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Olá e bem-vindos ao meu podcast e blog “Morangos sem Açúcar”, uma série sobre desenvolvimento pessoal, corpo, mente e bem-estar – pessoal e do planeta em que vivemos. O meu nome é Karlos K e gostaria imenso de ouvir a SUA opinião, comentários e experiências pessoais, através do email karlosk.books@gmail.com, no Instagram ou Facebook @karlosk.escritor ou no site www.karlosk.com/contacto.
A alimentação tem um impacto direto no nosso aspeto e saúde, mas uma área menos conhecida é o impacto na longevidade. Não apenas o que comemos, mas também quando comemos, pode contribuir para uma vida mais longa e sobretudo com melhor qualidade. Acrescentar anos à vida e acrescentar vida aos anos. Neste segundo episódio da trilogia sobre alimentação, debruçamo-nos sobre a evidência crescente de que tão ou mais importante do que aquilo ou quanto comemos, é quando comemos. O jejum intermitente (ou comer numa janela temporal restrita) é uma consequência natural de reduzir a dependência das fontes de energia fácil mas de pouca duração dos hidratos de carbono e açúcares. Comer frequentemente significa que o organismo está continuamente em stress digestivo. Pelo contrário, introduzir períodos de restrição calórica pode contribuir para maior atenção mental, resistência física, dormir melhor e maior longevidade.
Todos conhecemos os aspetos base da saúde e bem estar: exercício físico, não fumar, dormir bem, alimentação saudável e gerir o stress. Os primeiros 2 são relativamente óbvios e consensuais: mais exercício físico é, em geral, bom, qualquer que seja. Correr, caminhar, bicicleta, nadar, ténis, pilates… não interessa. Mexa-se. Quanto ao tabaco, a resposta também é simples: Não!
Mas os outros pilares do bem-estar são bem mais difíceis de gerir.
Em relação à alimentação, somos continuamente inundados com novas opções, dietas da moda, publicidade a snacks e junk food que respondem à última moda dietética (zero açúcar ou sem glúten ou sem lactose) ou prometem a felicidade fácil numa embalagem. A cada nova moda dietética a indústria alimentar responde com novas soluções sem isto ou sem aquilo, mas com outros lixos, até outra moda surgir. E assim o consumidor vai saltando de moda em moda, sem nunca atingir os seus objetivos. Precisamos por isso de princípios fortes e simples que nos permitam sair fora do ruído do marketing. Que nos permita fazer as nossas próprias escolhas.
A solução, teoricamente, é simples: comer pouco e evitar alimentos processados, optando por comida natural que poderíamos caçar, pescar e colher. Parece simples. Só que não é. Nas vidas atarefadas que vivemos e com tantas tentações à distância de um impulso, ou eventos sociais em que a comida e bebida aparece à nossa frente sem uma escolha consciente, é na verdade difícil para muitos seguir essas orientações aparentemente simples.
Por isso, algumas orientações pragmáticas que nos ajudem a orientar nesta selva podem ser muito poderosas.
No último episódio falamos de uma abordagem low-carb à alimentação como forma de eliminar a dependência dos nossos corpos do vício dos hidratos de carbono como fonte fácil de energia, adaptando o nosso organismo para “queimar gordura”. Isso é uma fonte muito mais prolongada de energia, porque não carece de reabastecer o corpo de hidratos a cada 2-3 horas, e por isso contribui para maior sensação de saciedade.
É por isso quase natural, ao fim de alguns dias de low-carb, sentir necessidade de comer menos vezes. O seu corpo está a produzir energia a partir das reservas de gordura, sem precisar de um abastecimento contínuo de lenha para a fogueira do ciclo de krebs (os hidratos de carbono e açúcares).
Isto abre a porta a outro desenvolvimento recente das ciências da nutrição: o stress digestivo. Há múltiplos estudos que demonstram a relação positiva entre restrição calórica ou jejum e prolongamento da vida. Os mecanismos desta relação estão ainda em investigação, mas há um corpo de evidência crescente que valida os benefícios de uma “janela alimentar restrita” para comer. A ideia, em termos genéricos, é que o corpo precisa de tempo para se regenerar e limpar os “resíduos” do processo digestivo. O processo digestivo cria algo parecido com stress celular, e como tudo, é preciso tempo de descanso para reparar os pequenos danos causados a nível celular quando o corpo está em atividade.
Por outro lado, há também evidência de que eventos “negativos”, desde que não sejam uma ameaça à vida, induzem uma resposta de auto-proteção e regeneração. Isto tem uma lógica evolutiva. Quando há tudo em abundância e conforto, o corpo entra em modo de multiplicação e crescimento. Em tempos de restrição, o corpo fecha-se e entra em modo de proteção e preservação. Só que esses mecanismos evolutivos prepararam-nos para milhares de anos em que períodos de abundância e restrição se sucediam. Nas sociedades modernas, o organismo vive em estado permanente de abundância e conforto – ou seja, está continuamente em modo de crescimento e multiplicação, sem períodos de pausa para reparação e conservação. Nas notas deste episódio tem links a algumas fontes credíveis de cientistas de neurobiologia e envelhecimento, que sugerem que praticas de restrição – frio, restrição calórica, jejum, esforço físico intenso – despoletam mecanismos celulares que aumentam a longevidade.
Vários estudos laboratoriais demonstram os benefícios de saúde e longevidade de assegurar regularmente 15-16 horas sem comer, uma espécie de jejum intermitente (intermitent fasting). A meu ver, o termo “jejum” provoca reações negativas em muitas pessoas – aborda esta prática como uma negação, em vez de uma abordagem positiva de planear de forma consciente as nossas opções alimentares. Por isso, prefiro a designação “janela temporal de alimentação” (time restricted eating). Ou seja, definir um período de 8 a 10 horas em que programamos as nossas refeições, deixando 14 a 16 horas de descanso alimentar. Esta restrição diária pode ser conjugada com períodos de jejum mais prolongado (2-3 dias) por exemplo trimestralmente.
A relação entre restrição calórica e longevidade é reconhecida pela medicina há muito tempo. A evolução da genética nas últimas décadas permitiu identificar os genes associados à longevidade, bem como um mecanismo de “proteção” do organismo despoletado em períodos mais alargados sem comida. O processo digestivo é exigente para vários órgãos e conduz a reprodução/substituição celular para reparar tecidos, construir musculo ou armazenar as calorias. Na reprodução celular vão acontecendo pequenos erros na cópia do genoma, que se acumulam ao longo de décadas e provocam as “doenças da velhice”. Pelo contrário, o tempo de “descanso alimentar” permite abrandar a reprodução celular, dando espaço a reparação genómica conservando o genoma da juventude e atrasando os efeitos do envelhecimento.
Um estudo laboratorial com 10 mil ratinhos concluir que o principal fator determinante da longevidade é a restrição temporal da comida. Considerando uma variedade de dietas testadas e estilo de alimentação, o grupo com maior longevidade foi o que tinha alimento disponível apenas 1h por dia (independentemente do tipo de dietas). Ou seja, parece ser mais importante quando se come do que o que se come!
A jejum intermitente é quase uma consequência natural das dietas low-carb e a meu ver complementam-se naturalmente. A eliminação dos hidratos de carbono como fonte privilegiada de calorias de “queima rápida”, substituindo por combustível de “queima lenta”, aumenta a saciedade e reduz naturalmente a necessidade de comer, fazendo facilmente a ponte para uma janela alimentar de 10 horas ou menos.
Cada pessoa pode e deve adaptar esta janela temporal ao seu ritmo e necessidades.
Uma opção relativamente fácil é atrasar/eliminar o pequeno-almoço até às 12h/13h. Começar o dia apenas com água (muita água) e se precisar, café ou chá. Atenção ao café – no episódio 5, sobre o sono, vimos como o efeito do café (e chá preto ou verde) se prolonga durante muitas horas, pelo que a minha recomendação é eliminar o café a partir do meio-dia (quanto muito, descafeinado depois de almoço).
Para pessoas com dias muito cheios, eliminar o almoço ou substituir por algo ligeiro como umas nozes ou iogurte pode funcionar bem.
Outra hipótese é antecipar o jantar, de forma a terminar antes das 18h, fazendo uma janela temporal 10-18h, o que pode contribuir para facilitar o sono. Mas costumes sociais ou horários de trabalho podem tornar esta opção impraticável, sobretudo porque nas culturas mediterrânicas o jantar é o tempo de convívio social e com a família, o que também é crucial.
O conceito é simples mas poderoso e há estudos científicos que associam esta disciplina do time-restricted eating a benefícios como evitar certas formas de cancro e doenças neuro-degenerativas como o Alhzeimer ou Parkinson.
Deixem-me sublinhar que o conceito de “janela temporal restrita” para comer é muito diferente de jejum. Começa a haver nos social media tendências para fazer 2, 3 até 5 dias de jejum. Reconheço que fazer uma “desintoxicação” duas ou três vezes por ano, com alguns dias de jejum (apenas água, café e chás) pode ter importantes benefícios – desde que consiga continuar a sua vida e o seu trabalho. Contudo, sou bastante cético em relação a intercalar praticas de “fome” durante a semana com “orgias alimentares” ao fim de semana. Isso induz uma montanha russa de insulina e stress alimentar oposta ao que se pretende com a adoção de práticas alimentares continuadas, de longo prazo, integradas na nossa rotina.
Uma nota muito importante que não podemos deixar de enfatizar: os corpos e ciclos das mulheres são diferentes dos homens. Após a menopausa, a gestão deste jejum intermitente pode ser feito de forma mais ou menos semelhante entre homens e mulheres. Antes da menopausa, as mulheres devem respeitar e aproveitar os ciclos do seu corpo, gerindo de forma ativa os ciclos de energia. Por exemplo, no início de um ciclo menstrual, em que tendencialmente tem mais energia, pode ser uma boa altura para alargar a janela temporal sem comida, enquanto que na segunda parte do ciclo pode ser sensato reduzir as horas de jejum para evitar emoções negativas. Nos dias antes da menstruação, em que o corpo já está naturalmente numa fase de maior stress, pode até ser preferível regressar a uma janela alargada de alimentação.
Por outro lado, parece-me desnecessário e com riscos que não podemos ainda afastar com certeza de deixar crianças e adolescentes adotar estas práticas, seja o low-carb (embora a consciência e educação de uma alimentação limpa deva começar desde cedo) e sobretudo jejum intermitente. A adolescência é uma fase conturbada, com várias pressões psicológicas e hormonais, pelo que importa evitar riscos de despoletar distúrbios alimentares como anorexia ou bulimia. Recomendaria estas práticas apenas em casos de obesidade infantil e apenas acompanhados por médicos endocrinologistas ou nutricionistas.
Uma questão final: por onde devemos começar? Passar a low-carb e passado 1-2 semanas começar a restringir a janela temporal de alimentação, ou ao contrário? Confesso que me parece muito mais natural começar pelo low-carb, que gera maior sensação de saciedade e ensina o corpo a gerar energia a partir da gordura armazenada, podendo desse modo lidar muito mais facilmente com a posterior introdução de períodos mais alargados de jejum, até às 14-16h. Pelo contrário, se começarmos com restrição temporal numa fase em que o nosso corpo ainda está viciado em hidratos de carbono e inunda o cérebro com mensagens de “fome” a cada 2-3 horas, a tentação de atacar um snack pode ser insustentável. Ou chegar à refeição com uma sensação de desespero tal que acabamos por nos inundar de “comida de compensação” e fazer más escolhas (hidratos, açúcares, bebidas doces…)
Por fim, os hábitos de vida que temos vindo a falar tem um efeito sinérgico de reforço mútuo. Dormir bem emite leptina, aumentando a sensação de saciedade e reduzindo a perceção psicológica de fome. Exercício físico ajuda a dormir e aumenta o dispêndio calórico. O exercício também aumenta o impacto do jejum intermitente porque ativa o processo de autofagia (limpeza lixo celular) com menos horas de jejum. O próximo episódio, o final desta trilogia sobre alimentação, será sobre um campo relativamente novo de nutrição e psicologia, analisando a relação entre certos alimentos e o bem-estar da mente e funcionamento cerebral.
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