chocolate negro pode fazer maravilhas para a sensação de prazer e serenidade – aliás, vamos falar da “meditação do chocolate”, uma introdução deliciosa à meditação como prática de apreciação consciente das coisas simples da vida, com presença completa no momento presente. Outra opção pode ser um copo de vinho ou whisky/vodka. Aliás, as bebidas brancas têm muito poucos hidratos de carbono, porque os açúcares foram transformados em álcool. Dito isto, têm bastantes calorias e sobretudo podem influenciar negativamente um outro pilar fundamental do bem-estar – um sono tranquilo. Portanto, se quer tomar um copo de vinho ou um whisky, opte pelo almoço de sábado ou domingo, nunca à noite para evitar afetar a qualidade do sono. Ah…. E gin tónico está absolutamente proibido, não por causa do gin (é semelhante à vodka) mas devido à água tónica que está carregada de açúcar e adoçantes. E… acertou, cerveja também está totalmente “out”, tem elevado conteúdo de hidratos de carbono, além de espuma e gás que provocam as famosas “barriguinha de cerveja” – nada contra, mas tem que optar.

Há evidências múltiplas das vantagens de saúde de uma dieta low-carb, reduzindo obesidade, diabetes, triglicéridos e doenças cardiovasculares. Voltaremos a este tema noutro episódio

Sem prejuízo de estar demonstrado que a transição para uma dieta low-carb é uma excelente opção para atingir o seu peso ideal (constituído por ossos e massa muscular, com gordura abaixo de 5-10% do peso corporal) e melhorar a saúde e bem-estar em geral, importa deixar uma nota de cautela. Se tiver histórico de distúrbios alimentares (como bulimia ou anorexia) não inicie estas práticas sem falar com o seu médico. Se estiver gravida ou a amamentar talvez seja melhor esperar alguns meses antes de “experimentar” estas alterações – o seu corpo já está em stress, pelo que provavelmente é uma má altura para acrescentar uma mudança extra.

As dietas low-carb foram inicialmente atacadas pela tradição médica, em especial a forma livre com que trata as gorduras “limpas” (ao contrário da prescrição tradicional de evitar gorduras) e a falta de fibra. A vasta maioria dessas críticas foi demonstrada irrelevante. No entanto, considero que há ainda alguns problemas relevantes com as dietas low-carb:

  1. Fibras: Uma dieta low-carb elimina a fonte tradicional de fibras (os cereais). Isso pode ser facilmente compensado com alimentos low-carb riquíssimos em fibras, nomeadamente framboesas, pera abacate, courgete e legumes. De qualquer modo, é crucial manter atenção ao consumo de fibras.
  2. Custo: É uma evidência. Uma alimentação que elimina a fonte mais barata e eficiente de fornecer calorias (os hidratos de carbono) tende a ser mais cara
  3. Ecologia: As dietas low-carb dependem de elevado consumo proteico, em particular de carne. A produção animal é responsável por cerca de 2/3 da área de terra dedicada à indústria agro-pecuária, sendo nomeadamente responsável pelo abate de floresta tropical para pastagens. Por outro lado, a industria pecuária (sobretudo carne de vaca) é a 3ª maior fonte de gases efeito de estufa, a seguir à indústria do aço e cimento e muito à frente das emissões de todos os transportes combinados. Durante o crescimento, os intestinos das vacas libertam quantidades massivas de metano, um gás com um efeito 25x superior ao dióxido de carbono (embora felizmente se decomponha 10x mais rápido).   
  4. Vegan: Há dietas keto adaptadas para vegetarianos (ver o livro ketotarian). Contudo, para uma opção vegan… esqueça.

No próximo episódio falaremos da outra prática que complementa naturalmente o low-carbs: a janela temporal restrita para comer, ou jejum intermitente. Uma consequência quase natural de reduzir os alimentos “fáceis”, que disponibilizam bombas de glicose ao corpo e são processados em 2-3 horas para os substituir por alimentos “dificeis” que obrigam o corpo a encontrar outras fontes de energia, é que nos sentimos saciados durante muito mais tempo. O corpo deixa de estar dependente do fornecimento continuo de hidratos de carbono e aprende a produzir energia a partir da gordura armazenada. Isso significa, simplesmente, que após alguns dias, sentimos necessidade de comer com menos frequência – a passagem para praticas de jejum intermitente é, por isso, uma consequência natural da redução dos hidratos de carbono.

Por fim, no terceiro episódio desta série dedicada a alimentação, falaremos de psicologia nutricional e alimentos que ajudam a manter a saúde cerebral e reduzir sentimentos de depressão.

Bom apetite!!

Este blog e podcast é uma experiência pessoal de descoberta. Quem quiser, é bem-vindo a juntar-se. Não esqueça de subscrever o podcast e recomendar a amigas e amigos. Podem ver mais informação sobre mim e as minhas publicações no site www.karlosk.com, subscrever o blog e ver o link para o podcast nas várias plataformas.

Morangos sem Açúcar: (5) Como dormir melhor – e porque é que isso interessa

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Olá. O meu nome é Carlos K. Bem-vindos ao meu podcast e blog “Morangos sem Açúcar”, uma série sobre corpo, mente e bem-estar – pessoal e do planeta em que vivemos.   

O mundo moderno vive com um défice crónico de sono de qualidade. Mais de 30% da população mundial dorme menos de 6h por noite, e 40% sofre de insónia, com cada vez mais pessoas a recorrer regularmente a sedativos para dormir. Em cada 3 medicamentos vendidos no mundo, 1 é psicotrópico, na sua maioria feitos para dormir. Na última década, a neurociência demonstrou que dormir menos de 7 a 9h por noite tem efeitos negativos severos e abrangentes. O velho adágio “durmo quando estiver morto”, pode estar totalmente certo, porque a falta de sono de qualidade pode matar, literalmente. Neste episódio discutimos a importância do sono, as consequências de dormir menos de 7h, a ilusão dos sedativos e o que podemos fazer para dormir melhor. A informação e conhecimento são críticos para nos convencermos da necessidade de fazer um esforço adicional para dormir melhor, mas se preferir, pode saltar já para o final deste episódio, com 6 Nãos e 5 Sims – hábitos para dormir melhor.

Antes de mais, permitam-me agradecer e celebrar os 150 ouvintes dos primeiros 4 episódios. Este 5º episódio é sobre um tema que considero particularmente relevante: o sono. Ao longo da história moderna, glorificamos homens e mulheres capazes de viver com pouco sono, como os pináculos de eficiência, dedicando tempo “produtivo” em vez de “perder tempo” a dormir. Einstein é conhecido por dormir mais de 10h por noite. Políticos famosos por conseguirem dormir pouco, como Napoleão, George Bush ou Thatcher, acabaram os seus dias dementes, com Parkinson ou Alzheimer… e a relação pode não ser mera coincidência.

O trabalho do neurocientista Matthew Walker, da Universidade de California Berkeley e que publicou recentemente um livro extraordinário sobre a ciência do sono, “Why we sleep”, é elucidativo sobre como as sociedades modernas têm subestimado a importância do sono. Consciente ou inconscientemente, a hora de deitar tem sido adiada progressivamente, com o advento da luz artificial, a tentação de responder a mais emails ou WhatsApp antes de dormir, ou na ilusão do conforto de mais um episódio de Netflix. A falta de sono na sociedade moderna é alarmante. E fazemo-lo conscientemente, desperdiçando o mais poderoso instrumento de rejuvenescimento, bem-estar físico e mental, beleza e capacidade intelectual que a natureza desenvolveu ao longo de milhões de anos.

Durante o sono, estamos mais frágeis e abertos a ataques de predadores. Se o sono não fosse um mecanismo essencial de sobrevivência, certamente a evolução teria eliminado esse estado de fragilidade e dependência há muitos séculos atras. Mas não apenas o sono perdurou durante toda a evolução, como ainda é comum a todos os seres vivos. A prova da importância de sono para os seres vivos é que todas, todas as espécies dormem – alguns animais marinhos, como as baleias que têm periodicamente que vir à superfície respirar, conseguem dormir metade do cérebro de cada vez, mas dormem.  

No início do século XX, antes do advento da eletricidade, muito poucas pessoas dormiam menos de 6h diárias, e essas provavelmente correspondiam aos c. 3% da população que tem o gene p.Tyr362His, que permite dormir 5h ou menos de forma saudável.

Porque dormir é importante

A evidência é avassaladora sobre a importância do sono, para a saúde mental, bem-estar psicológico, aumento de peso, aprendizagem, memória, saúde sexual, ou doenças neurodegenerativas como Alzheimer. O impacto da falta de sono é abrangente em muitas áreas da nossa vida.

Está cientificamente provado que falhar dormir um mínimo de 7h a 9h por noite de forma recorrente (e atenção que devido a eficiência do sono média de 80-85%, para ter 7h de sono efetivo temos que estar na cama, a dar oportunidade de sono, durante 81/2h) está associado a deterioração da memória, menor capacidade de aprendizagem, menor IQ e a longo prazo doenças neurodegenerativas como demência e Alzheimer.

A falta de 7h a 9h de sono regular está também fortemente relacionada com menor produtividade, energia e atenção. Estudantes e trabalhadores com menos de 7h de sono acabam inconscientemente por escolher fazer tarefas mais fáceis, repetitivas, menos criativas do que pessoas com uma boa noite de sono.

A privação de sono tem uma relação direta com ganho de peso e obesidade. Dormir pouco reduz os níveis de energia e sensação psicológica de fraqueza, o que tenderá a levar a maior ingestão calórica e menos exercício físico. Mas o impacto é ainda mais direto, devido à importância do sono na regulação de duas hormonas críticas do metabolismo: a leptina e a grelina, que gerem os sinais de fome e saciedade no nosso corpo. A leptina é a hormona responsável por transmitir ao cérebro a sensação de saciedade, gerando uma ordem de “deixar de comer”. A grelina é produzida no estômago e responsável por sinalizar fome. Enquanto dormimos, há uma regulação hormonal que mantém o equilíbrio do organismo. Durante o sono, o corpo produz leptina, permitindo aumentar a sensação de saciedade durante o dia. Pelo contrário, dormir pouco tem um duplo efeito: reduz a produção de leptina, ou seja, menor controlo da saciedade, e o estômago permanece ativo libertando mais grelina, e como tal a sensação de fome.

A falta de sono também enfraquece a imunidade, aumentando a suscetibilidade a doenças e reduzindo a eficácia de vacinas no desenvolvimento da imunidade.

Dormir bem está também fortemente relacionado com maior capacidade de perceber as emoções e compreender os outros, aumentando a empatia, o que é essencial em quaisquer atividades humanas e consequentemente para o sucesso das relações profissionais e pessoais. O reverso também é verdade: dormir melhor funciona como um balsamo de juventude, dando-nos um aspeto mais atraente e saudável que inspira confiança dos outros.

Homens que dormem menos de 6h por noite têm testículos significativamente menores do que os que dormem 8h ou mais cada noite, e o nível de testosterona desses homens com menos de 6h de sono é equivalente a homens 10 anos mais velhos. Em termos reprodutivos, privação de sone envelhece-nos uma década. O mesmo acontece com a saúde sexual feminina.

A falta de sono pode literalmente matar, não apenas por desatenção a conduzir mas também por aumento de risco de doenças cardiovasculares. Todos os anos, em cada um dos hemisférios, acontece a mais alargada experiência sobre o sono. No hemisfério Norte, no início do Outono atrasamos o relógio e a maioria das pessoas tem mais 1h de oportunidade de dormir, enquanto que no início da Primavera adiantamos o relógio e dormimos menos 1h. Há um pico estatisticamente significativo no número de mortes e acidentes cardiovasculares no dia após o adiantar da hora, e uma redução inversa no dia após atrasar os relógios.

Conseguir regularmente mais de 7h de sono é essencial para a memória e solidificar novas aprendizagens. Dormir não é importante apenas depois de uma nova aprendizagem, mas também antes. Experiências laboratoriais em humanos demonstram que após apenas 1 noite sem dormir, a capacidade de aprender e reter novos factos reduz em 40%. Mesmo dormir 3 ou 4h e atacar um novo dia para uma reunião importante é má ideia: ao fim de 20h sem dormir, o nosso organismo mostra sinais equivalentes a estar legalmente embriagado.

É na fase REM do sono, ou seja, quando sonhamos, que o cérebro explora novas relações entre os factos aprendidos, gerando explosões de ondas eletromagnéticas entre áreas distantes do cérebro que normalmente não comunicam, testando momentaneamente ligações neuronais diferentes e ligando factos recentes com experiências antigas. Este efeito do sono REM permite encontrar respostas inovadoras e gera disparos de criatividade nos minutos após acordar. Todos experimentamos ideias brilhantes no banho, de manhã, depois de uma boa noite de sono. Perante um problema complexa, a solução de “dormir sobre o problema” pode mesmo ser o melhor conselho.

Perante toda a evidência científica acumulada nas últimas décadas, porque insistimos no flagelo de dormir pouco, num bravado em frente da televisão ou no trabalho ou em noitadas no bar?

A magia acontece à noite

Cada noite, durante o sono, acontece algo absolutamente mágico, que podemos apenas admirar como uma obra de arte de milhões de anos de evolução. O sono tem dois momentos complementares: estado REM (rapid eye movement), que é o período durante o qual sonhamos (daí talvez a derivação do nome do grupo de música britânico REM), e estado nREM, ou não REM, de sono profundo sem sonho. O padrão de sono não é uniforme entre estes dois estados. Durante a primeira fase do sono, domina o estado nREM, de sono profundo, intercortado por curtos momentos REM. Em cada 60m, cerca de 50m são nREM e 10m são REM. Nas últimas horas do tal período de 8h de sono saudável, o padrão inverte-se, dominando a fase REM.

O padrão fisiológico é radicalmente diferente.

Na fase nREM de sono profundo, o cérebro é inundado por uma sinfonia harmoniosa de ondas eletromagnéticas constantes, do lóbulo frontal (a parte racional do cérebro) para a parte traseira do hipotálamo (o resíduo do nosso cérebro animal, onde residem as emoções). Nesta fase de sono profundo, sem sonhos, o cérebro conduz uma operação maravilhosa: analisa as memórias e experiências do dia, descartando o que é repetido e identificando o que é novo. Estas memórias e experiências novas, valiosas, são transferidas da zona de memória de curto prazo para o córtex cerebral, onde residme as memórias de longo prazo. A primeira parte da noite é como uma operação de limpeza do disco de um computador, descartando o irrelevante e armazenando de forma segura as novas aprendizagens. Ao mesmo tempo, liberta a zona de memória de curto prazo, uma espécie de RAM, para poder guardar novas experiências no dia seguinte. Portanto, esta fase de limpeza do nREM permite limpar o disco, guardar e proteger o que é importante e preparar o cérebro para um novo dia. Por isso, dormir é crucial quer antes quer depois de aprendizagem de novas experiências.

Após esta fase de limpeza, com ondas eletromagnéticas harmónicas da parte frontal para a parte traseira do cérebro, inicia-se a fase REM, onde acontecem os sonhos. E aí… bom, a música do cérebro muda de uma sinfonia harmoniosa para uma música explosiva e vibrante, com ondas eletromagnéticas entre todas as áreas do cérebro. É como se, depois de arrumada a casa e descartado o lixo, o cérebro se dedicasse a trocar informação entre os neurónios mais recônditos, testando relações, experimentando significados, misturando memórias. Curiosamente, durante a fase REM de sonho, o cérebro envia ordens reais de movimento para os membros – para caminhar, correr, falar. Contudo, nesta fase, a parte superior do sistema nervoso, que conduz as ordens do cérebro para os órgãos, fecha-se, bloqueando a transmissão dessas ordens do cérebro. Não é de surpreender que muitas ideias brilhantes, as mais criativas, surgem precisamente naqueles preciosos 5 a 10 minutos após acordar. O cérebro mantém-se em estado próximo de REM durante esse período, testando relações entre áreas afastadas e revelando novas relações, novas soluções e hipóteses antes escondidas.

Estas dança de ondas eletromagnéticas entre os milhões de neurónios do nosso cérebro que acontece durante o sono é uma maravilha, um dom criado pela natureza para fazer “reboot” ao sistema em cada noite.

O ritmo circadiano

O ritmo circadiano (do latim, circa + diem, ou seja, cerca de um dia) é o compasso que gere o nosso relógio biológico, a variação de ritmo e cadência das funções biológicas ao longo do dia, em períodos que se repetem em cerca de 24 horas. Este ciclo circadiano foi identificado em animais, plantas, insetos, fungos. Este ritmo circadiano é endógeno, gerado no hipotálamo e permanece mesmo se isolarmos um individuo num ambiente artificial constante, sem quaisquer variações de luz, temperatura e som diárias.  

Quando o dia começa a escurecer, o hipotálamo começa a gerar sinais ao corpo de que está na hora de se sentir cansado, através da melatonina. A pressão sanguínea, o apetite, o estado de alerta, a temperatura do corpo, níveis hormonais também são ajustados para preparar o corpo para dormir. A luz do sol funciona como se se tratasse de um interruptor entre a sonolência e os estados de alerta. O que é fascinante, contudo, é que mesmo num ambiente artificial sem variação de luz, temperatura ou sons, o ritmo circadiano se mantém.

O ritmo circadiano difere de pessoa para pessoa, e é importante aprender a respeitar o nosso ritmo natural. Para algumas pessoas, pode ser de facto penoso começar o trabalho ou a escola muito cedo, pelo que importa tentar desenvolver hábitos que favorecem o ajustamento do ritmo circadiano ao nosso estilo de vida.

O ritmo circadiano também vai mudando com a idade. Um bebé dorme mais de 16h por dia, as crianças com 6 a 10 anos tendem a adormecer mais cedo, enquanto que o ritmo circadiano normal de um adulto aponta para 8h de sono das 22h/23h até às 7h/8h. Curiosamente, na adolescência, o ritmo circadiano atrasa 3-4h, mantendo os jovens naturalmente acordados até à meia-noite ou 1h da manhã, para desespero dos pais… e de professores que têm que aturar jovens sonolentos e mal-dispostos de manhã.

A ilusão dos sedativos e hipnóticos

A maioria dos medicamentos para induzir ou manter o sono são sedativos ou hipnóticos, que inibem os recetores cerebrais para causar sonolência. Várias substâncias desenvolvidas como antidepressivos acabaram por ser adaptadas para estimular o sono, devido ao seu efeito de sedação e hipnose.

Eu sofri várias fases na minha vida com insónias muito violentas, por vezes passando a noite toda em claro. Em geral, sempre tive uma relação difícil com o sono, seja por efeitos de ansiedade e stress ou pura e simplesmente pela ilusão de que “dormir é uma perda de tempo”. É por isso muito tentador recorrer a medicamentos para dormir, sobretudo em fases mais críticas de insónia. Há medicamentos cada vez melhores nesta área, minimizando o efeito de habituação e dependência.

Infelizmente, tenho más noticias… os sedativos não induzem um sono natural e reparador. São uma arma muito mais grosseira. O efeito é aliás semelhante ao do álcool, induzindo sonolência e reduzindo a atividade cerebral. Mas um sono induzido por sedativos revela padrões eletromagnéticos no cérebro muito diferentes, como se o cérebro se apagasse – muito diferente da sinfonia de ondas eletromagnéticas do sono natural.

Podemos certamente usar algumas ajudas externas, em particular medicamentos não sujeitos a receita médica, como a melatonina (hormona produzida naturalmente pelo organismo) ou infusões relaxantes, para preparar o corpo e a mente para o sono. Contudo, com o tempo, o corpo acaba por reduzir a sensibilidade a essas substâncias ou reduzir a sua própria produção, gerando uma escalada continua de medicamentos mais fortes.

A longo prazo, é preferível desenvolver hábitos saudáveis de sono, que nos ajudem a dormir mais e com um sono de maior qualidade.

Como dormir melhor: 6 Nãos e 5 Sims

Como criaturas de hábito, podemos melhorar substancialmente a qualidade e quantidade de sono adotando uma higiene positiva de sono. Comportamentos que perturbam o sono e devemos evitar, pelo menos de forma regular, e hábitos que facilitam a criação de um ritmo saudável de sono.

Comportamentos negativos: 6 Nãos

1. Não fique horas na cama às voltas com a insónia. Se sentir que está há mais de 20 minutos deitado sem adormecer, levante-se da cama e faça alguma atividade relaxante, como ler, ouvir música ou meditar. Televisão ou ipad não incluídos. A ansiedade de tentar adormecer… impede-nos de adormecer. Vire despertadores para longe da cama, para evitar a tentação de ver as horas e aumentar a ansiedade de não estar a dormir. Na verdade, tentar controlar se já estamos a dormir é contraproducente. Como tudo, é importante ter consciência do que se passa na nossa mente. Se sentimos que estamos ansiosos por tentar adormecer, é importante tentar gentilmente desviar a mente para outros pensamentos: exercício de respiração para relaxar, meditação, música. Algumas apps (como Headspace ou Sleep) disponibilizam histórias lidas por vozes calmas – ouvir uma história pode ajudar a adormecer.

É frequente ficarmos obcecados com um problema, como o stress ou insónia, e passar a assumir que o problema faz parte de nós. É importante ter consciência que estes sentimentos e pensamentos são apenas isso, pensamentos e sentimentos, e podemos criar hábitos que nos libertam desses pensamentos obsessivos.

2. Evite exercício físico intenso 2 a 3 horas antes de deitar.

3. Evite cafeína e nicotina. Ambas as substâncias são estimulantes e o seu efeito perdura muitas horas no organismo. Café, colas, chá preto, chocolate contém cafeína, cujo efeito demora cerca de 8 horas a desaparecer. Como regra base, abstenha-se de café a partir do meio-dia (sim, mesmo o café depois do almoço perdura até à noite). Os fumadores também tendem a ter um sono mais ligeiro e acordar mais cedo de manhã por efeito de abstinência.

4. Evite álcool à noite. Vinho ou uma bebida branca à noite pode induzir um efeito de sedação que ajuda a “desanuviar” e adormecer, mas esse efeito é enganador. Tal como os medicamentos para dormir, o álcool não estimula o sono, mas meramente a sedação, ou seja, bloqueamento dos recetores cerebrais. Esse estado de dormência sedada é muito diferente do sono real, com padrões de ondas eletromagnéticas muito diferentes. Infelizmente, mesmo um copo de vinho ao jantar perturba o sono, reduzindo o sono REM e mantendo nas fases mais ligeiras do sono. Quantidades mais elevadas de álcool provocam sonhos confusos e perturbados, conduzindo a despertares noturnos quando o efeito do álcool passa e depois grande dificuldade de voltar a adormecer.

Isto é, de facto, uma chatice e vai muitas vezes contra hábitos que são também importantes, como a vida familiar ou socializar. Infelizmente, não deixa de ser verdade, e temos que saber gerir isso.

5. Evite as ceias ou beber líquidos antes de dormir. Uma refeição tardia, muito próxima da hora de dormir, desperta o organismo para a digestão. Beber muitos líquidos antes de deitar também aumenta a necessidade de acordar para ir ao quarto de banho a meio da noite, interrompendo o sono.

6. Evite sestas tardias ou adormecer no sofá. Uma sesta ao início da tarde pode compensar falta de sono durante a noite. Este padrão de sono polifásico, ou seja, com um sono mais longo à noite complementado por um sono curto depois de almoço – a conhecida sesta – é um hábito histórico em países quentes, aproveitando as horas de mais calor a meio do dia para descansar, quando o trabalho seria menos produtivo, de forma a aproveitar as horas mais frescas da noite. O hábito japonês de Inemuri, ou seja, sono curto no trabalho, é uma tradição milenar. Contudo, uma sesta ao fim da tarde ou adormecer no sofá à noite reduz o cansaço e atrasa a libertação de melatonina necessária para induzir o sono à noite.

Hábitos positivos: 5 Sims

1. Manter horas de sono regulares, todos os dias da semana. É tentador compensar falta de sono durante a semana dormindo mais ao fim de semana. Todavia, esse comportamento só perpetua o ciclo negativo. Depois de duas noites a dormir muito mais do que habitual, é natural sentir dificuldade em adormecer domingo à noite – e o “stress de domingo à noite” contribui ainda mais para isso. No domingo à noite deitamo-nos com a perspetiva do despertador impiedoso de segunda de manhã, e mesmo inconscientemente começamos a monitorizar se já estamos a dormir ou não… o que obviamente é a receita inevitável para não adormecer. Assim, a semana começa mal, uma segunda-feira improdutiva que nos obriga a arrastar o trabalho até mais tarde, e consequentemente dormir mais tarde na segunda à noite e por aí fora, esperando ansiosamente pelo fim de semana para uma sobredose de sono.

Desde logo, está demonstrado que este efeito de compensação não funciona. Ou seja, em estudos académicos, a perda de memórias, aprendizagem e empatia emocional de uma noite mal dormida só parcialmente é recuperada com “sono de compensação” posterior. O que se perde numa noite mal dormida é, quase integralmente, permanente.

Por outro lado, essa flutuação de horas de sono desregula o ritmo circadiano, tornando mais difícil adormecer durante a semana.

Portanto, um bom hábito é manter um alarme para hora de deitar e um alarme para hora de levantar, sensivelmente idênticos durante a semana e fim de semana.

2. Exercício e luz do sol: Tente conseguir pelo menos 30 minutos de exercício intenso diário, bem como 30 a 60 minutos de luz do sol direta de manhã e meio dia é também um poderoso instrumento de regulação do ritmo circadiano

3. Crie rituais de relaxamento à noite. Evite encher o dia com demasiadas coisas, que acabam por se prolongar até tarde. Procure evitar um jantar tardio. Depois, defina uma hora de preparar para dormir, crie um alarme para essa hora, faça tudo o que tem que fazer (preparar a pasta ou roupa para o dia seguinte, lavar os dentes, tomar medicamentos, etc) e depois guarde 20-30 minutos para uma atividade como ler, ouvir música ou meditar. Isto ajuda a desligar do dia e funciona como um sinal para o seu corpo induzir o sono.

4. Apague as luzes, coloque telemóvel em modo “não perturbar” e evite ecrãs LED. A principal causa da redução das horas de sono que a humanidade sofre foi, naturalmente, a invenção da iluminação artificial, que prolonga o dia e confunde o ritmo circadiano. Contudo, enquanto que as luzes quentes das lâmpadas tradicionais funcionam em comprimentos de onda que perturbam menos o ritmo biológico, as luzes LED dos televisores atuais e ecrãs de telemóveis são fortemente estimuladores para o organismo. A invasão dos ecrãs LED ameaça aumentar ainda mais a epidemia de insónia no mundo desenvolvido. Como tal, temos que ser intransigentes. Defina a hora de preparar para dormir que melhor se enquadra na sua rotina, e depois… não vacile. Veja isto não como algo negativo, de abdicar de mais um episódio de Netflix ou um filme Youtube, mas como algo positivo, de tratar de si para se sentir melhor. Tente sempre ver estes hábitos pelo ângulo positivo, do que está a conquistar, e não pelo negativo do que está a abdicar.

Ative o modo “não perturbar” do telemóvel para o período entre 1h antes da hora de deitar e 30m depois da hora de acordar. Este é o tempo para si, o mundo pode esperar.

Quando for hora de deitar, crie condições de escuridão total. Luzes apagadas, black-outs ou persianas, evite despertadores luminosos ou vire o monitor para longe da cama.

E já agora, elimine tudo o que possa ser foco de distração: barulhos, luzes (por exemplo, de ecrã de despertadores) e televisão no quarto.

5. Reduza a temperatura: Na preparação para o sono, o corpo precisa de descer a temperatura cerca de 2ºC, de forma a induzir a redução de pulsação cardíaca. As casas modernas, como temperaturas constantes controladas, perturbam o ritmo circadiano, que depende dos sinais exteriores de variação de luz e temperatura. Quando vemos crianças (e adultos) a dormir com os pés e as mãos de fora dos cobertores, isso é sinal de um quarto sobreaquecido, em que o corpo procura descobrir as extremidades (que são as principais áreas de pele descoberta por onde é mais fácil libertar temperatura). Vários estudos sugerem que a temperatura ideal para o quarto é abaixo de 18ºC. Antes de deitar, vá à varanda respirar fundo, para ajudar a descer a temperatura. Um hábito que muitas pessoas sentem ajudar a adormecer é um banho quente – mas por razões opostas às que normalmente se considera. Um banho quente aumenta a temperatura à superfície da pele e “engana” o organismo a pensar que está calor. Isso despoleta mecanismos de redução da temperatura corporal, como fazer subir sangue à superfície da pele (daí ficar rosado e com a pele vermelha depois de um banho quente), dissipando calor e ajudando a baixar a temperatura corporal.

Espero que estes hábitos ajudem a dormir melhor e reduzir a crónica deprivação de sono na sociedade moderna. Bons sonhos!

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Morangos sem Açúcar (episódio 4): como gerir o stress

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Olá. O meu nome é Carlos K. Bem-vindos ao meu podcast e blog “Morangos sem Açúcar”, uma série sobre corpo, mente e bem-estar – pessoal e do planeta em que vivemos.   

A Organização Mundial de Saúde classifica o stress como a “epidemia de saúde do século XXI”, afetando 90% da população mundial. O stress crónico pode originar problemas psicológicos, emocionais e físicos graves, como dores de cabeça, enxaquecas, dores musculares, problemas de pele, insónia, fadiga, aumento de pressão arterial e doenças cardio-vasculares, ansiedade, crises de pânico e até depressão clínica. Como gerir o stress, e porque é que isso importa?

O stress é uma reação positiva e natural do organismo, vital na luta pela sobrevivência desde os primórdios. Perante uma situação percebida como perigo, o corpo põe em movimento mecanismos instintivos e automáticos de “lutar ou fugir” ativados pelo designado “sistema nervoso simpático”. O nosso sistema nervoso autónomo é responsável pelas ações espontâneas do corpo, que não requerem uma decisão consciente ou ordem do cérebro: respiração, batimento cardíaco, digestão, controlo de temperatura corporal, entre outras. Este “auto-piloto” instintivo liberta o cérebro – enquanto general do sistema nervoso – para outras atividades. Este sistema nervoso autónomo é composto por duas componentes: o “simpático” e o “parassimpático”. O primeiro é responsável por preparar o corpo para responder a situações de perigo ou stress, através de aumento da frequência cardíaca e a pressão arterial para fazer chegar mais energia aos músculos, aceleração da respiração para recolher oxigénio, libertação de glicose no sangue, libertação de adrenalina para estimular a atenção e velocidade de reação, dilatação dos brônquios, dilatação das pupilas e aceleração da transpiração. Pelo contrário, o sistema nervoso “parassimpático” é responsável por controlar alguns sistemas não conscientes que funcionam em permanência, como a respiração, e também por fazer o corpo retornar a um estado emocional estável e de calma após um alerta, fazendo a frequência cardíaca e pressão arterial voltar ao normal, diminuir a adrenalina, diminuir a quantidade de glicose no sangue e controlar o tamanho das pupilas.

Todos conhecemos as manifestações do sistema nervoso simpático em situações de stress no nosso quotidiano. A questão é que ao longo do desenvolvimento da espécie, essas reações foram desenhadas como um mecanismo de emergência, para fugir de um leão ou defender um ataque – mas não um estado continuado. Os mecanismos de “fugir ou lutar” despoletado pelo sistema nervoso simpático foram desenvolvidos ao longo de milhões e anos para serem temporários e esporádicos, não crónicos e permanentes. As reações do corpo perante o perigo estão preparadas para gerir perigo, em situações de 30-45 minutos até conseguirmos escapar. Quando este estado de stress se prolonga de forma continuada ao longo da vida, num estado quase permanente de “alerta máxima”, as consequências podem ser terríveis. É como tentar forçar o velocista Usain Bolt a correr uma maratona…  

O stress da vida contemporânea resulta da pressão simultânea de múltiplos objetivos e requisitos sobre o nosso tempo, a nossa atenção. A digitalização da vida e do trabalho misturou as várias áreas da via (trabalho, família, amigos, informação, desporto, descanso) – como se todos esses mundos estivessem permanentemente em conflito e a puxar-nos para um lado e para o outro, competindo pela nossa atenção. Vivemos em estado permanente de “overload”. A velocidade do mundo digital faz com que as exigências sobre o nosso tempo se sobreponham, todas em simultâneo.

O Covid19, em grande medida, destruiu as últimas fronteiras entre trabalho, família e descanso. A sala de jantar, a escola das crianças e o escritório misturaram-se fisicamente no mesmo espaço, numa sucessão interminável de zoom, comer, dormir, repetir… as fronteiras esfumaram-se.

Mas se a pressão do stress na vida moderna é inevitável, que instrumentos, técnicas e hábitos podemos desenvolver para gerir o stress?

Mindfulness e meditação

Comecemos por alguns ensinamentos do conceito de “mindfulness”. A prática da meditação ou exercícios respiratórios são técnicas que estão cientificamente demonstradas funcionarem, mesmo em quadros clínicos depressivos, a resolver e a evitar a recaída, sendo mesmo mais eficazes do que medicação. Mas para além das técnicas propriamente ditas, é importante compreender alguns conceitos base subjacentes à prática de mindfulness.

1º) Acreditar no processo e dedicar o tempo, de forma continuada, a essa prática – caso contrário é muito fácil desistir ao fim de 3 ou 4 tentativas, até devido a preconceitos sobre o que é a meditação. Não é preciso muito tempo. Podemos começar com 3-5 minutos de exercícios respiratórios, subir para 10-15 minutos de meditação e eventualmente tentar chegar a 15-20 minutos diários. Mas a dedicação continuada diária é a base para ganhar confiança de que, em qualquer momento, quando a stress ataca e começamos a hiperventilar, há sempre um espaço de calma, de energia, dentro de nós que podemos mobilizar em qualquer momento. Esta confiança no processo permite acreditar que podemos sempre sair de um estado de ansiedade e mobilizar essa energia e calma que existe naturalmente em qualquer momento.

2º) A meditação como prática continuada permite reconhecer que a ansiedade, a tristeza, o stress, enfim, as emoções, não existem por si mesmo, são produtos da mente e passageiras. Os pensamentos e as emoções não são o Eu, mas criações do Eu. Isto permite ganhar um certo distanciamento, como que a observar à distância esses pensamentos e emoções, aceitando-os em vez de tentar forçá-los a mudar ou alimentar emoções em cima de emoções, do tipo, “mas porque é que estou a stressar, não sejas parvo”.

3º) O que as experienciais iniciais de meditação demonstram – e é preciso passar pela experiência para ter consciência disto – é que não é possível controlar a mente com a mente. As primeiras tentativas de estar 10 minutos com a mente limpa, concentrada no momento presente, são avassaladoras para a maioria das pessoas. Há uns anos eu tentei começar a praticar meditação, mas desisti ao fim de uma semana. A tentativa de “parar a mente” deixava-me ainda mais ansioso. As meditações guiadas têm um imenso valor para nos salvar dessa angústia, perceber que a mente deambular é normal, e ser meigo com a mente em vez de a tentar forçar.  A mente não para quieta, está sempre a explorar ligações, a lançar hipóteses, a testar o mundo à nossa volta… são precisos muitos meses, anos, para treinar a mente a “deixar passar”, ou seja, “ver” uma ideia ou pensamento a surgir, sorrir e gentilmente deixá-la passar, regressando ao foco do momento. Podemos escolher conscientemente a que pensamentos dar atenção e quais deixar passar. Esta ideia é, para mim, a mais poderosa do mindfulness. Num mundo hiper-racional e analítico, é quase contranatura reconhecer que não podemos forçar a mente a mudar uma emoção com argumentos racionais. Na maioria dos casos, perante um problema, mobilizamos a nossa mente racional e o estado “Fazer” para resolver esse problema. Perante uma emoção ou sensação negativa, tendemos a recorrer à arma com que o cérebro está habituado a resolver problemas – o pensamento racional. Só que pensar sobre a emoção, as suas causas ou tentar forçar a emoção a mudar é contraproducente. No caso das emoções e sentimentos (ansiedade, angústia, medo), funciona ao contrário. Ao aplicar a análise racional aos sentimentos, a mente percebe de forma ainda mais aguda esse sentimento, foca-se no desvio entre o que sentimos e o que gostaríamos de sentir, intensificando ainda mais esse sentimento numa espiral que se auto-alimenta.

4º) Reconhecer e aceitar as emoções, sem juízos de valor. Perante uma emoção negativa, em vez de correr em pânico para sobre-analisar ou tomar anti-depressivos ou intensificar a emoção negativa com sentimentos de culpa, podemos simplesmente aceitar a emoção por aquilo que é – uma criação da mente, passageira. Isto não significa passividade. De todo! Naturalmente temos que fazer as nossas escolhas e lutar por elas, definir o modo como queremos interagir com o mundo em que existimos. Significa apenas que não é preciso que esteja tudo perfeito para estar feliz. A experiência da meditação mindfulness coloca-nos frente a frente com nós próprios, treinando o hábito de reconhecer as emoções sem fazer juízos de valor e sem as tentar mudar, deixando correr o seu curso natural. Esta aceitação permite-nos gerir o stress, ansiedade, sem ser assoberbados por esses sentimos.

5º) Visualizar o bem-estar. A consequência natural de aceitar as emoções negativas como uma criação temporária da mente, é reconhecer que o estado natural da essência de existir é de calma e felicidade. Essa calma e felicidade são inerentes ao nosso modo SER, independentemente da agitação quotidiana do nosso modo FAZER. Por vezes podemos pensar “só queria que o mundo parasse”. Mas o mundo não para. Só que toda essa agitação é apenas a superfície da água. Nas águas profundas do SER, mantém-se uma fonte inesgotável de calma, serenidade e felicidade. Podemos habituar-nos a visualizar esse bem-estar, assente numa sensação de gratidão pela experiência de estar vivo e na partilha dessa experiência com aqueles que nos rodeiam. Não vale a pena pensar analiticamente, tentar convencer-nos racionalmente. Toda a experiência de viver tem coisas boas e coisas más, pelo que o bem-estar não é uma balança ou uma lista. Em vez de pensar sobre o bem-estar e a felicidade podemos tentar visualizar a sensação de bem-estar e felicidade. Mesmo nas coisas pequenas do dia a dia, viver com atenção plena ao momento presente, visualizando o bem-estar essencial que não depende das tempestades à superfície.

Com consciência destes princípios do mindfulness, as técnicas de meditação usam a “visualização”, orientando a mente para se focar numa radiografia interna do corpo, ou na respiração, ou numa imagem de luz e espaço a encher o corpo. Esse foco no corpo, na permanência do Eu, na inevitabilidade serena da respiração, sem tentar mudar a realidade, mas apenas observar e sentir a realidade, dá uma âncora de referência à mente e permite ganhar consciência de quando a mente começa a desviar, a derivar e gentilmente trazê-la de volta.

Com tempo, vamos ganhando consciência de que as emoções são isso mesmo, emoções, passageiras, criações da mente que não nos definem. Não controlamos as emoções, mas podemos ganhar um maior sentido de autoconsciência para perceber quando a mente está a começar a derivar e gentilmente trazer de volta ao presente, evitando cair na armadilha de sobre-analisar as emoções. Aprender a não julgar a emoção, mas dar espaço a que se desenvolva naturalmente e depois termine. E isso permite não sermos assoberbados por esses sentimentos. Não conseguimos eliminar a ansiedade ou frustração ou o stress, mas podemos lidar melhor com esses sentimentos para não sermos enterrados.

Como treinar um cachorrinho, quando a mente se distrai e ameaça entrar num loop de negatividade, sorrir, mas gentilmente regressar à emoção, senti-la sem julgar, aceitar esse desconforto com naturalidade, mas que não compromete a essência de energia, calma e felicidade que continua a existir no nosso estado natural. Com tempo, o padrão de pensamento obsessivo, a tendência de alimentar a emoção com pensamento, vai reduzindo. Mas é preciso treinar.

O poema de Alberto Caeiro um heterônimo de Fernando Pessoa, descreve de forma magistral a mentira da razão para sentir o mundo:

“Olá, guardador de rebanhos, / Aí à beira da estrada, / Que te diz o vento que passa?”

“Que é vento, e que passa, / E que já passou antes, / E que passará depois. / E a ti o que te diz?”

“Muita cousa mais do que isso. / Fala-me de muitas outras cousas. / De memórias e de saudades / E de cousas que nunca foram.”

“Nunca ouviste passar o vento. / O vento só fala do vento. / O que lhe ouviste foi mentira, / E a mentira está em ti.”

Barreiras auto-impostas

As empresas, organizações internacionais e indivíduos estão a ganhar uma consciência crescente dos problemas de stress, do “burn-out” da necessidade de equilíbrio entre vida profissional e pessoal. As melhores empresas do mundo reconhecem os ganhos de produtividade e criatividade de promover o bem-estar físico e mental dos seus colaboradores. Na economia do conhecimento, a criatividade vale mais do que a produtividade repetitiva. Contudo, vivemos ainda numa sociedade que glorifica o trabalho e os “big achievers” que sobem a hierarquia corporativa pela sua dedicação e competência. A minha história pessoal começou desse modo. Trabalhei em Wall Street e na City de Londres, onde semanas de 90 e 100 horas de trabalho eram frequentes… e tiveram consequências mais tarde.

Sem prejuízo de ser essencial mudar as atitudes sociais face ao bem-estar e tempo de descanso pessoal, creio que a maioria das barreiras são auto-impostas, pelo modo como nos vemos a nós próprios ou queremos apresentar-nos ao mundo. Estes obstáculos auto-impostos podem surgir de ambição/autoimagem, sentimento de culpa ou comprazimento na dor.

Comecemos pela ambição e auto-imagem. A forma como queremos ser vistos – trabalhadores empenhados, pais dedicados, heróis do fitness – pode transformar a vida num show, um espetáculo que montamos para os outros. Nessa obsessão por provar o que somos, corremos o risco de nos esquecer de ser. Quase como se nos flagelássemos conscientemente para “merecer” uma vida melhor, em que tirar tempo desligado é quase um crime. As montras das redes socias amplificam tremendamente este fenómeno. Já não é apenas no trabalho que estamos a “provar” o que valemos, mas em cada segundo das nossas vidas, desde a foto do pequeno almoço postada no Instagram até ao pôr do sol que em vez de ser vivido é postado no Facebook.

Outra forma como este obstáculo auto-imposto pode surgir é por sentimento de culpa, sentindo que tirar tempo pessoal é quase um ato de egoísmo. O tempo de descanso de ir ao ginásio ou de meditar podia ser usado para responder a mais uns emails ou para ir buscar as crianças à escola. Mas tal como num avião, os procedimentos de segurança dizem para primeiro colocar a própria máscara antes de ajudar os outros. Na vida é a mesma coisa – tenho que saber tratar de mim antes de poder ajudar os outros. E estar confortável com isso.

Uma outra barreira auto-imposta é a familiaridade ou comprazimento na tristeza. Por vezes estamos tão imbuídos de um sentimento, de stress, ansiedade ou tristeza, que começamos a identificar-nos com esse estado de espírito, como se nos definisse. Estamos tão entranhados na luta interior, na ansiedade, frustração, stress que parece que faz parte de nos – temos medo de deixar ir essa sensação, essa luta interior, por medo de não saber o que a substitui.

De certa forma, é como se preferíssemos um estado negativo a que estamos habituados, pelo receio do desconhecido, do que possamos encontrar ao sair desse estado.

Portanto o primeiro passo neste caminho é remover esses obstáculos auto-impostos. É ok tirar tempo pessoal! Repita: É ok tirar tempo pessoal!

Mais: trata-se na verdade de uma equação estranha. Quanto mais tempo tiro para mim, mais eficiente, criativo consigo ser e as coisas importantes aparecem feitas. Estudos académicos mostram que trabalhadores cansados, inconscientemente escolhem coisas mais fáceis e automáticas para fazer. Podem continuar atarefados, mas estão inconscientemente a optar por despachar emails em vez de fazer aquele telefonema critico para um cliente.

Não podemos esperar que a lista de pendentes esteja vazia – as execráveis To Do Lists. Nunca vai estar. Não podemos gerir vida pela nossa caixa de entrada do email, sob pena de dedicar os nossos melhores esforços a limpar listas em vez de a fazer as coisas importantes ou a dar espaço para ideias brilhantes.

Resiliência pessoal e aprender a viver com o desconforto

Hoje, lidamos muito mal com o desconforto. Crescemos com a ideia do direito à felicidade e nessa busca acabamos por cair numa armadilha. A busca continua do conforto – comida, analgésicos, ar condicionado, entretenimento – oferecido facilmente à mente e ao corpo, reduz a resiliência perante a adversidade. Pior, cria a ilusão de que deveríamos ser felizes – se temos tudo, as sensações de frustração ou ansiedade só podem ser “culpa minha”. O hábito de “fazer coisas” em busca da felicidade cria a armadilha de tentar mudar emoções: comer um chocolate ou suplementos ou antidepressivos ou álcool ou tabaco. Em vez de “estar” com emoção tenta-se forçar a mudança por vias exteriores. Se estamos sempre focados a tentar mudar emoções, acabamos num estado de insatisfação permanente.

Nesta abordagem “coisificada”, a felicidade torna-se um estado efémero, porque por natureza a felicidade é um estado de plenitude e dessa plenitude apenas pode haver desvios negativos. Aquilo que as culturas milenares mais espirituais do que o ocidente nos ensinam – mesmo expurgando quaisquer considerações religiosas – é que devemos encarar isto ao contrário. Ou seja, a felicidade é um estado natural, profundo e permanente, no centro do mero facto de Ser, independente dos desafios, lutas e problemas que diariamente se debatem à superfície dessa existência.

Da mesma forma, a plêiade de estímulos externos com que somos bombardeados desconectam do Eu, limitam o tempo para auto-reflexão. Vivemos de fora para dentro: redes sociais, netflix, relógios de fitness – estamos sempre à espera que uma coisa nos entretenha ou nos diga o que fazer – em vez de simplesmente estar.

A alternativa é aceitar o desconforto – físico ou emocional – sem recorrer a paliativos fáceis e ganhar consciência da nossa força. Isso dá-nos resiliência para gerir o stress e as pressões do mundo externo. É curioso pensar que a nossa mente e corpo precisam de desconforto, de ser desafiados, para se manterem em plenitude. O desconforto em provas como ultra trails ou maratonas permitem testar os nossos limites, são antes de tudo um diálogo interior de força mental.

Há várias formas de aumentar a resiliência física e mental. O geneticista australiano e professor da Harvard Medical School, David Sinclair, propõe três particularmente eficazes:  alguns tipos de exercício físico, nomeadamente levantar pesos, jejum intermitente (sem sub nutrição) e temperaturas baixas ou altas. 

Mecanismos práticos de gestão de stress

Dormir. Este é o melhor conselho que qualquer pessoa informada pode dar para gerir o stress. Dormir um mínimo de 7h por noite, o que com uma “eficiência de sono” média de cerca de 80%-85%, exige 8h1/2 na cama a tentar dormir. Isto é um tema de tal forma crucial que teremos que dedicar um episódio inteiro.

Prática regular de meditação, começando com 5-10m diários e subir progressivamente até 15-20m. As primeiras experiências podem ser angustiantes, tentar “parar a mente” nem que seja apenas por uns minutos é difícil. Por isso são muito úteis as meditações guiadas – em estúdios ou com apps ou vídeos do youtube. Há várias apps no telemóvel ou vídeos no Youtube com excelentes meditações guiadas ou exercícios respiratórios. Eu pessoalmente uso a app Headspace para meditações diárias de 15-20 minutos. A voz e estilo do guia influência a experiência pelo que cada pessoa terá que escolher o que melhor funcionar para si.

Exercícios de respiração. Há vários vídeos no you tube e apps, bem como exemplos muito interessantes de um neurocientista de Stanford, Andrew Huberman. O diafragma é um musculo que controla a subida e descida da caixa torácica. Quando inspiramos, o diafragma sobre para abrir a caixa torácica, e isso deixa menos espaço para o coração. O coração fica ligeiramente mais pequeno e por isso tem que bombear mais rápido o sangue, aumentando a batida cardíaca e pressão arterial. Quando expiramos, o diafragma desce e deixa mais espaço para o coração, baixando a batida cardíaca. O poder da respiração no controlo do stress é enorme. Os militares de Special Ops americanos são treinados para quando estão prestes a iniciar uma missão difícil, manterem uma respiração controlada de 5-5-5-5: inspirar em 5, suster 5 expirar 5, suster 5. Há várias outras técnicas que controlo respiratório, sendo o princípio que tornar a expiração mais longa do que a inspiração (inspirar rápido e expirar como por uma palhinha) permite reduzir a batida cardíaca e aliviar o stress.

Jejum intermitente. Há evidência crescente que aumentar a resiliência pessoal, reduzindo o nível de conforto, tem benefícios de saúde generalizados, com impacto positivo na gestão de stress redução de doenças como Parkinson e aumento da esperança e qualidade de vida. Comer a cada 3 horas mantém o organismo num estado permanente de stress digestivo desviando atenção e recursos importantes para outras funções (nomeadamente de reparação e proteção do ADN celular) para gerir o processo digestivo. Embora ainda não haja uma explicação cientifica plena sobre a ligação entre restrição calórica por via de jejum intermitente e equilíbrio mental e funcionamento do sistema nervoso, a ideia defendida pelo influente geneticista David Sinclair da Harvard Medical School é que indução de estados controlados de privação permitem ao epigenoma entrar em modo de “proteção e reparação” do ADN. Sublinhe-se que não está em causa restrição calórica que cause subnutrição. Aliás, várias experiências sugerem que mais importante do que o que se come ou quantas calorias, é quando se come. Ou seja, os benefícios decorrem de espaços longos sem comer. Algumas pessoas fazem 16-8 (16h sem comer, e concentrar a ingestão de alimentos em 8 horas, por exemplo das 13h às 21h), ou 1x por semana 24h sem comer, ou cada trimestre um jejum de 2 ou 3 dias.

Temperaturas frias ou quentes. O mesmo David Sinclair sugere que temperaturas fora da zona de conforto despoletam de forma muito efetiva os mecanismos epigénicos de autoproteção e reparação, aumentando a resiliência física e mental. Experimente no final do duche fechar a água quente e aguentar 30-45 segundos na água fria. Ou ir nadar no Atlântico em dezembro sem fato térmico. Eu faço ambos.

Exercício físico. É sobejamente reconhecido que o exercício faz bem. O que por vezes se ignora é que os benefícios não são apenas físicos. Na verdade, durante a prática de exercício físico – em particular compressão muscular, ou seja, levantar coisas pesadas – ao músculos libertam químicos (como a dopamina) que passam a barreira do cérebro e geram sensação de otimismo e bem-estar. É extraordinário como o corpo tem mecanismos para criar os seus próprios anti-depressivos.

Disciplina matinal. Para mim esta disciplina funciona muito bem. Se a primeira coisa que fazemos ao acordar é pegar no telemóvel, a probabilidade é que no ecrã de notificações haja uma mensagem de WhatsApp ou um email para responder ou uma notícia para ler. Puffff… e lá vai a nossa mente numa espiral. É valioso proteger a rotina matinal, idealmente 10-15m de meditação, 20-30m de exercício físico tomar banho sem ter a mente a 1.000 km/h e poder preparar o corpo e a mente para o dia. 60 minutos sem telemóvel de manhã. E já agora, o mesmo de aplica antes de deitar.

Rituais e rotinas. A mente precisa de ter espaços seguros onde se sinta à vontade. Criar rotinas permite a mente gerir o dia a dia sem ter que estar sempre em alerta.

Tudo isto são formas de criar confiança no corpo e mente para enfrentar os desafios e stress do quotidiano com mais ligeireza. Com tempo, estas práticas permitem libertar-nos das sensações negativas de stress, ansiedade ou frustração que estão a sugar a energia. O que fica, depois de retirar os sugadores psicológicos de energia, é apenas isso: energia pura, luminosa, quente e reconfortante, como a luz do sol, que sabe ser e brilhar.

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Morangos sem Açúcar (episódio 3): corar faz de nós humanos

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No episódio de hoje, proponho olharmos para o tema do bem-estar coletivo imposto pela crise climática de uma perspetiva diferente, que vai além das frases bonitas, das boas intenções ou das manifestações. Primeiro: no imediato, que custos estamos dispostos a suportar para implementar a profunda mudança da estrutura de produção e consumo que se impõe? Segundo: somos, enquanto espécie, confiáveis para tomar as decisões certas?

No último episódio, conversamos sobre a crise climática, os desafios de salvar o planeta, a biodiversidade e a sobrevivência da nossa espécie. Este é o projeto mais importante de cada pessoa viva atualmente – se falharmos, podemos não ter uma segunda oportunidade.

Há cada vez mais um consenso alargado sobre a origem humana das alterações climáticas e o risco para a qualidade de vida das gerações futuras ou até a nossa sobrevivência. Contudo, a maioria das pessoas não ganhou ainda consciência de quão colossal e urgente é essa mudança, ou dos custos gigantescos e adaptações à economia física (forma como produzimos, consumimos e descartamos coisas) que serão necessários. Este é, provavelmente, o maior desafio da nossa história coletiva enquanto espécie: mudar radicalmente toda a economia física, num curto espaço de tempo.

Terminamos o último episódio com uma nota positiva sobre as soluções que ciência e tecnologia poderão trazer. Contudo, os custos e investimentos para encontrar as soluções e adaptar a economia serão colossais. Estamos disponíveis para aceitar esses custos?

O petróleo é uma matéria prima tão entranhada na economia mundial por razões evidentes: é uma fonte de energia abundante e barata (um barril de petróleo tem cerca de 159 litros, pelo que mesmo a 80 USD/litro o petróleo custa menos do que uma garrafa de água ou de coca-cola); pode ser facilmente transportado; disponibiliza uma fonte de energia imediata e controlável; e a refinação produz uma série de outros produtos (plásticos, lubrificantes, colas, etc) que são conspícuos na vida moderna.

A substituição do petróleo e gás natural por energias renováveis tem desafios significativos. É verdade que atualmente a energia eólica e solar são mais baratas como fontes e eletricidade do que os combustíveis fosseis. Contudo, coloca desafios de intermitência (como fornecer quando não há sol ou vento?), de transmissão a longas distâncias (a eletricidade tem que ser produzida próxima dos pontos consumidores), de poder energético (ainda não se consegue atingir as temperaturas necessárias para o forno de aço com eletricidade), armazenagem (preço e capacidade das baterias) e renovação da rede elétrica.

O aumento de preço do petróleo e da eletricidade que se assiste em finais de 2020 é talvez o primeiro teste ao que o publico (e políticos) estão dispostos a pagar pela transição energética. Na verdade, o aumento dos preços da eletricidade tem várias causas, que não apenas relacionadas com as renováveis:

  • aumento da procura mundial estimulada pelos pacotes de recuperação económica pós Covid com politicas monetárias e orçamentais expansionistas
  • inverno particularmente frio no hemisfério norte (baixando as reservas de gás natural), conjugado com menor disponibilidade de vento, sol e hídricas no verão
  • desinvestimento pelas empresas energéticas em novos projetos de petróleo, gás ou centrais térmicas a carvão, decorrente de perspetivas de “fim dos combustíveis fósseis” ou forçados pelo crescimento brutal de fundos com critérios “green investment”
  • aumento do preço das licenças de carbono na Europa decorrente de mudanças legislativas no mercado de carbono europeu

Sem prejuízo da variedade de fatores, começam já a ouvir-se vozes de preocupação sobre o impacto da transição para energias renováveis no preço da eletricidade. Este é talvez o primeiro teste real de até onde consumidores e políticos estão dispostos a ir para assumir os custos da mudança climática.

A Europa tem sido um líder mundial na transição energética, mas parece-me faltar três aspetos importantes para que a revolução ecológica seja exequível:

  1. Transparência sobre o “sangue, suor e lagrimas” que serão necessários. Os líderes mundiais têm que explicar de forma clara e transparente às pessoas comuns a dimensão do desafio e os custos com que devemos contar. A sucessão de promessas para 2050 e o bombardeamento comunicacional de todas as empresas a querer mostrar-se “verdes” ameaça criar uma ilusão de que será fácil. Surpreendidos com os custos e dificuldades da transição, a opinião publica pode vacilar… e por consequência os políticos.
  2. Um modelo de incentivos e investimento direto em novas tecnologias e I&D que permita reduzir o “green premium” em indústrias como aço, cimento, pecuária e transportes. A questão é de economia elementar. Se produzir aço verde custar o dobro do aço normal, então mesmo que tenha que comprar licenças de carbono ainda será preferível comprar a licença e produzir aço normal. A única forma de estimular a adoção de tecnologias verdes é aproximar o seu custo das tecnologias convencionais.
  3. Colocar os temas da economia circular no centro da discussão sobre mudança climática. Para reduzir as emissões teremos que produzir menos, mas nos países desenvolvidos não se antevê consumir menos e os países em desenvolvimento vão consumir mais. Assim, exceto por uma tecnologia milagrosa, teremos que alterar a lógica linear de produzir-consumir-descartar para reforçar a reintegração dos materiais no processo económico. Atualmente, extraímos materiais do planeta a um ritmo 5x superior à capacidade de regeneração. É necessária uma alteração sistémica estrutural de todo o ecossistema económico para reverter esta lógica extrativa de recursos.

Apesar da urgência da transformação que se impõe, uma mudança demasiado rápida tem um risco: o de acabar com o consenso global sobre o clima. Se consumidores e políticos sentirem uma escalada demasiado rápida de preços que compromete o estilo de vida, podemos enfrentar uma reação negativa aos esforços climáticos.

Estamos assim numa encruzilhada fundamental da história do Homo Sapiens, em que teremos que tomar decisões rapidamente, com informação incompleta e balanceando objetivos contraditórios. O que nos leva a uma outra questão, mais fundamental e filosófica: estamos preparados para esse desafio? Podemos confiar na humanidade, enquanto espécie, para tomar essas decisões das quais depende o futuro da vida na Terra… e talvez no Universo?

A resposta depende da forma como vemos a natureza intrínseca do ser humano, e da forma como se molda a ação coletiva, entre consensos, jogos de poder e interesses.

Convenhamos que os últimos 100 anos da nossa história apontam para uma visão bastante cínica e pessimista do Homo Sapiens. Duas guerras mundiais, o holocausto, guerras civis devastadoras de Espanha à Jugoslávia, limpezas étnicas, guerras de independência colonial, regimes autoritários, jihadismo islâmico, racismo… enfim, os exemplos da perversidade e maldade humana na história recente são avassaladores, a ponto de levar mesmo os mais otimistas a perder a esperança na espécie humana. Essa ansiedade pela ação coletiva, em que o individuo está subjugado por forças que não controla, funciona como uma gigantesca nuvem cinzenta sobre todos – não admira que nas últimas décadas tenha crescido exponencialmente a ansiedade, depressão e sentimentos de perda de controlo num mundo que deixou de ser local para passar a ser global. Num paralelo com a Guerra das Estrelas, o Dark Side parece estar a dominar a Força.

Mas permitam-me alguns reparos…

Primeiro, sem negar as atrocidades do século XX, podemos ver a nossa história recente como um momento de passagem à nossa idade adulta coletiva – como se a humanidade fosse uma criança rebelde habituada a jogar com armas de brincar e de repente na adolescência lhe fosse entregue armas de destruição maciça. Essa experiência dura, muito dura, terá talvez sido necessária para ganharmos consciência do nosso poder enquanto espécie. Como disse o avô do homem-aranha ao jovem que descobrir os seus novos poderes, “with great power comes great responsability”.

Segundo, os últimos 100 anos assistiram a uma redução sem precedentes do número de pessoas a viver abaixo do limiar de pobreza, a esperança de vida disparou, mortalidade infantil a nível mundial desceu. Atrever-me-ia a dizer que, apesar das desigualdades globais e da ameaça da crise climática, nunca houve melhor momento na história da humanidade, em termos de indicadores objetivos de qualidade de vida, saúde e educação. Mesmo incluindo duas guerras mundiais, no último século menos de 10% da humanidade morreu devido a violência, malnutrição ou doença, o nível mais baixo desde a sedentarização há c. 10.000 atrás.

Terceiro, a humanidade é eminentemente social. Essa sociabilidade – que é como quem diz, o Homo Sapiens é por natureza dócil, amigável, pacífico – é a característica distintiva da nossa espécie e a base da evolução. Só que, curiosamente, essa mesma sociabilidade tende a criar sentimentos muito fortes de pertença a um grupo: “nós” e “eles”. Tudo o que cria elementos de lealdade a um grupo pode originar hostilidade perante ameaças externas. Por isso, acredito que o processo de globalização económica e cultural que vivemos nas últimas décadas é crucial para podermos atingir a tal “Aldeia Global”. O que vou dizer é certamente controverso, mas atrevo-me a afirmar que a prazo, as redes sociais são um instrumento poderoso de globalização cultural e como tal de eliminação do “eles”. Quando os nossos jovens com a mesma facilidade dançam no tik tok (uma app chinesa) e postam no instagram ou comentam no Twitter, estão a afirmar-se como cidadãos globais. Claro que o risco do “imediatismo” é imenso nestas redes sociais, ou seja, opinar com base em meia dúzia de frases, sem capacidade introspetiva e reflexiva. Mas isso seria matéria para outro episódio.

Voltemos por isso à questão inicial: a natureza humana permite-nos confiar que seremos capazes de tomar as decisões certas? A questão é crucial, mesmo para o nosso bem-estar mental individual: se a resposta for negativa e estivermos por isso a caminho de um abismo inevitável de destruição ambiental, abre-se um gigantesco buraco negro de angústia e depressão perante um futuro negro.

Rousseau vs Hobbes

O debate filosófico sobre a natureza humana é encarnado por estes dois autores do século XVIII. Para o inglês Hobbes, o Homo Sapiens é por natureza violento e selvagem e só a civilização, o Estado podem conter esses impulsos violentos. O francês Rousseau, pelo contrário, opôs-se a esta visão de Hobbes com a “teoria do bom selvagem”, em que a humanidade é por natureza boa e amigável e é a civilização, as desigualdades de estatuto inerentes a um Estado, que tiram esse bom selvagem do seu estado natural de contentamento, forçando-o a entrar na luta da ascensão social.

É fácil imaginar um futuro em que a solução para a crise climática seja Hobbesiana. Uma classe de privilegiados, com mais dinheiro, educação, controlo de computadores super-potentes e acesso a melhorias biónicas que perpetuam e intensificam o fosse entre “Sapiens de 1ª” e “Sapiens de 2ª”, constroem uma muralha física ou virtual onde vivem confortavelmente, continuando a explorar o planeta, mas deixando a maioria da humanidade fora dessa “muralha de conforto”. Ou seja, os “Sapiens de 2ª” seriam rejeitados para condições de vida pré-industriais. Seja pela morte ou redução de capacidade reprodutiva destes Sapiens de 2ª seja pela redução maciça da sua capacidade de consumir, a crise climática resolver-se-ia de forma brutal: baixar drasticamente o consumo de biliões de seres humanos.

É certo que Hobbes parecia que estava a ganhar a discussão ao longo do século XX. Aliás, vários estudos antropológicos sugeriam a violência latente dos povos primitivos, de que é exemplo a autoextinção dos habitantes da ilha da Páscoa, no Pacífico.

No entanto, um livro recente publicado por Rutger Bregman, intitulado HumanKind, apresenta um argumento e factos convincentes a sustentar a natureza “boa” da humanidade, ou seja, Rousseau. Recomendo vivamente a leitura do livro, que apresenta uma visão refrescante e otimista sobre o Homo Sapiens – permitindo-nos acreditar que seremos capazes enquanto espécie de enfrentar este enorme desafio climático.

O argumento chave é, aliás, evolutivo. A característica única que diferencia o Homo Sapiens dos múltiplos outros hominídeos que a dada altura coexistiram com o Sapiens (por exemplo, o Neanderthal) ou dos nossos primos chimpanzés e gorilas é a sociabilidade.

O código genético da humanidade é 99% idêntico ao dos chimpanzés. Em estudos científicos que comparam as competências intelectuais de bebés humanos com outros primatas, a evidência é surpreendente: os bebés humanos apresentam pontuações semelhantes aos dos bebés chimpanzés e apenas ligeiramente superiores aos bebés gorilas em fatores como perceção espacial, inteligência dedutiva ou memória. A única característica em que os bebés humanos apresentam características distintivas de todos os outros primatas é a sociabilidade. Ou dito de outra forma, a sua tendência natural para confiar. É a fragilidade e dependência dos bebés humanos, a sua vontade de imitar, de sentir a aprovação dos outros, a sua capacidade para confiar, que constitui o marco diferenciador da nossa evolução. Essa sociabilidade e amigabilidade permite-nos confiar, interagir, ler as expressões e emoções, desenvolver uma linguagem rica, aprender.

Estes estudos têm uma leitura absolutamente extraordinária. O que faz de nós humanos não é o nosso cérebro, a nossa mente racional. Sãos as nossas emoções, a capacidade de interagir em sociedade, em rede – essa confiança coletiva é que permitiu acumular ao longo de milhares de anos os conhecimentos, passados de geração em geração, em vez de cada um começar do zero. Para aprender é preciso confiar. Para confiar é preciso abrir a nossa fragilidade, as nossas emoções. A origem da palavra emoção é curiosa: em-moção, ou seja, colocar em movimento. São as emoções que nos levam a agir, não o pensamento racional. As emoções levam-nos a ambicionar um futuro, o cérebro racional avalia a melhor forma de lá chegar.

Aliás, não deixa de ser notável que o único traço identificado até hoje que é único no Homo Sapiens é… corar. Todas as espécies comem, dormem, muitas têm sistemas sociais complexos ou atuam em grupo, os primatas são tão inteligentes como a humanidade… mas o ser humano é o único capaz de corar. E corar é uma manifestação involuntária de fraqueza, de deixar revelar as nossas emoções, de gerar confiança.

A evolução não premia o mais agressivo, mas o mais social e amigável.

A sociabilidade e amigabilidade do ser humano é a base da nossa evolução. Aliás, se a violência entre povos primitivos fosse tão abundante como Hobbes pressupõe, seria natural que as gravuras rupestres representassem cenas de violência. Mas nada. Nenhuma gravura rupestre anterior à descoberta da agricultura e sedentarização mostra qualquer exemplo de violência entre pessoas. Do mesmo modo, os fósseis primitivos mostram sinais de cicatrizes e fraturas, mas sempre compatíveis com acidentes naturais (quedas ou ataques de animais), não há qualquer evidência de uso de armas antes da sedentarização.

Se é assim, foi a sedentarização, o surgimento de grupos diferentes com acumulação de riqueza, que originou a separação entre “nós” e “eles” e, com isso, as guerras. Aliás, se excluirmos os últimos 200 anos, a sedentarização e agricultura foram, em geral “um mau negócio” para a maioria da humanidade. Na verdade, durante os milhares de anos de vida nómada dos caçadores-coletores, as pessoas viviam em geral vidas pacatas, com alimentação saudável e trabalhavam talvez menos de 4 horas por dia, para satisfazer as necessidades básicas de alimento. O resto do tempo era passado a descansar ou em diversões de grupo. As mulheres dispunham de um estatuto igualitário, havendo várias evidencias em tribos nómadas de as mulheres puderem escolher livremente os seus parceiros sexuais e habitualmente terem vários parceiros ao longo da vida.  

A sedentarização nos vales férteis do Tigre e Eufrates inicialmente terá parecido boa ideia. Com a agricultura foi possível alimentar mais pessoas. Mas à medida que a população crescia e se tornou necessário ocupar zonas cada vez menos produtivas, juntamente com a propriedade privada e acumulação de riqueza por alguns, a humanidade mudou radicalmente a sua forma de viver. Nos últimos 10.000 anos, talvez mais de 90% da humanidade viveu como escravo ou trabalhador dependente dos senhores feudais, foi vítima de fome, violência e pestes como nunca as tribos de caçadores-coletores tinham conhecido. 

De certa forma, foi preciso percorrer um caminho difícil e acidentado para passar das vidas fáceis e descontraídas do “bom selvagem” para as vidas complexas, exigentes, mas de elevado conforto dos nossos dias. O que se segue? Estamos numa encruzilhada da história humana e a crise climática é o maior desafio que as gerações atuais enfrentam.

Esta deambulação sobre a natureza humana e a evolução do Homo Sapiens permite ainda uma outra observação, que me parece pertinente no nosso caminho de consciência sobre o bem-estar de corpo e alma.

Na verdade, a dor é o estado inevitável da evolução darwiniana. A dor – ou seja, os desafios, as dificuldades – é a essência da seleção natural. É, portanto, parte da nossa condição. Os caçadores-coletores pre-sedentarização não viviam no Paraíso, sem dor ou dificuldades. Havia dor, esforço, alturas de fome e abundância, acidentes. A diferença, no caso do Homo Sapiens, é a consciência aguda dessa dor, a capacidade de comparar a situação presente com o passado e o futuro e pensar obsessivamente sobre isso. A ansiedade gerada pelo nosso cérebro quando tenta gerir a dor, encontrar uma solução para eliminar esse desconforto ativando o nosso modo “ação”, é o resultado de milhões de anos de evolução. Quando a solução é “lutar ou fugir”, esse estado de divergência entre o real e o desejo pode ser resolvido em minutos – para o bem e para o mal. Mas no mundo muito mais complexo em que vivemos, em que não temos ferramentas imediatas para fazer a ponte entre o real e o desejo, esse instrumento evolutivo poderoso – o nosso modo “ação” – torna-se uma armadilha de pensamentos obsessivos, de ansiedade, depressão e comportamentos de compensação (nomeadamente “comer emotivamente”).

Mesmo para quem não é religioso e não acredita num “sentido” espiritual da vida ou do universo, esta perceção de uma consciência coletiva permite um sentimento de pertença, de partilha de uma experiência coletiva muito maior do que cada um de nós. Os momentos de dor, insegurança, ansiedade vão existir sempre. Não vale a pena “forçar” a mente a ignorar ou eliminar esses sentimentos. Mas podemos aprender a viver com esses sentimentos como parte da nossa experiência coletiva e a serenidade de que não estamos sozinhos – mesmo que não haja sentido para a vida, pelo menos não estamos sozinhos e podemos partilhar essa experiência que é viver.

Viver é, de certa forma, esta experiência coletiva de dar e receber. O esforço de dar – ou seja, tratar do corpo, da mente, dos amigos, da família, do trabalho – desenvolve a resiliência que nos faz mais fortes.

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Morangos sem Açúcar (episódio 2): o Planeta e a crise climática

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Olá. O meu nome é Carlos K. Bem-vindos ao meu podcast e blog “Morangos sem Açúcar”, uma série sobre corpo, mente e bem-estar – pessoal e do planeta em que vivemos.   

Este blog e podcast é sobretudo focado em temas de bem-estar individual – corpo, mente e saúde. Contudo, após a reunião do COP26 em Glasgow a semana passada sobre alterações climáticas, impõe-se fazer uma pausa para falar de outro tipo de bem-estar – o nosso bem-estar coletivo, do planeta em que vivemos, das gerações futuras e da biodiversidade.

A possibilidade – na verdade, o direito – à felicidade e bem-estar futuro, tanto pessoal como daqueles que gostamos, está hoje ameaçado pela crise climática e equilíbrio do Planeta cujos perigos só agora começamos a antever. Os eventos meteorológicos extremos estão-se a multiplicar por todo o planeta (ondas de calor, fogos, inundações). Estamos já, em média ao longo da última década, 1ºC acima da temperatura pré-industrial. Os efeitos de loop sistémicos estão em curso – a redução da calota polar reduz o calor refletido, o descongelamento dos icebergs altera as correntes circulares do Atlântico, ameaçando a sobrevivência das espécies marinhas e despoletando furacões mais frequentes e violentos. Incêndios arrasam com os nossos “sorvedores de carbono” (as florestas). Vivemos uma nova extinção em massa de espécies, reduzindo a biodiversidade e riqueza genética da vida neste planeta, sem hipótese de retorno.

Sabemos que o processo está a acelerar, só não sabemos – entre os cenários mais ou menos catastróficos – que futuro nos espera.  

Os efeitos das mudanças climáticas tenderão a afetar mais dramaticamente as zonas mais pobres do globo, eliminando as ilhas do pacífico, ameaçando o modo de vida das comunidades piscatórias, provocando ondas de morte por calor e humidade durante as monções do SE asiático ou reduzindo a produção agrícola nas zonas mais expostas à seca. As regiões que menos contribuíram para o problema podem sofrer desproporcionalmente mais, levantando questões de justiça e mitigação. Mesmo nos cenários mais “suaves” deparamo-nos com consequências graves de equilíbrio geopolítico e desenvolvimento regional.

A evidência científica sobre as alterações climáticas e a origem humana dessas alterações é inquestionável… na verdade, já o é há muito tempo, simplesmente políticos e pessoas comuns preferiram ignorar. Por comodismo, interesses económicos ou sentido de impotência.

Paulatinamente, o risco climático entrou na consciência mundial, perante a evidência de eventos climáticos extremos, o contributo de vozes mediáticas como Al Gore e Bill Gates e o alargamento das preocupações ambientais a grupos crescentes da sociedade, particularmente os jovens – já não se trata apenas de reclamações isoladas de grupos marginais ou eco terroristas, mas das pessoas comuns.  

Uma coisa positiva que a pandemia de Covid-19 trouxe é um aumento da credibilidade da ciência. Em 2020/21, a ciência saiu dos laboratórios e das universidades e entrou-nos pela sala de estar dentro, inundou as redes sociais, gerou debate… e entregou uma solução em menos de 12 meses. O desenvolvimento das vacinas em tão curto espaço de tempo não foi feito sobre o vazio, mas assentou em décadas de ciência fundamental em genética, virologia, imunologia, a face visível de uma maratona.

Indiretamente, o Covid forçou uma alteração da consciência e atitudes globais sobre o clima. Por um lado, porque o Covid aumentou a perceção de risco e a ameaça de eventos extremos (os “tails” da função de probabilidade tornaram-se repentinamente muito mais assustadores), que por sua vez despertou a consciência coletiva para os eventos climáticos extremos dos últimos anos. Por outro lado, reforçou a credibilidade da ciência e dos alertas sobre a urgência de encontrar respostas concretas que evitem a catástrofe.     

Mas será que estamos já no momento de viragem das atitudes e opções coletivas? Será que estamos todos suficientemente convencidos do perigo para aceitar os custos da transição energética e descarbonização da economia? Que sacrifícios estamos dispostos a fazer, enquanto sociedade?

Na verdade, apesar de todos os discursos, manifestações e posts nas redes sociais, o facto é que estamos ainda longe do ponto de viragem. O relatório do IPCC sobre alterações climáticas foi publicado na mesma semana em que o Messi saiu do Barcelona… experimentem comparar o número de buscas no Google desses dois eventos nessa semana. O imediato ainda nos toca mais do que o risco de destruição coletiva.

Outra evidência de que estamos ainda longe do ponto de viragem é a avaliação dos compromissos assumidos por vários países do mundo para conter a emissão de gases efeito de estufa. Apesar dos compromissos de “net zero” em 2050 de muitos países, o que acontece nos próximos anos até 2030 será determinante. É reconhecido que para parar o aumento da temperatura em 2ºC acima do nível pré-industrial, precisamos de reduzir as emissões em 50% até 2030 face a 2010. Mesmo somando todos os compromissos já assumidos, com pompa e circunstância, pelos líderes globais, ainda estamos em 2030… 14% acima das emissões de 2010.

A atenção do publico sobre as questões ambientais arrisca levar empresas e governos a uma correria para “parecer verdes”, em vez de investir seriamente para “ser verdes” – porque esses investimentos demoram tempo, são incertos, e a pressão para mostrar que se está a fazer alguma coisa pode conduzir a uma onda de “green washing”. Um balde de tinta verde para cobrir relatórios de sustentabilidade e discursos, mas sem tempo para fazer as escolhas difíceis e alterações estruturais necessárias.  Querer fazer as coisas demasiado rápido e com efeitos visíveis no curto prazo pode-nos afastar das mudanças estruturais para uma solução duradoura.

Na verdade, os custos, investimentos e alterações à produzimos, consumimos e descartamos coisas serão colossais. Para contextualizar a discussão sobre o clima, há dois números críticos: 51 e 0. Cinquenta e um biliões de toneladas de gases efeito de estufa em CO2-equivalente é o que emitimos atualmente por ano. Zero é o que temos que atingir. Simples. E isto só para parar de agravar o processo. Os gases já hoje na atmosfera são já suficientes para conduzir a um aumento de 2ºC na temperatura. Esses gases vão manter-se na atmosfera durante séculos, pelo que qualquer emissão adicional continua a “encher a banheira”. Para evitar que a banheira transborde, não basta reduzir o caudal da água. É preciso fechar totalmente a torneira. E depois tentar encontrar uma forma de abrir a tampa do escoamento.

Uma coisa que o Covid demonstrou é a dificuldade da tarefa que enfrentamos. Emitimos atualmente cerca de 50 biliões de toneladas de gases efeitos estufa. Temos que cortar, em termos líquidos, 100% (e isto antes de começar a pensar em recuperar CO2 da atmosfera para tentar reverter os efeitos já em curso). Em 2020, durante o período da pandemia, com a economia fechada, as populações confinadas, os aviões e carros parados, o desastre económico, as emissões caíram apenas 5-6%. Isto demonstra bem a enormidade do que temos pela frente. Mas também mostra que será impossível chegar lá sem uma alteração profunda, estrutural, do modo como produzimos e consumimos.

É neste ponto que enfrentamos o maior obstáculo a resolver o problema: a dimensão do que é preciso fazer é tão gigantesca que cada um de nós, individualmente ou até mesmo um governo, se vê impotente para agir.

Na verdade, o discurso tradicional de “cada um fazer o que pode para ajudar” pode até ser contraproducente. O discurso moralizante de “apagar as luzes, reciclar, mudar para um carro elétrico, etc” é hipócrita! Na verdade, eu posso mudar radicalmente a minha vida, adotar todas as boas práticas… e ainda assim, sou absolutamente incapaz de tornar a minha vida net zero, quanto mais net negative. É preciso uma alteração estrutural da forma de produzir, distribuir e consumir. Por isso, repito: a pressão moral para mudar comportamentos individuais é hipócrita e serve apenas para nos fazer sentir pessimamente com algo que não controlamos. Há uns anos, quando comecei a ler relatórios e livros sobre o tema, inundou-me uma sensação de impotência. A “depressão ecológica” está documentada e traduz esta responsabilização individual, pressão moral por algo que não controlamos individualmente. Por isso, as palavras de Greta Thumberg na ONU são tão poderosas: “how dare you?!” Não ousem colocar no individuo a responsabilidade que os políticos e agência intergovernamentais não tiveram a coragem de enfrentar.

Claro que a mudança de comportamento individual ajuda. Mas apenas no contexto de uma mudança sistémica em que o consumidor tem opções. Não vamos de repente tornar-nos Homens e Mulheres das cavernas para resolver a situação. Isso não vai acontecer. Por isso precisamos de soluções tecnológicas e científicas que abram novas opções.

Do mesmo modo, os países de rendimento baixo e médio não vão abdicar do seu crescimento económico, urbanização e melhoria alimentar. Nem seria justo – genericamente, não foram eles que criaram o problema. Os países desenvolvidos beneficiaram de 2 séculos de industrialização sem restrições ambientais. Hoje, até pode ser mais fácil para esses países desenvolvidos atingir “net zero”, porque são economias terciarizadas de serviços. Mas deslocar as fábricas do mundo para fora do “nosso quintal” faz apenas com que deixemos de nos sentir moralmente culpados – mas não elimina o problema. Por isso, é crucial encontrar soluções tecnológicas que permitam aos países em desenvolvimento industrializar-se e produzir “coisas” com tecnologias mais limpas sem que isso exija investimentos ou custos muito superiores. Só com a redução e eliminação do “green premium” (o custo ou investimento adicional necessário para produzir de forma “limpa”) é que poderemos esperar que os países em desenvolvimento adotem soluções ecológicas. Essa é a responsabilidade principal dos países ricos e lideres do mundo: criar condições de incentivos à inovação tecnológica que permita produzir aço, cimento, carne e transportes de forma mais ecológica mas sem o “green premium”.

Se pensarmos que 2/3 da humanidade está ainda em países de rendimento baixo ou médio, e que o seu crescimento vai levar a produzir mais coisas, construir mais prédios e criar mais gado, percebemos que se não houver alterações radicais de tecnologia e estrutura económica, será impossível parar a tendência de emissões crescentes.

Há já tecnologias verdes de produzir cimento e aço. Empreendedores estão a experimentar com carne crescida em laboratório e há já no mercado carne de vegetais com textura, sangrar, resistência e cor da carne. Contudo, o “green premium” torna esta soluções ainda impossíveis para classes com menos rendimentos e muito menos para países em desenvolvimento.

Neste tema, acredito firmemente no poder da ciência e da inteligência humana. Podemos alavancar a curiosidade natural ou vontade moral de cientistas e engenheiros encontrarem soluções com a criação de incentivos certos e disponibilização de fundos para investir nessas ideias. A maioria vai falhar. Mas temos que dar espaço a que algumas possam funcionar.

Pode ser tentador adotar uma visão “anti-progresso” estilo eremita, atribuindo a culpa da crise climática à ciência, progresso e ambição. A meu ver, os problemas nunca são criados pelo progresso e inteligência, mas pela nosso progresso e inteligência limitada. Termino assim com esta nota de otimismo nas capacidades da ciência e tecnologia… mas os custos e investimentos necessários para o conseguir serão colossais. Estamos dispostos a aceitar esses custos? Esse é o tema do próximo episódio.

Aqui fica o meu propósito. Mais do que tudo, este blog e podcast é uma experiência pessoal de descoberta. Quem quiser, é bem-vindo a juntar-se. Não esqueça de subscrever o podcast e recomendar a amigas e amigos. Podem ver mais informação sobre mim e as minhas publicações no site www.karlosk.com, subscrever o blog e ver o link para o podcast nas várias plataformas.

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